motivações.
Especialistas da área já vinham alertando para a necessidade de alterar
hábitos para lidar com a ascensão dos preços e ainda garantir refeições
mais saudáveis. Alternativas não faltam, resta saber se elas são
interessantes a esta indústria ou ao consumidor, que poderia ver neste
cenário a oportunidade de reavaliar as ofertas do mercado.
O dólar encerrou a semana em alta, cotado a R$ 3,24. O Brasil
importa bastante farinha de trigo dos Estados Unidos para fabricar
pães, biscoitos e outros alimentos. Os EUA foram o principal fornecedor
em 2013 e também no acumulado de 2014 até setembro. Neste ano, a balança
comercial acumula um déficit de US$ 6,288 bilhões.
O pão francês pode subir até 12% a partir
do mês que vem, devido principalmente à alta do dólar e à energia
elétrica, de acordo com associações de fabricantes. Poderia ficar mais
barato, contudo, se usasse outro tipo de farinha que não a de trigo, que
representa mais de 30% dos custos, mais que o dobro dos gastos com
energia elétrica.
O biscoito, por sua vez,
que também usa a farinha de trigo em sua fabricação e tem os
brasileiros entre seus maiores consumidores, poderia ser trocado pelo
consumidor por algo com valor nutricional, como a tapioca. O Brasil está
entre os maiores consumidores de biscoito do mundo. De acordo com dados
da Associação Brasileira da Indústria de Biscoitos, Massas Alimentícias
e Pães & Bolos Industrializados, no ano passado, o país ficou em
terceiro lugar na venda de biscoitos, atrás apenas dos Estados Unidos e
da China.
O professor da Faculdade de Saúde Pública da
Universidade de São Paulo (FSP-USP) Carlos Augusto Monteiro, foi
coordenador técnico do novo Guia alimentar para a população brasileira,
que criou uma classificação para os alimentos com base no grau de
processamento. O biscoito entrou na quarta categoria, a que deve ser
evitada, correspondente aos ultraprocessados, junto com os refrigerantes
e salgadinhos de pacote.
Em entrevista à Fapesp, ele explicou os
perigos dos ultraprocessados: "Esses produtos são formulações criadas
pela moderna indústria de alimentos, com pouco ou nenhum alimento
verdadeiro e grandes quantidades de óleo, sal e açúcar, além de muitas
outras substâncias. Essas substâncias são derivadas de constituintes de
alimentos ou de outras matérias orgânicas e incluem amidos modificados,
isolados de proteínas, soro de leite, gordura hidrogenada e todo o grupo
dos aditivos químicos. Os aditivos usados na manufatura de alimentos
ultraprocessados têm como função prolongar quase indefinidamente a
duração dos produtos e torná-los tão ou mais atraentes do que os
alimentos verdadeiros."
Renato S. Maluf, do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, em conversa com o JB por
telefone, destaca que se, por acaso, o encarecimento dos derivados de
trigo funcionarem como estimulo à volta de alguns produtos que o país é
mais capaz de produzir, seria algo muito positivo, "sem dúvida". Renato é
professor da UFRRJ, integrante do Painel de Altos Especialistas em
Segurança Alimentar e Nutricional (vinculado à FAO/ONU) e uma das
principais referências em segurança alimentar.
O padrão alimentar
brasileiro, ele explica, mais ou menos como em toda parte do mundo, tem
caminhado em uma direção não saudável, questionável, que tem feito o
Brasil crescer nos indicadores de obesidade. Relacionada a esta questão,
está a maneira como o país organiza o sistema alimentar. O
chamado agronegócio brasileiro é o tipo de agricultura que corresponde a
uma dieta mais monótona, influenciando a alimentação dos brasileiros,
além dos seus impactos sociais, como a concentração da propriedade da
terra, e os ambientais, como o uso de agrotóxicos. O maior mercado
mundial de agrotóxicos é o Brasil, alerta Renato S. Maluf.
"São
dois fenômenos que caminham juntos, mas não são a mesma coisa. O que
temos defendido, pesquisadores da área, o Consea, é que sejam promovidos
dinâmicas que vão numa direção diferente, quase contrária, dinâmicas
baseadas em uma gricultura familiar diversificada, com métodos
agroecológicos. A ideia principal é reaproximar produção de consumo,
abrir espaço e valorizar uso de alimentos mais frescos, com a condenação
dos alimentos ultraprocessados. Desta maneira, se imagina estar
promovendo uma alimentação mais adequada e saudável, e não é assim que o
sistema se organiza e não é assim que o Brasil tem participado do
sistema", explica o professor.
Ele acredita que a inflação dos
alimentos tem uma repercussão mais indireta no sistema alimentar como um
todo, mas concorda que em relação ao trigo trata-se de um impacto
importante. Se o insumo viria a ser substituído por derivados da
mandioca ou de milho, entretanto, o professor também tem dúvidas.
José Graziano da Silva, diretor-geral da agência da ONU para agricultura e segurança alimentar (FAO), em entrevista à BBC Brasil no
mês passado, alertava sobre a necessidade de o Brasil ampliar estoques
de alimentos e privilegiar culturas mais resistentes a secas, devido à
estiagem que deveria afetar o preço dos alimentos. "O Brasil tem alguns
estoques bons, como o de milho, fruto da boa colheita do ano passado,
mas não tem em outras áreas. Precisa até importar trigo."
Alertava,
também, para a necessidade de substituir culturas. "Estamos promovendo a
substituição do trigo nas regiões tropicais e a recuperação de produtos
tradicionais. A mandioca, por exemplo, que tinha sido abandonada, hoje
está em alta no Caribe, onde está sendo adicionada à confecção do pão
para reduzir a dependência da importação do trigo. Outra possibilidade é
expandir a irrigação para evitar crises de abastecimento."
A alta do
dólar e a inflação já pressionada podem provocar mudanças nas escolhas
alimentares dos brasileiros e também nos insumos usados por fabricantes
do setor. O trigo, que o país ainda precisa importar e é usado em grande
parte dos alimentos, pode ser uma das
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