BLOG ORLANDO TAMBOSI
Ao contrário do Dr. Soares, que pretendia que os portugueses utilizassem a Europa como objectivo a atingir, o regime atual, com PS à cabeça, quer o anterior regime como ponto de comparação. Jorge Fernandes para o Observador:
No
final dos anos 90, as celebrações do 25 de Abril estavam em decadência.
Durante anos, com o PCP à cabeça, a geração que fizera o 25A animara a
Avenida. Lentamente, o 25A institucionalizara-se e começava a perder o
fôlego enquanto festa popular. Os discursos sucediam-se no parlamento. A
democracia estava garantida. A prosperidade oferecida pela Europa
começava a esvaziar os laivos políticos vagamente terceiro-mundistas de
muitos dos que desciam a Avenida. Eram os derrotados da história. A
democracia tinha vencido e tinha-se tornado o ‘único jogo na cidade’,
para citar uma frase canónica da ciência política.
O
significado político do 25A tem mudado muito ao longo dos últimos anos.
A manifestação da Avenida é hoje muitíssimo maior do que era há vinte
anos. Mais, a manifestação tornou-se mais interclassista e adquiriu um
ambiente festivo, com famílias inteiras a participar. O regime conseguiu
fazer do 25A um momento completamente central de toda a vida
democrática. Um exemplo da inclusão da festa, e da sua importância para
os pergaminhos de bons democratas, é bem visível na participação da
Iniciativa Liberal numa manifestação que, por definição, tem sido
dominada pela esquerda. A maior inclusão na celebração do 25A poderia
ser um sinal de maturidade democrática e de apego genuíno à liberdade.
Infelizmente, em minha opinião, não é. Pelo contrário. Quando pior a
qualidade da nossa democracia, maiores os incentivos de o regime
utilizar o 25A como ideal-tipo de uma democracia perfeita que, por
definição, jamais será atingida.
Deste
modo, o regime democrático tem vindo, cada vez mais, a definir-se como
mero contraponto ao Estado Novo. O país está obviamente estagnado, sem
crescimento económico, sem riqueza para distribuir, com a pobreza a
aumentar. Existe a noção óbvia para quem queira ver que, tal como no
início de 1974, o regime se deixou conduzir a um beco sem saída do qual
as elites não sabem como sair ou, se sabem, percebem que os custos são
demasiado elevados no curto prazo. Neste cenário, o que tem acontecido é
óbvio. Para disfarçar o desalento com os resultados (policy ouputs) da
democracia, o regime utiliza, cada vez mais, o Estado Novo como ponto de
comparação com o momento actual. A pobreza é muita? Sim, mas antes do
25A era maior. A emigração é forte? Sim, mas antes do 25A era mais
elevada. A educação e a saúde não providenciam os bens públicos exigidos
aos impostos elevados que uma parte da classe média paga? Sim, mas
antes do 25A éramos um país de analfabetos com acesso miserável à saúde.
O
Estado Novo e as suas misérias servem, assim, para legitimar os
resultados económicos e sociais da democracia, fazendo-os, pelo menos,
toleráveis, face à sensação crescente de fim de regime. Ao contrário do
Dr. Soares, o verdadeiro herói da democracia Portuguesa, que pretendia
que os Portugueses utilizassem a Europa como ponto de comparação e como
objectivo a atingir, o regime actual, com PS à cabeça, quer que
mantenhamos sempre o anterior regime como ponto de comparação. Enquanto
assim for, o seu miserável desempenho não será questionado. O 25A, assim
como toda mitologia, até estética, em torno do pronunciamento militar e
subsequente revolução, serve como elemento indispensável para reavivar
constantemente ao povo que o regime actual é excelente, especialmente se
mantivermos sempre o Estado Novo como ponto de referência.
A
visita de Lula da Silva a Portugal está imbuída do espírito e visão
partidária do 25A. O regime precisa de continuar a legitimar-se,
tornando o 25A uma festa crescentemente da esquerda, e para a esquerda.
Para isso, nada melhor do que convidar um símbolo internacional da luta
contra o capitalismo, o colonialismo e o patriarcado para discursar.
Pela primeira vez no último meio século, um chefe de Estado discursará
na Assembleia da República no 25A. A vinda de Lula não contribui para a
celebração da democracia representativa, nem da liberdade. Pelo
contrário. O convite a Lula contribui para a polarização em torno do
25A. Em vez de um dia em que celebramos as regras do jogo comuns que
todos aceitamos, celebramos um qualquer programa político de esquerda ou
de direita. Para quem apoia Lula, será um momento de júbilo. Para quem
não o apoia, será um momento negativo. Quem perde é a democracia
Portuguesa.
De
resto, Lula não tem nada que o recomende enquanto símbolo da
democracia. É certo que conseguiu o feito notável de ser eleito
presidente do Brasil, o que não é de somenos para um Retirante
Nordestino vindo para o ABC Paulista, com pouca instrução e pobre, numa
sociedade altamente hierarquizada. No entanto, a história que se seguiu é
trágica. O PT afundou-se num mar de corrupção, enquanto, é certo,
tirava muita gente da pobreza graças ao boom das commodities. No meu
dicionário, contudo, “o rouba mas faz” não engrandece nenhum político.
Para além da corrupção endémica, Lula tem mostrado a sua verdadeira face
em relação à guerra da Ucrânia.
Poucos
dias antes de discursar na Assembleia da República no momento de
celebração da democracia e da liberdade, Lula afirmou, parafraseio, que a
culpa da guerra (também) é dos Estados Unidos, da União Europeia e de
Zelensky. De resto, não por acaso, Lavrov, Ministro dos Negócios
Estrangeiros da Rússia, começou esta semana um périplo pela América
Latina, com avistamentos com a fina flor da elite democrática do
subcontinente, no Brasil, Venezuela, Nicarágua e em Cuba. O Brasil
coloca-se, assim, de forma clara no eixo de Moscovo. Lula volta a ter
assomos de grandeza ridícula, tal como no passado quando se colocou em
bicos de pé para ajudar no conflito entre os Estados Unidos e o Irão.
Na
próxima semana, ouviremos Lula e muitos descerão a Avenida com o cravo
na mão, gritando fascismo nunca mais O regime pode continuar a
celebrar-se de forma acrítica e de forma puramente laudatória,
retirando-se ensimesmado para a ausência de futuro. Enquanto isso, os
dados mostram uma realidade bem diferente. Segundo o European Values
Survey, a percentagem de Portugueses que rejeitam “um líder forte que
não tem de responder perante o parlamento nem ir a eleições” caiu de 50%
em 1999 para 37% em 2020. Haverá um momento em que os símbolos não
serão suficientes para tornar Portugal um país viável.
Postado há 1 week ago por Orlando Tambosi
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