Ambos são capazes de imaginar um golpe de Estado, mas realizá-lo de uma forma tão grosseira que podem acabar na cadeia. Fernando Gabeira para O Globo:
Há
semelhança nas derrotas de Trump e Bolsonaro. Ambos questionaram
antecipadamente o processo eleitoral. Trump implicou com o voto
impresso; Bolsonaro estigmatizou as urnas eletrônicas. Ambos pressentiam
a derrota e armavam o pulo do gato.
Na
invasão do Capitólio no 6 de Janeiro, muitos acreditavam que a eleição
de Biden fora um roubo. Em Brasília, no 8 de Janeiro, muitos também
supunham que haviam sido iludidos pelas urnas eletrônicas.
Percebo
agora que a hipótese de uma revolta popular era apenas o lance de um
jogo mais complexo. Trump pretendia usar falsos delegados e resultados
falsos para ser adotados pelo seu vice, Mike Pence, na sessão do
Capitólio. Não funcionou.
A
invasão do Congresso, do Palácio do Planalto e do STF também não era
para ser um episódio isolado. Esperava-se uma interferência das Forças
Armadas, por meio de uma operação de GLO (Garantia da Lei e da Ordem).
Também não funcionou.
Trump
e Bolsonaro já vinham de uma vitória semelhante. Ambos criticavam o
sistema político, se colocavam como pessoas comuns, atacavam a imprensa e
a academia. Ambos fingiam defender valores tradicionais, embora suas
vidas desmentissem essa adesão.
No
caso de Trump, o salto foi evidente. Quando pensou em disputar as
eleições com Pat Buchanan, zombava muito dele porque era antinegro e
antigay. Apesar de ser um milionário de gosto duvidoso, que construía
prédios com encanamento de ouro, Trump vivia entre artistas e
milionários e, de uma certa forma, compartilhava valores com eles. Basta
ver a sucessão de mulheres, modelos, com quem foi se casando ao longo
do tempo.
Assistindo
a um documentário sobre a vida de Trump, creio que ele teve uma grande
intuição em estudar e tentar imitar a trajetória de Jesse Ventura, que
foi governador de Minnesota. Ex-atleta de luta livre, veterano do
Vietnã, musculoso e calvo, Ventura representou o papel do homem comum
que dizia algumas bobagens, mas era sincero. Além disso, hostilizava a
imprensa por colocá-la na mesma prateleira de políticos e intelectuais.
Seu governo tentou manter uma velha lei de Minnesota que proibia sexo
oral e anal e estigmatizava gays.
Trump
mandou assessores e foi pessoalmente estudar o sucesso de Ventura entre
os americanos que mais tarde ele arrebataria com críticas à
globalização e o programa de tornar a América grande de novo.
Bolsonaro
talvez nem conheça a trajetória de Jesse Ventura. Ele, por suas
características, não precisava da observação metódica de Trump para
representar bem o papel.
Ventura,
conhecido também como O Corpo (1m93 e 111kg), foi eleito em 1998. Trump
sempre ameaçou entrar no processo eleitoral. Mas afirmou que só
entraria quando tivesse certeza da vitória. Foi bastante aplicado,
pesquisou corretamente e entrou na disputa na hora certa.
O
que me interessa estudar é como essa fórmula do homem sincero, que
despreza políticos, hostiliza a imprensa, duvida da ciência e condena
minorias ainda tem potencial de vitória. Algo ficou também claro na
experiência de Trump e Bolsonaro: a fórmula é suficiente para a vitória,
mas pouco pode fazer para manter a confiança da maioria. Eles intuíram a
própria derrota, tanto que prepararam o pulo do gato, por meio de uma
virada de mesa.
Virar
a mesa em política sempre foi complicado na História. Assim como o
“homem sincero contra tudo que está aí” não teve habilidade para
conduzir um governo que se prolongue no tempo, por meio de sucessivas
vitórias, também não tem habilidade para dar o golpe. Trump e Bolsonaro
são políticos toscos, capazes de vencer, mas não de se prolongar no
poder. São capazes de imaginar um golpe de Estado, mas realizá-lo de uma
forma tão grosseira que podem acabar na cadeia.
O
destino dos dois se separa no leito das diferentes legislações
nacionais. Bolsonaro é carta fora do jogo, pelo menos nas próximas três
eleições. Trump ainda pode concorrer e vencer. O fato de ser algo
provável, na mais celebrada democracia do mundo, mostra apenas a
dimensão do buraco em que nos metemos.
Postado há 3 weeks ago por Orlando Tambosi
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