Folha
Quando o inusitado se torna parte do cotidiano, a ninguém é dado o direito de se surpreender com uma questão até então impensável. Mesmo assim, causou uma certa perplexidade a decisão do ministro Marco Aurélio determinando ao presidente da Câmara que desse seguimento ao pedido de impeachment contra o vice-presidente. Vejamos. Ao presidente da Câmara foi conferido o poder de fazer uma análise prévia dos pedidos de impeachment que são protocolados frequentemente na Casa.
Essa análise deve ser de natureza meramente formal, para impedir que pedidos ineptos e frívolos sigam adiante. Não cumpre a Cunha, portanto, fazer um juízo material sobre os pedidos, até porque é competência “privativa” da Câmara dos Deputados “autorizar, por dois terços de seus membros, instauração do processo contra o presidente e o vice-presidente” (artigo 51, I, da Constituição).
Para o ministro Marco Aurélio, foi exatamente isso que fez o deputado Eduardo Cunha. Embora este último tenha reconhecido a “regularidade formal da denúncia, procedeu a verdadeiro julgamento singular de mérito”.
COMPETÊNCIA
Dessa maneira, Cunha teria usurpado a competência da Câmara e, porque não dizer, do Senado, ao desautorizar o processamento e julgar o caso, absolvendo o vice.
O deputado Eduardo Cunha, evidentemente, discordará da interpretação dada pelo ministro Marco Aurélio ao seu despacho. Ao plenário do Supremo cumprirá decidir se Eduardo Cunha usurpou a competência do plenário ou se foi o ministro Marco Aurélio quem exacerbou.
A decisão, de qualquer maneira, reitera a centralidade adquirida pelo Supremo na vida política brasileira. Não há questão minimamente relevante que não reclame a sua palavra. Eventualmente, a sua última palavra.
TRIBUNAL VULNERÁVEL
Essa decisão, ainda que juridicamente correta, explicita, no entanto, outro problema do processo deliberativo de nossa Corte Suprema: a total falta de cerimônia com que alguns de seus ministros decidem, monocraticamente, não apenas questões de grande complexidade jurídica, mas também de enorme repercussão política.
A exacerbação das individualidades, em detrimento da colegialidade, além de ampliar a instabilidade política, pode colocar em risco a própria autoridade da corte. E tudo o que não precisamos neste momento é de um tribunal vulnerável.
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