Folha
“Nada em biologia faz sentido senão à luz da evolução”, ensinava o grande geneticista ucraniano Theodosius Dobzhansky (1900-1975). E não é só a biologia. Pelo menos nos aspectos mais gerais, a observação de Dobzhansky vale também para a política.
A exemplo de tecidos e organelas, estruturas políticas evoluem recorrendo a adaptações. Quando os norte-americanos inventaram a Presidência da República utilizaram o que tinham à disposição, que era a monarquia. O resultado foi a criação de um Executivo cujo titular pode ser descrito como rei por prazo fixo.
Faço tal consideração devido a uma crítica recorrente. Sempre que defendo a legalidade do impeachment, leitores escrevem dizendo que no presidencialismo não cabe o voto de desconfiança típico do parlamentarismo e que não pode haver impedimento por incompetência. Será?
POR QUE NÃO?
Se o voto de desconfiança é um mecanismo útil para resolver crises e se a incompetência tende a ser uma razão muito mais relevante para remover dirigentes do que vários dos crimes de responsabilidade listados na legislação, por que não utilizá-los? Vale lembrar que, embora a lei nº 1.079 não mencione especificamente essas situações, ela, com seus tipos abertos, oferece, dentro da legalidade, amplo espaço para adaptações.
O próprio impeachment vem evoluindo. Surgiu na Inglaterra medieval como procedimento penal que permitia condenar autoridades amigas do rei, ao fazer com que fossem julgadas no Parlamento e não nas cortes controladas pela Coroa. Tornou-se, nos EUA, um mecanismo de controle do Executivo, que passava a não poder tudo.
Não vejo mal em que se converta na versão presidencialista do voto de desconfiança. Se crises ocorrem e o impeachment se apresenta como meio eficaz, não violento e democrático de superá-las, não há motivo para deixar de usá-lo. Vejam a rapidez com que a Islândia resolveu sua crise e morram de inveja.
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