Empréstimo a Bumlai foi ligado por Marcos Valério ao caso Celso Daniel
Operador
do mensalão afirmou ao MP que dinheiro silenciou empresário que
ameaçava implicar Lula e Gilberto Carvalho no crime. Ao pedir a prisão
do pecuarista, Lava Jato relembra depoimento, mas diz que destino do
dinheiro é incerto
Por: Eduardo Gonçalves
Na
esteira de sua condenação pelo Supremo Tribunal Federal em 2012, por
envolvimento no esquema do mensalão, o publicitário Marcos Valério
prestou um depoimento ao Ministério Público Federal naquele ano em que citava o caso do assassinato de Celso Daniel,
ex-prefeito de Santo André, em São Paulo. Como revelou VEJA, diante da
condenação a mais de 40 anos de cadeia, Valério indicou ao STF seu desejo de prestar novas declarações
ao tribunal sobre o esquema. Um acordo de delação, contudo, nunca
chegou a ser firmado. Na ocasião, o publicitário disse que um empréstimo
concedido pelo Banco Schahin ao empresário José Carlos Bumlai em 2004
tinha como finalidade pagar uma extorsão a que eram submetidos Lula e o
ex-ministro Gilberto Carvalho. No pedido de prisão preventiva de Bumlai
no âmbito da Operação Lava Jato, o Ministério Público volta a citar o
depoimento de Valério. O pagamento teria viabilizado a contratação da
Schahin pela Petrobras para operar o navio sonda Vitória 10.000. Com
base nos depoimentos de três delatores - o empresário Salim Schahin, o
lobista Fernando Baiano e o ex-gerente da Petrobras Eduardo Musa -, o MP
avalia que os 12 milhões de reais foram, de fato, para o caixa do PT.
Mas ainda não esclareceu com qual finalidade.
A negociação do empréstimo entre Bumlai e o grupo Schahin é descrita
na delação premiada do empresário Salim Shahin. Segundo ele, Bumlai
pediu os 12 milhões de reais em nome do partido, "pois havia uma
necessidade do PT que precisava ser resolvida de maneira urgente". Na
ocasião, Salim teria dito que se interessava em se aproximar do governo
petista, mas se sentia "desconfortável" em ir adiante com a negociação
por considerar o valor muito elevado. Dias depois, Bumlai apareceu com o
então tesoureiro do PT Delúbio Soares, que lhe disse que a Casa Civil o
procuraria como "evidência adicional", segundo o depoimento do
acionista do grupo Schahin. O então chefe da Casa Civil José Dirceu
telefonou pouco depois, contou. "A conversa tratou de amenidades, não
abordando a operação de José Carlos Bumlai, mas a mensagem estava
entendida (...) Apesar do desconforto pelo alto valor envolvido, o
depoente (...) determinou a realização da operação", diz o texto do MPF.
O empréstimo só viria a ser pago em 2009 por meio da escolha da
Schahin para operar o navio sonda. A negociação envolveu a intermediação
do lobista Fernando Soares, o Baiano, com o ex-diretor da área
internacional da Petrobras Nestor Cerveró. Em depoimento de delação
premiada, Baiano conta que foi procurado por Bumlai no final de 2006. O
amigo do ex-presidente teria dito que "tal empréstimo tinha por
finalidade quitar dívidas contraídas pelo PT na campanha presidencial de
2002". Depois, no entanto, o lobista relatou ter ouvido de "outras
pessoas" que a quantia seria usada para "pagar uma chantagem que o
presidente Lula estaria sofrendo". Questionado sobre quem seriam esass
pessoas, ele disse, sem se lembrar do nome, que poderia ser alguém
próximo a Bumlai ou algum técnico da Petrobras. Na delação de Baiano
ainda é explicitada a intimidade do pecuarista com Lula. Segundo os
relatos do lobista, a amizade entre os dois se fortaleceu após o
empréstimo tomado do grupo Schahin. Baiano, inclusive disse ter
presenciado o empresário atendendo e fazendo ligações para o então
presidente e que "o grau de intimidade nas conversas era realmente muito
grande".
"Após ser transferido ao frigorífico Bertin, o destino final dos 12
milhões de reais ainda é controverso. Uma tese seria de que os recursos
foram destinados ao Partido dos Trabalhadores com o objetivo de pagar
dívidas da campanha presidencial (versão dada por Fernando Soares e
Eduardo Musa). Outra versão seria de que o dinheiro foi utilizado para
pagar um empresário de Santo André que ameaçava envolver pessoas
relacionadas à cúpula do Partido dos Trabalhadores no caso Celso Daniel
(versão de Marcos Valério)", afirma o MP no pedido de prisão de Bumlai.
O procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, da força-tarefa da Lava
Jato, afirmou que está investigando o percurso do empréstimo tomado do
Banco Shahin até chegar ao caixa do PT. "Temos indicativos claros do uso
de falsos documentos para a falsa quitação do empréstimo. O caminho do
dinheiro para o PT ainda está em investigação". Ele também afirmou que
não há provas da participação de Lula no petrolão, mas chamou a atenção
para o fato de o nome do ex-presidente ter sido usado por Bumlai para
viabilizar as negociações. "Esses empréstimos já eram noticiados por
Marcos Valério naquela época (do mensalão). Há uma continuidade do uso
de nomes de pessoas ligadas ao governo, incluindo o ex-presidente, por
parte de Bumlai", afirmou.
Em seu depoimento de 2012, Valério cita o navio sonda locado à
Schahin, a intermediação de Bumlai e o assassinato do ex-prefeito. Um
montante de 6 milhões de reais teria sido repassado ao empresário de
transportes de ônibus de Santo André Ronam Pinto para impedir que ele
implicasse Gilberto Carvalho, Lula e José Dirceu no caso, segundo o
depoimento de Valério. "Desse modo, Marcos Valerio também corroborou a
versão do colaborador Eduardo Musa no sentido de que o empréstimo
concedido a Bumlai destinava-se a pagar dívidas do PT, sendo
posteriormente saldado com a contratação da Shahim para operação do
navio-sonda Vitoria 10.000. Valério, contudo, vai mais longe, alegando
que o empréstimo de Bumlai visava comprar o silêncio do empresário Rinam
Pinto de Santo André, que ameaçava envolver pessoas ligadas ao PT à
morte de Celso Daniel", diz relatório do MPF entregue ao juiz Sergio
Moro. Caso Celso Daniel - Prefeito de Santo André e
coordenador da campanha de Lula, Celso Daniel foi sequestrado ao sair de
uma churrascaria e morto em circunstâncias misteriosas em janeiro de
2002. O caso chocou o país. As investigações também: seguindo um
estranho roteiro, a procura pelos assassinos esbarrava sempre em
evidências de corrupção. E mais mortes. Sete pessoas ligadas ao crime
morreram em circunstâncias também misteriosas, entre acusados,
testemunhas, um agente funerário, um investigador e o legista do caso.
Conforme a versão da polícia, abraçada pelos petistas, Celso Daniel
foi vítima de crime comum: extorsão mediante sequestro, seguido de
morte. Já familiares afirmam desde o início do caso que a morte do
prefeito é um crime político em torno de um esquema de propina em Santo
André que era do conhecimento da cúpula petista. É também a tese do
Ministério Público: desentendimentos sobre a partilha dos recursos
teriam motivado o assassinato.
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