Texto que vazou ordena que Câmara receba denúncia de impeachment contra Michel Temer. É um absurdo político, técnico e factual
Se não
mudar de ideia, é muito provável que o ministro Marco Aurélio Mello, do
Supremo, conceda uma liminar a um mandado de segurança e determine que o
presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), receba uma denúncia, com
vistas a um processo de impeachment, contra Michel Temer, o
vice-presidente. Acusação: ele também teria assinado decretos que
caracterizam as tais pedaladas fiscais quando ficou alguns dias como
interino, em lugar de Dilma. Na sexta, o que seria um rascunho da
liminar de Marco Aurélio vazou por engano, ainda sem sua assinatura.
Trata-se de um absurdo de vários modos.
Só para
lembrar: um advogado chamado Mariel Márley Marra entrou no ano passado
com a denúncia contra Temer. Cunha considerou que não havia razões para
tanto e mandou arquivar, a exemplo do que fez muitas vezes com denúncias
contra Dilma Rousseff. Ele aceitou apenas um contra a presidente — o
das pedaladas.
Já escrevi a
respeito. É remansosa, como diria o ministro Ricardo Lewandowski — isto
é, tranquila e fora de dúvida —, a jurisprudência segundo a qual a
decisão inicial de acatar ou recusar uma denúncia é ato monocrático do
presidente da Câmara.
Aliás,
quando os petistas recorreram contra o ritual de impeachment definido
por Cunha, as liminares concedidas ao gosto dos companheiros por Rosa
Weber e Teori Zavascki suspenderam, sim, a forma definida pelo
presidente da Câmara, mas reafirmaram o caráter monocrático da decisão.
Vale dizer: está nas suas mãos o primeiro ato de aceitação ou rejeição
só porque é ele o presidente da Casa. A questão é institucional, não
pessoal.
Assim, a
liminar ainda não concedida, cujo conteúdo vazou, é absurda porque viola
a jurisprudência. Não cabe ao Supremo determinar como deve agir o
presidente da Câmara, como se este fosse obrigado a aceitar todas as
denúncias que lá chegam. No texto vazado, Marco Aurélio nota que não faz
juízo de mérito.
Não? Mas sem
um juízo de mérito, obrigaria, então o presidente da Câmara a aceitar a
denúncia contra o vice por quê? Com base em quê? A ser a assim, a Cunha
só cumpriria dizer “sim”?
No texto que
já escrevi, chamei a atenção para o ridículo de considerar um ato
meramente burocrático — a assinatura de decretos pelo vice na ausência
do titular — como atos de vontade. Mas ainda há mais do que isso.
Segundo ofício do Ministério Público de Contas Junto a TCU (ver imagem abaixo),
os tais decretos assinados por Temer, que também constituiriam pedalas,
não o são ainda que ele os tivesse assinado por vontade. A razão?
Quando ele os assinou, a meta fiscal não havia sido mudada ainda pelo
governo e, portanto, os gastos estavam dentro do previsto.
Então notem:
mesmo que coubesse a um ministro do Supremo se meter na decisão do
presidente da Câmara — e não cabe —, haveria um problema de fundo nessa
história: os tais decretos pedaladas não são.
Tomara que
baixe o senso de ridículo em Marco Aurélio e poupe o STF de mais esse
constrangimento. Caso, no entanto, ele conceda a liminar, restará à
Presidência da Câmara entrar com um agravo regimental para que os outros
dez ministros se pronunciem. Se decidirem segundo a lei, a técnica e a
jurisprudência, Marco Aurélio será derrotado por 10 a 1. Se não for, aí
convém tirar mesmo aquele crucifixo do Supremo e pôr no lugar o retrato
de Hugo Chávez.
Afinal, teremos, nesse caso, a corte bolivariana.
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