MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

sábado, 27 de maio de 2017

A crise moral brasileira: ideologia demais, conhecimento de menos.


Artigo do professor Alberto Oliva, publicado pela revista Amálgama, aborda a crise moral brasileira, indagando "de que matéria se compõe o senso comum" - tão antiliberal e contrário os fatos. É ideologia demais para conhecimento de menos:

É espantoso, mas a grande maioria dos juízos que emitimos sobre as coisas e as pessoas está redondamente errada. E, no entanto, o mundo funciona e a vida vai sendo tocada. Isso não significa que o conhecimento é, na maioria dos casos, dispensável e sim que há pouca ciência em quase tudo que pensamos e fazemos. É cabível supor que mais conhecimento propicie uma maior serenidade nos julgamentos. Igualmente defensável é a avaliação de que o conhecimento é colocado de lado quando temos de avaliar matérias que se deixam permear por interesses, emoções ou paixões. Nesse caso, não vale a recomendação do grande Leibniz: “não discutamos, calculemos”.

Mais conhecimento pode ou não levar à reta ação. Não basta saber o que é certo para fazê-lo. O conhecimento não é panaceia. Conjugado com a virtude, pode inibir os pré-conceitos, os pré-juízos que infestam o panorama intelectual e midiático brasileiro. É fato que os temas que mais mobilizam o ser humano geram acalorados debates, sendo grandes as dificuldades para a eles se dispensar tratamento rigoroso. Questões políticas e econômicas suscitam no Brasil mais posicionamento ideológico que fundado entendimento. As preferências ideológicas servem, entre outras coisas, para esconder na Terra de Santa Cruz as fragilidades intelectuais. É perfeita a combinação entre monocromatismo ideológico e arrogância. Os juízos emitidos em conformidade com antolhos político-ideológicos – que desprezam solenemente fatos – evidenciam que nossa crise é essencialmente moral. Em nossa cultura antiempirista, os fatos não contam. Tudo o que importa é o que pensamos sobre eles. Quanto mais densas as trevas mais brilham os vagalumes…

O senso comum costuma se escravizar ao fluxo visível dos acontecimentos. No cotidiano político das coletividades os holofotes se voltam primacialmente para as decisões do executivo e legislativo que diretamente afetam os cidadãos. O que se esconde no subsolo dos poderes e sob a teia das relações sociais tende a passar despercebido. Raramente, as pessoas atentam para a “fisiologia” oculta dos fenômenos que se manifestam no corpo social. Quando muito, a curiosidade é despertada para o que se passa nos bastidores das tramas político-econômicas do espetáculo da vida nacional.

O fato é que uma sociedade, para bem e para mal, é também movida pelo invisível e pelo oculto. As forças invisíveis que se movimentam no leito do rio social não resultam das tramas das elites manipuladoras. Não devem, por isso, ser confundidas com os meteorismos nos subterrâneos obscuros do poder. Com atuação viva e permanente, essas forças invisíveis participam de modo decisivo dos complexos processos de formação das “peculiaridades nacionais”. São, numa certa medida, as principais responsáveis pelas idiossincrasias dos povos. A cristalização dos costumes centenários exemplifica seu poderio psicossocial. Pode-se mesmo dizer que sem a compreensão dos hábitos coletivos, fundamente arraigados, não se consegue reconstituir o tortuoso processo de construção da identidade de uma sociedade.

O problema é que os costumes enraizados, os que plasmam condutas, resultam da atuação de forças sobre as quais as coletividades têm escasso conhecimento e diminuto controle. O consenso profundo que dá unidade à vida social muito deve à penetração dessas forças no “inconsciente coletivo”. A informalidade, o calor humano, a vista grossa contra práticas e atitudes pouco recomendáveis no espaço público, a corrupção endêmica e sistêmica e tantos outros traços distintivos, se reproduzem como hábitos calcificados no tecido social brasileiro. É até provável que a maioria se sinta incomodada com a “frouxidão” comportamental difundida. Mas é difícil resistir à contaminação do laxismo, do “deixa rolar”, que se alastra como uma epidemia contra os órgãos responsáveis pela saúde imunológica da sociedade. É interessante observar que a frequência com que se joga lixo nas ruas, e se cometem deslizes de magnitude similar, é proporcional à indiferença da grande maioria que a tudo assiste de modo distanciado.

Na verdade, o comportamento antissocial se espalha em virtude de ser pouco incisiva a reação da coletividade aos espetáculos de incivilidade. Não é que caiba a cada um de nós repreender o próximo. Só que a cumplicidade do olhar não pode deixar de dar a impressão de que as posturas desrespeitosas a poucos incomodam. A ausência da reprovação veemente do “olho coletivo” é uma dessas posturas centenárias que por estas plagas se consolidaram pela atuação de forças invisíveis cuja gênese se perde no tempo da nacionalidade. O grave é tanto o que se faz de errado no espaço público quanto a falta de pressão orquestrada da maioria. Essa omissão coletiva está incorporada ao nosso ser social como se fosse um traço de personalidade.

A fraca pressão da coletividade em parte explica por que as autoridades tanto hesitam em colocar em ação os dispositivos legais de combate às ilicitudes. A repressão ao crime, dentro da lei e do respeito à pessoa humana, só é legítima quando desdobramento natural da pressão que a própria sociedade exerce sobre os atos que contrariam suas regras fundamentais de convivência. Se a coletividade exibe silêncio conivente com os pequenos delitos, a atuação dos órgãos repressivos tenderá sempre a parecer extemporânea. Isto porque se a pressão difusa da sociedade é débil, o desgaste político e o custo operacional da repressão passam a ser altos.

Por mais que não se deva crer em entidades misteriosas como “A Sociedade”, não se pode deixar de reconhecer que a história vai gerando uma espécie de “alma nacional” como resultado de um processo, em parte aleatório, de construção de uma identidade societária. Os diferentes modos de atuação das chamadas forças ocultas nos porões da sociedade também ajudam a forjar a “alma coletiva”. Junto com as forças invisíveis, as ações de bastidores, as alianças secretas que loteiam o poder e os cargos no interior das instituições, constituem o código genético de uma sociedade. Se o cidadão pudesse juntar a paisagem tangível com a ultrassonografia das forças invisíveis e dos cordéis dos bastidores teria uma visão mais completa da vida social. Talvez um pouco assustadora, mas certamente reveladora.

O senso comum brasileiro é muito receptivo às bobagens proferidas por pseudointelectuais e semiletrados diplomados. As crenças que vão se formando de maneira espontânea no interior de nossa cultura passam por poucos crivos. Na era da aldeia globalizada pela mídia, tende a se tornar residual a espontaneidade que outrora se fazia presente na teia de crenças que se formava no mundo social. Mas se determinadas ideias prosperam em certas sociedades é porque estas têm uma história que as torna propensas a elas. Não basta denunciarmos que o ensino das humanidades está no Brasil todo dominado pela óptica do marxismo vulgar. É fundamental indagarmos o que possibilitou isso.

Por que as pessoas ouvem os catecismos ideológicos passiva e receptivamente, por que não questionam sua veracidade, por que aceitam a versão caricaturada das visões alternativas? Se não nos colocamos este tipo de questão, ficamos confinados aos efeitos sem saber que antídoto procurar para fazer frente ao envenenamento das consciências. Se há doutrinadores profissionais é porque há quem acolha empaticamente suas mensagens. A opinião pública só se deixa manipular por ideias que se mostram minimamente compatíveis com suas predisposições, inclinações. Sem envolvimento “afetivo” com o sequestrador de consciências, ninguém se deixa doutrinar.

Uma sociedade que não valora de forma adequada a liberdade acolhe com simpatia os discursos que aberta ou veladamente propugnam por um Estado intervencionista e dirigista. Uma sociedade que não tem um senso arraigado de propriedade privada é conivente com pregações contra ela, e cúmplice dos que a desrespeitam na prática. Sem uma longa e profunda reforma de mentalidade, é muito difícil ideias incompatíveis com o senso comum prosperarem em uma sociedade.

A perseguição silenciosa a certas ideias no Brasil é consequência de o senso comum tupiniquim não prezá-las como merecem. As torpezas e baixezas proferidas contra o liberalismo no Brasil se explicam pela ignorância e pela subserviência do senso comum aos governantes dos quais espera a solução de seus aflitivos problemas. Os poucos que expõem ideias liberais, que diferentemente das do marxismo não estão na origem dos regimes que produziram milhões de cadáveres ideológicos, são chamados pela intelligentsia de conservadores ou direitistas. Se os brasileiros tivessem o devido apreço pela liberdade, recusando-se a ser tão dependentes do Estado, não seriam manipulados pelos políticos que capturam o aparato estatal, e as estatais que gravitam em torno dele, em beneficio próprio.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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