BLOG ORLANDO TAMBOSI
Poderia um candidato saído do nada, com ideias nada menos que mirabolantes e um plano ultrarradical, ser eleito presidente da Argentina? Vilma Gryzinski:
Essa
é a pergunta que muitos sequer não têm coragem de vocalizar depois dos
30,% que Javier Milei, um outsider completo, conseguiu nas eleições
primárias.
Certamente
o candidato ultralibertário não está entre os timoratos. “Podemos
ganhar da casta bandida e inútil no primeiro turno”, proclamou, numa
euforia plenamente justificada.
Seria
difícil, mas não impossível diante dos candidatos opositores: Patricia
Bulllrich (17%, contando levar os11,2% votos que foram para seu
adversário interno na frente oposicionista, Horácio Rodríguez Larreta) e
Sergio Massa (21,3%, mais os de se Juan Grabois, que balançou o coração
dos peronistas de esquerda, com 5,8%).
Ou
seja, até 22 de outubro, data do primeiro turno, podemos contar com
duas certezas (fora a da sempre, as pesquisas erraram feio). Primeira,
governo e oposição está empatados, com o país vivendo à beira do abismo
criado por 112% de inflação e dólar a 600 pesos, uma situação limite.
Segunda, a vida de Milei será incansavelmente escavocada.
O
que já veio à tona agora é derrubar até os queixos mais experientes na
surreal política latino-americana. Milei se diz especialista em sexo
tântrico (embora seja difícil encontrar quem já tenha feito esse tipo de
interlocução com ele), afirma que assistiu duas vezes a Ressurreição de
Cristo e recebeu de Deus a missão de ser presidente da Argentina. Ah,
sim, também fala através de uma médium com Conan, o buldogue inglês que
mandou clonar, produzindo seus quatro “netinhos”, todos com nomes de
economistas libertários: Murrey (Rothbard), Milton (Friedman), Robert e
Lucas (Robert Lucas).
Foi
de um livro de Murrey Rothbard, estrela do anarcocapitalismo abraçado
por Milei, que o economista argentino tirou a ideia favorável à venda de
órgãos, por motivos óbvios uma das posições que constroem a imagem que
lhe valeu o apelido de “El Loco” desde o tempo da escola.
“Suas
propostas poderiam gerar uma tragédia social de uma dimensão nunca
vista. Essa perspectiva inquietante se sintetiza numa só palavra:
dolarização”, alertou Eduardo Tanembaum no Infobae, resumindo o medo que
Milei provoca entre todos os chamados atores racionais.
Acontece
que o eleitorado está mais para irracional, ou num estado de permanente
bronca, esta palavra tão típica da Argentina. O “voto bronca”, como
dizem, pode ter sido influenciado pelo pavoroso latrocínio de Morena
Domínguez, morta a poucos metros da escola por dois ladrões de
motocicleta.
Ao
contrário do que todos, de todas as tendências políticas, dizem, Milei
insiste que a dolarização seria a parte mais fácil de todas de seu
programa de governo.
Apesar
da imagem cuidadosamente construída de tipo bizarro (envolvendo até uma
maquiadora 24 horas), Milei é economista e argumenta com eloquência
sobre planos como acabar com o Banco Central
(“Tirar a maquininha dos políticos”) e substituir os “ministérios
sociais”, como educação e saúde, por um grande plano de desenvolvimento
que devolveria a Argentina para o banco dos ricos, como era no começo do
século XX.
Dá
até vontade de acreditar, até que entrem no meio sexo tântrico,
cachorros clonados, visões mediúnicas e a realidade objetiva de que ele
não teria maioria no legislativo para fazer nada do descreve.
Milei vive sendo comparado com Jair Bolsonaro
e Donald Trump, mas, do ponto de vista brasileiro, seria mais uma
mistura de Jânio Quadros com Fernando Collor, unindo o estilo
histriônico e o discurso articulado.
Poderia Javier Milei ir para o segundo turno? Poderia ser eleito presidente?
São
especulações de arrepiar os cabelos — uma comparação retórica que, no
caso dele, que fez da cabeleira arrepiada uma marca registrada, ganha
uma dimensão extra.
Pela
lógica, a pessoa que irá presidir a Argentina é Patricia Bulllrich: a
oposição ficou mais forte depois do fiasco peronista na gestão do país e
somando todos os que não votaram no peronismo, temos 58%.
Mas
num país que tem o histórico da Argentina e no qual Javier Milei saiu
consagrado das primárias, é bom ter cautela. Muita cautela.
“Pensar
que os políticos vão cuidar de você é como colocar seus filhos nas mãos
de um pedófilo”, diz ele, numa de suas frases-bomba.
Pensar que dá para fazer prognósticos sobre a política argentina é como ser assessorado do além por Conan, o buldogue.
Postado há 3 weeks ago por Orlando Tambosi
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