MEDIÇÃO DE TERRA

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sábado, 21 de março de 2015

Casal com Síndrome de Down fala sobre rotina e união: 'Companheiros'


'Casados' há 5 anos, Júlia e Gustavo se conheceram na escola.
'Encontro provocou um preenchimento na existência deles', avaliam pais.

Ruan Melo e Rafaela Ribeiro Do G1 BA
Bahia (Foto: Arquivo Pessoal)Júlia Kops e Gustavo Muhana se 'casaram' em 2009 (Foto: Arquivo Pessoal)
Às 4h30 eles acordam. Juntos, tomam café da manhã e conversam até o momento em que Gustavo tem que sair para o trabalho. Atenciosa, Júlia leva o companheiro até a porta de casa e se despede. Dali, Gustavo segue sozinho até o ponto de ônibus enquanto Júlia volta para dentro, arruma a casa e torna a dormir. À tarde, o parceiro retorna e daí em diante o casal não se separa mais: eles almoçam juntos, veem TV, fazem caminhada, vão à piscina, ao cinema, escrevem. A rotina deles não seria nada demais, não fosse o fato dos dois terem síndrome de Down.
Neste sábado (21), Dia Internacional da Síndrome de Down, o G1 conta a história de Gustavo Muhana, de 37 anos, e Júlia Kops, 29, cuja relação seguiu a ordem dos romances tradicionais. Os dois se conheceram na escola, namoraram, noivaram e, finalmente, "casaram". Eles moram juntos, alternam uma semana na casa dos pais de Júlia, no bairro de Portão, em Lauro de Freitas, na região metropolitana de Salvador, e outra na residência da família de Gustavo, na capital baiana.
Bahia (Foto: Arquivo Pessoal)Cerimônia em casa contou com  presença de
amigos e familiares (Foto: Arquivo Pessoal)
Maria Kops, mãe de Júlia, conta que embora os dois não tenham casado oficialmente, uma cerimônia de bênçãos, com um padre, um pastor evangélico e diversos convidados foi realizada no jardim de casa para celebrar a união da dupla em dezembro de 2009. “Gustavo levou tão a sério que, na hora, assinou o nome dele todo com o sobrenome de Júlia”, recorda sorrindo Maria.
O casal se conheceu em 2007, em uma escola para pessoas com síndrome de Down. Gustavo recorda que não demorou muito e ele decidiu terminar com uma ex-namorada para ficar com Júlia. “Eu namorava Vanessa na escola. Só que ela queria ir para o cinema toda hora comigo e eu não gostava. Aí veio a Júlia. Ela é muito legal, é minha companheira, me ajuda. Aí eu terminei com Vanessa e fiquei com a Júlia”, lembra sorrindo.
A relação foi imediatamente aceita pelas famílias e o casal foi passando cada vez mais tempo junto, até que Gustavo decidiu então pedir a mão da companheira em casamento. “Eu vim aqui na casa e comentei com Cerqueira [pai de Júlia] que gostaria de casar com a filha dele, e ele disse que sim", lembra.
Bahia (Foto: Ruan Melo/G1)Gustavo e Júlia moram com os pais (Foto: Ruan
Melo/G1)
"Conheci Gustavo na escola. Engraçado que eu falava para as pessoas que se Júlia namorasse ele, ia ser ótimo. Antes, eles eram mais sozinhos, queriam só ficar no quarto. Essa união provocou um preenchimento na existência deles", avalia José Cerqueira. “Quando há desentendimento entre eles, não dura menos que dois minutos. Não há aquela coisa de guardar rancor, de querer discutir a relação", completa.
"O que é bom é que nossa famílias têm um nível social com as mesmas exigências, com a mesma história. .Acho que o encontro deles foi muito importante. Eles se sentem mais inseridos na sociedade", opina Maria Kops.
O carinho que Júlia tem por Gustavo é tão grande que fez ela mudar de time do coração. "Júlia era torcedora do Bahia e como Gustavo torce para o Vitória, em um belo dia ela me disse que não era mais Bahia", reclama o pai Cerqueira. Para Júlia, a mudança foi um ato natural para não deixar o companheiro assistir aos jogos sozinho. "Agora sou Vitória. Gustavo é legal, bonito, saio com ele todo dia, vou para praia, tomo sorvete, vou ao cinema", elogia.
Bahia (Foto: Ruan Melo/G1)Pai conta que síndrome de Down não impede
casal de exercerem atividades normais (Foto: Ruan
Melo/G1)
Autonomia
As pessoas com síndrome de Down possuem 47 cromossomos e não 46, como acontece normalmente. A presença de um cromossomo a mais é determinada por uma ocorrência genética e pode ocorrer com qualquer casal, independente da faixa etária, e herdada em poucos casos.
Segundo a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), o efeito do material genético em excesso varia de indivíduo para indivíduo, mas pode-se dizer que uma das características é o desenvolvimento em geral se dar em um ritmo mais lento.
O pai de Júlia, José Cerqueira, afirma que a condição do casal não o impede de fazer qualquer tipo de atividade. Gustavo trabalha diariamente em uma loja de conveniências, é professor de capoeira, faz natação, musculação e vai sozinho ao trabalho. "Eles devem ser reconhecidos como pessoas diferentes, mas também normais. Os limites têm que ser dados como com qualquer outro filho. Infantizá-los é uma das piores coisas", avalia.
"As pessoas têm um pensamento errado de que os portadores de síndrome de Down são uma eterna criança. E isso não é verdade. Muitas famílias tratam como se fossem eternas crianças, mas eles têm uma carga hormonal como todos nós, com desenvolvimento dos hormônios sexuais, e vão ter demandas de uma vida sexual, o que varia muito de indivíduo para indivíduo, de família para família", explica Ana Beatriz Araújo, pedagoga e formadora do programa de inclusão escolar da APAE.
Ana Beatriz esclarece que as famílias que trabalham a orientação - de todos os tipos - e o estímulo ao desenvolvimento cognitivo desde cedo encontra uma facilidade maior na hora de orientar os filhos a respeito de como se levar uma vida sexual ativa, o que deve acontecer com acompanhamento de profissionais de saúde. "Os meninos, em geral, tendem a ser inférteis, o que não acontece nas mesmas proporções com as meninas", destaca.
A Apae possui atualmente 218 pessoas com síndrome de Down nas áreas de inclusão escolar e autonomia para a vida.
Bahia (Foto: Ruan Melo/G1)José Cerqueira com a filha Júlia e Gustavo
(Foto: Ruan Melo/G1)
Campanha e aceitação
Os pais de Julia e Gustavo fazem parte da "Ser Down", uma associação que reúne pais de portadores da síndrome de Down em Salvador, com o objetivo de, unidos, fortalecerem a campanha em nome da aceitação na sociedade e nos espaços institucionais, como nas escolas. A luta da associação é em busca de políticas públicas e da garantia dos direitos na ocupação como cidadãos comuns.
"Lutamos, por exemplo, para que as escolas garantam a aceitação dessas crianças, reestruturando o que for necessário", afirma Lívia Borges, diretora da Ser Down, que hoje reúne cerca de 200 associados.
Com o exemplo de sucesso do casal, José Cerqueira espera agora poder passar uma mensagem de incentivo para uma sobrinha, que teve recentemente um filho com síndrome de Down. "Há quatro meses, uma sobrinha minha teve uma filha com síndrome de Down. Eu disse a ela que tenha calma e que pense que terá mais momentos de alegria que imagina. Esse afeto deles nunca acaba".

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