O desembargador
aposentado Aloísio de Toledo Cesar escreve, no Estadão, sobre o
execrável foro privilegiado, e lamenta que, no STF, apenas um ministro
carregue nas costas o processo do petrolão, que exige celeridade, pois
atinge os próprios fundamentos da República:
Esse aleijão
constitucional denominado foro privilegiado vem atuando contra o Brasil e
impedindo o desfecho rápido de importantes processos judiciais,
sobretudo os da Operação Lava Jato.
Quando Ulysses
Guimarães, Tancredo Neves, Mário Covas, Franco Montoro e outros ilustres
constituintes redigiram nossa Carta Magna, cometeram o lamentável
escorregão de conferir foro privilegiado aos senadores e deputados
federais. Não imaginaram eles que haveria avanço tão despudorado sobre
os cofres públicos nem que tantos senadores e deputados federais,
alinhavados com gente da pior espécie nas grandes empreiteiras, se
tornariam criminosos merecedores de exemplar punição.
Há realmente um
aleijão constitucional a ser apreciado e decidido pelo Supremo Tribunal
Federal, porque as prerrogativas em favor de senadores e deputados
federais foram idealizadas menos em favor desses congressistas do que da
instituição parlamentar. A inviolabilidade, a imunidade e o foro
privilegiado, previstos pela Constituição federal em favor desses
parlamentares, objetivam claramente conferir-lhes segurança e ampla
liberdade para sua atuação legislativa. Assim ficaram invioláveis civil e
criminalmente por suas opiniões, palavras e seus votos.
Mas em hipótese
alguma se pode admitir que tenham direito a processo judicial
interminável, que somente chegará ao fim quando estiver configurada a
prescrição (reconhecimento de que não se poderá mais punir).
Perante os juízes de
primeiro grau, em especial o inconfundível Sergio Moro, os processos
judiciais avançam no ritmo determinado pelo Código de Processo Penal,
mas ao chegarem ao Supremo surgem motivos para preocupação, porque o
ministro relator, Luiz Edson Fachin, não poderá desdobrar-se em 20 para
apreciar a tempo (antes da prescrição) todos os processos contra os
membros do Congresso Nacional.
O poeta paulista
Mário de Andrade costumava dizer: “Eu sou trezentos”. Ora, o ministro
Fachin é um só e, muito embora disponha de juízes auxiliares, isso não
traz a certeza de rapidez nos julgamentos. A decisão judicial é de
responsabilidade pessoal e sempre exige o exame criterioso do
responsável pela assinatura do acórdão, por isso não bastam o talento e
os esforços dos auxiliares.
Neste abençoado
período de faxina geral vivido pelo País, o número de novos processos,
ao estímulo das delações premiadas, tende a crescer cada vez mais. E
isso aponta para a necessidade de uma adaptação do Judiciário, sob pena
de os esforços se tornarem inúteis e a população brasileira acabar
frustrada. São 11 os ministros no Supremo Tribunal e por isso mesmo se
torna muito difícil para os brasileiros entender as razões por que
somente um deles ficará sobrecarregado com a Lava Jato.
No ano passado,
quando recebeu homenagem em solenidade realizada neste jornal, a
ministra Cármen Lúcia proferiu uma frase de enorme significado humano e
profissional. Lembrando antigo ensinamento recebido de sua mãe, afirmou:
“Juiz tem que ter postura e compostura”.
Pois bem, este é o
momento em que não só Cármen Lúcia, mas todos os outros ministros do
Supremo devem empenhar-se em encontrar uma fórmula regimental adequada
que permita a distribuição dos novos processos da Lava Jato a todos os
integrantes do órgão. É injusto, sujeito a críticas e inadmissível que
assunto de tanta relevância não encontre uma saída indicadora de boa
postura e compostura.
É certo que existe o
princípio processual da prevenção, ou seja, o juiz ou ministro que
receber o primeiro processo fica prevento para julgar todos os demais.
Mas essa filigrana processual é no momento particularmente injusta com o
País, porque significa determinar que um único ministro da Suprema
Corte passe a carregar o piano nas costas, enquanto os outros ficam
olhando.
Discute-se se o
próprio Supremo ou o Congresso Nacional poderão alterar normas
constitucionais aprovadas pelo constituinte originário – isto é, os
congressistas que foram eleitos para essa finalidade.
O privilégio de foro
está previsto pela referência contida no parágrafo 3.º do artigo 53 da
Constituição federal, que o reconhece de forma indireta, ao dispor que
deputados e senadores, em processo penal, serão submetidos a julgamento
pelo Supremo Tribunal Federal.
Mas, recebida a
denúncia contra o congressista, por crime cometido após a diplomação, a
Corte Suprema é obrigada a dar ciência à Casa legislativa respectiva,
que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da
maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o
andamento da ação. Essa norma constitucional quase pornográfica está em
pleno vigor, mas é bom lembrar que a finalidade da prerrogativa é a
garantia da independência do Legislativo em relação aos outros Poderes
constitucionais, e não a proteção individual de gente da pior qualidade,
que carrega nos ombros escabrosas denúncias.
Em face do princípio
constitucional da presunção de inocência, bem como da necessidade do
devido processo legal, não é adequado considerar culpado alguém que é
apenas acusado de graves crimes. Muitos deputados federais, senadores e
até ministros do governo federal estão em tal situação.
O problema é que as
denúncias são graves e indicam perante a opinião pública a necessidade
de processo penal que transcorra livre do conhecido ritmo de tartaruga.
Um só ministro do Supremo para julgar em instância superior todos esses
processos representa a confissão de que nada andará depressa, quer
dizer, muitos entre os acusados, ao final, em vez de merecida
condenação, poderão beneficiar-se da prescrição e rir de todos nós.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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