Para Denis Rosenfield, os vazamentos - embora arbitrários - acabaram fazendo com que a Operação Lava-jato prosperasse. "Considerando
que as instituições vigentes têm consagrado a impunidade, teria sido a
Operação Lava-Jato efetiva sem os vazamentos? Não cumprem eles uma
função saneadora da vida pública? Se o segredo da instrução fosse
efetivamente assegurado, estariam os poderosos sendo investigados e
condenados?":
O Brasil está sendo
passado a limpo. O grau de corrupção ganhou proporções inauditas,
permeando as instituições. Os exemplos mais variados mostram o quanto
ela adentrou o Executivo, o Legislativo e, mesmo, o Judiciário, embora
deste último tenham nascido as medidas moralizadoras e punitivas. O
sistema partidário foi, certamente, o mais atingido, perdendo,
inclusive, as suas condições de representatividade.
O combate à corrupção
foi — e está sendo — capitaneado por um grupo de juízes,
desembargadores, promotores e procuradores, contando com o apoio
decisivo da sociedade e da imprensa e dos meios de comunicação em geral.
Poderosos estão sendo julgados e condenados, alguns estando já presos.
Do ponto de vista
social, a transformação é imensa, pois não são ladrões de galinha que
estão pagando por pequenos delitos, mas os próprios corruptores das
instituições nacionais.
Acontece, contudo,
que um processo de tal tipo não se faz sem atropelos e efeitos
colaterais importantes. Prisões preventivas são utilizadas abusivamente
ao arrepio de suas condições, indivíduos são encarcerados por longo
tempo antes de serem efetivamente condenados, e punições, sob a forma de
condenações públicas, tornam-se a regra.
Com razão, muitos se
insurgem contra atos que não asseguram devidamente a defesa dos acusados
e violam garantias individuais, constitucionalmente asseguradas. Não
são pessoas que possam ser vistas de uma forma maniqueísta como
defensores da impunidade.
A questão, porém,
deve ser vista de uma outra maneira. Teria sido possível que a Lava-Jato
prosperasse sem que certos atropelos à lei tivessem ocorrido? É
plausível que, numa guerra, as regras de civilidade e convenções
internacionais sejam estritamente seguidas?
Se o contexto é de
limpeza da cena pública, a varredura deverá ser necessariamente
rigorosa, obedecendo à sua própria lógica e condições. Se a cidadela da
impunidade deve ser conquistada, os meios utilizados deverão levar em
consideração adversários encastelados em suas posições de poder.
O atual sistema
legal, até agora, vinha apenas assegurando a impunidade dos corruptos.
Esta era a regra com todas as suas justificativas jurídicas
correspondentes.
Tomemos o caso do
foro privilegiado. Trata-se de instituto vigente que tinha um fim nobre,
a saber, assegurar o exercício das atividades parlamentar e ministerial
contra qualquer tipo de intervenção política arbitrária. Ocorre que ele
terminou sendo desviado de sua função, tornando-se um abrigo dos que
querem fugir da Justiça.
Observe-se que muitos
políticos nem entram no mérito das acusações que contra eles são
lançadas, como se isso não tivesse a menor importância. Atêm-se,
somente, a pequenas considerações legais, respaldadas no foro
privilegiado e ressaltando que não foram julgados.
Ocorre que não foram
julgados e eventualmente condenados por usufruírem precisamente do foro
privilegiado, que funciona como um escudo da impunidade. Note-se que as
condenações em primeira instância da Lava-Jato, em Curitiba, e
referendadas pela Segunda Instância do TRF-4, em Porto Alegre, já
ultrapassaram a centena. A Justiça, nesta esfera, está sendo, portanto,
feita.
No Supremo Tribunal
Federal, contudo, não há nenhuma condenação dos que gozam de foro
privilegiado. A sua morosidade termina por consagrar a impunidade. A
justificativa de que a Procuradoria-Geral da República não está fazendo o
seu trabalho a contento somente agrava a situação, pois também ela
estaria consagrando a impunidade. Artifícios legais e tergiversações não
devem ser instrumentos da injustiça.
Tomemos o caso dos
vazamentos. Evidentemente, não são eles inocentes, mas perseguem certos
objetivos. São seletivos, escolhendo determinados alvos e, neste
sentido, são arbitrários. Qualquer um pode ser atingido a qualquer
momento. Inocentes podem ser atingidos e sua honra, destruída, sem que
tenham sido julgados.
Exemplos disto são
certas delações, como a de Cláudio Melo Filho. Algumas das acusações —
outras são precisas — estão baseadas em meras impressões, sem
embasamento fidedigno. Provas materiais deverão ser apresentadas, pois,
sem elas, alegações serão meramente alegações.
Ocorre que elas
terminam se tornando a base de matérias jornalísticas, superficialmente
feitas. Assim, procede-se à contagem de quantas menções foram feitas a
certos políticos. Algumas alcançam dezenas.
Entretanto, uma
leitura acurada do documento mostra que o seu fundamento consiste em
referências do seguinte tipo. Fulano foi recebido por sicrano (uma
menção), este o convidou para sentar (segunda), ofereceu-lhe um
cafezinho (terceira) e assim indefinidamente até o aperto de mãos na
despedida, perfazendo dezenas de menções.
A questão, porém,
deve ser também abordada em outra perspectiva. Considerando que as
instituições vigentes têm consagrado a impunidade, teria sido a Operação
Lava-Jato efetiva sem os vazamentos? Não cumprem eles uma função
saneadora da vida pública? Se o segredo da instrução fosse efetivamente
assegurado, estariam os poderosos sendo investigados e condenados?
Os vazamentos são um
efeito colateral de instituições que não vêm cumprindo com suas
finalidades. Se o sistema jurídico estivesse voltado realmente para a
condenação dos políticos que usufruem do foro privilegiado, a
disfuncionalidade dos vazamentos não existiria, pela simples razão de
que seriam desnecessários.
Os vazamentos e sua
repercussão jornalística cumprem com um papel essencial, o de
esclarecerem a sociedade sobre os seus representantes. Sem eles, não
teriam acesso à informação, nem consciência de quem os dirige. A
consciência social e nacional seria capenga.
Basta que as
condições que tornam necessários os vazamentos sejam suprimidas para que
estes desapareçam ou se tornem irrelevantes. Dentre elas, o fim do foro
privilegiado como hoje existe, a morosidade dos julgamentos e a
eliminação do segredo de processos de agentes públicos que devem prestar
contas a toda a nação. (Jornal O Globo).
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário