O bordão usado pelo então candidato a deputado federal, Francisco Everaldo Oliveira Silva (PR-SP), o Tiririca, na campanha de 2010 “pior do que tá não fica” deve ser repensado e talvez aposentado. Desde o começo de 2015, quando os novos governantes e parlamentares assumiram os respectivos mandatos, o Brasil vem recebendo sucessivos choques de realidade. O mesmo questionamento está sendo com relação à votação da reforma política.
Desde o início, devido ao perfil dos parlamentares eleitos e à cultura política brasileira, ninguém esperava que a reforma fosse ampla. A expectativa era até por um processo moroso e de poucas mudanças, que ocorreriam devido à pressão popular. A Comissão Especial da Reforma Política foi instituída no final de março e concluído menos de dois meses depois.
As alterações estão em curso, mas não sinalizam necessariamente para um cenário positivo. Para o especialista em Direito Eleitoral, Dyogo Crosara, o que se desenha é “uma reforma para piorar”. “Não vejo como esta reforma, da forma como está sendo feita, melhorar qualquer coisa”, avalia. O advogado disse ainda que se trata de um “arremedo”, “uma brincadeira de mal gosto”, que só atende aos interesses de “quem está lá de novo”.
Críticas
Alguns dos principais pontos votados até a semana passada são alvo de críticas. A inclusão do financiamento de campanhas eleitorais por empresas privadas na Constituição Federal; e a unificação do mandatos, que vai inviabilizar a fiscalização pela Justiça Eleitoral. Mesmo o fim da reeleição, que foi recebido positivamente pelos especialistas, é questionado quando é encarado, isoladamente, “como se fosse a raiz do mal (da corrupção)”.
Quem também não vê a reforma “com bons olhos” é o advogado e juiz substituto do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás (TRE-GO), Luciano Mtanios Hanna. Para ele, trata-se mais de uma adequação do sistema eleitoral. A única exceção é o fim da reeleição para os cargos do executivo, que Hanna considera positivo.
Crosara avalia que questões importantes estão ficando fora da reforma. Um deles é a cláusula de barreira, na qual só partidos que efetivamente tenham votos possam ter acesso ao fundo partidário. Para diminuir a quantidade de partidos políticos.
Falta de preparo
A suposta falta de preparo dos parlamentares para elaborarem leis também é criticada. Hanna afirma não ser possível exigir “legislações maravilhosas” quando “não se tem legisladores maravilhosos”.
Crosara comenta que as pessoas que estudam leis e conhecem o sistema eleitoral não estão sendo ouvidas. “Os políticos acham que entendem de leis e está sendo votado o que eles acham que tem que ser votado e pronto”, diz.
O especialista comparou o processo da reforma política com o da reforma do Código de Processo Civil (CPC) no ano passado. Ele lembrou que no decorrer da reforma do CPC, uma comissão de ministros, juristas se reuniram fizeram propostas. O que não acontece agora. “O projeto para a reforma política que a OAB [Ordem dos Advogados do Brasil] enviou foi simplesmente engavetado”, observou.
Pressão popular
A segunda rodada de votações da reforma política na Câmara dos Deputados está prevista para a segunda semana de junho. Depois, seguirá para o Senado.
Se as alterações forem promulgadas até o dia 1o de outubro de 2015, um ano antes da eleição, poderá valer já para as eleições de 2016. “Vamos ver como é que isso vai ficar. Se a população não pressionar, nós vamos ter muita dificuldade”, acredita Dyogo Crossara.
Fim da reeleição é marco positivo
O instituto da reeleição é considerado por especialistas como um corpo estranho na história republicana brasileira. Foi adotado no País em dois períodos do início da república até a era Vargas e depois de 1997, no governo do ex-presidente, Fernando Henrique Cardoso (PSDB). “A reeleição vem muito da federação norte-americana”, comenta Dyogo Crosara.
Para o advogado, a reeleição não é muito conveniente ao Brasil, por permitir que o ocupante de um cargo no executivo dispute uma eleição sem se desvincular da função. Por isso, a decisão em primeiro turno pelo fim da reeleição foi bem recebida não só pelos especialistas, mas pela sociedade.
A alteração do período dos mandatos tem a missão de suprir o fim da reeleição, dando maior tempo para os eleitos. Uma das propostas é que passe dos atuais quatro, para cinco anos. “O mandatário tem tempo de começar o mandato, conhecer a máquina administrativa, fazê-la rodar e depois ter uma nova eleição”, resume Crosara. O que acontecia até a Constituição de 1988, quando o tempo de mandato foi reduzido.
A regra de transição proposta para dar início ao fim da reeleição, à coincidência de mandatos e à eleição unificada prevê ainda que em 2016 os mandatos dos eleitos sejam de dois anos, com a possibilidade de haver, pela última vez, a reeleição para um mandato de cinco anos. A coincidência de mandatos e a proibição da reeleição aconteceria a partir de 2018.
Uma das vantagens do fim da reeleição para Luciano Hanna é a de evitar vícios em quem exerce mandatos na esfera pública. “Tudo tem que estar sempre mudando para não viciar os pensamentos”. Para o advogado, alem do fim da reeleição, o fim das coligações também deveria ter sido aprovado.
Financiamento privado ainda precisa de regras
A maior vitória do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), até agora, foi a aprovação da inclusão na Constituição do financiamento aos partidos por empresas privadas. Apesar de ser a institucionalização do que já ocorre, Dyogo Crosara considerou a aprovação da proposta de emenda Constitucional (PEC), “um retrocesso”. “A pessoa jurídica poderá continuar a doar, agora com status de emenda constitucional”, lamenta.
A ideia de atraso baseia-se no fato de existir a tendência de proibir esse tipo de conduta no Brasil. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) chegou a ajuizar uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal (STF). O objetivo é terminar com a doação por pessoa jurídica. “Por que pessoa jurídica não doa, empresta. Ela doa agora para tomar do governo depois”, frisa.
Luciano Mtanios Hanna acredita que a doação privada por pessoa jurídica possa ser viável, desde que existam limites específicos dos valores máximos a serem doados, de acordo com a faixa de faturamento da empresa. Por exemplo, estipular em R$ 1 milhão o teto de doações de empresas com faturamento de até R$ 100 milhões, e a até R$ 500 mil para as companhias com até R$ 50 milhões de faturamento.
“Se não tivermos isso, o que vai acontecer são várias empresas montando outras e ajudando candidatos. Aí vamos ter as juntas comerciais trabalhando a rodo na criação de empresas para doação de campanha”, advertiu.
O juiz destaca que para mudar o sistema eleitoral no Brasil é preciso primeiro mudar a cultura das eleições. “Nós temos campanhas milionárias em que as pessoas investem muito e não terão retorno em salários. O total dos salários que ele vai receber pelos quatro anos de mandato não cobre que ele gastou”, compara.
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