BLOG ORLANDO TAMBOSI
Suicídios, defenestrações, ataques cardíacos e até uma intoxicação por veneno de sapo mataram 24 russos em posições importantes. Vilma Gryzinski:
Pode
ser coincidência? Pode, mas a sequência de mortes de figurões russos no
ano que acabou exige uma credulidade que desafia as probabilidades.
A
revista The Atlantic inventou até um termo irônico para qualificar
tantas coincidências, a Síndrome Russa de Morte Súbita e a Wikipedia tem
um verbete específico, “As mortes misteriosas de homens de negócio
russos em 2022”.
Nem todos foram oligarcas, embora haja uma frequência marcante de executivos da indústria de gás e petróleo.
O
penúltimo caso da lista impressionou pela reincidência: Pavel Antov,
apelidado de “o rei da linguiça” por sua indústria de processamento de
carne, caiu da janela de um hotel na Índia onde dois dias antes um amigo
com que viajava junto tinha sofrido morte súbita ainda a ser
esclarecida. Embora fosse deputado pelo mesmo partido de Putin, Antov tinha criticado a invasão da Ucrânia, o que depois desmentiu.
Janela
parece ter virado uma coisa perigosa. O presidente do conselho da
gigante petrolífera Lukoil, Ravil Maganov, “caiu da janela de um
hospital em Moscou”, segundo informaram agências russas – um detalhe
posteriormente desaparecido. A Lukoil falou em “morte depois de lutar
contra uma longa doença”.
Não
foi o primeiro caso do ano na empresa. O ex-diretor Alexander Subbotin
morreu aos 43 anos depois de uma sessão com um curandeiro que injetou
veneno de sapo em seu corpo para curar uma ressaca.
É
claro que as mortes não podem ser colocadas oficialmente na conta de
reações à guerra na Ucrânia e as graves consequências internas,
provocadas pelas sanções ao país, com prejuízos e perda do estilo de
vida internacional que os russos ricos desfrutaram durante as duas
décadas em que Vladimir Putin efetivamente recuperou a economia da Rússia e fez um pacto com as elites – cada um na sua pista, com os devidos e milionários pagamentos.
“Imaginem
o que acontece a um país globalizado quando cai a ficha das sanções.
Alguns cometem suicídio”, disse à Atlantic o historiador Edward Luttwak.
Pelo
menos dois casos dados como suicídio envolveram a família. A mulher e a
filha de 13 anos de Vladislav Avaiev, ex-vice-presidente do Gazprobank,
estavam junto de seu corpo num apartamento em Moscou. Sergei
Protosenia, vice-presidente da gigante do gás Novatek, apareceu
enforcado na viga da casa de veraneio na Espanha depois de,
supostamente, matar a mulher e a filha a machadadas.
Michael
Weiss, jornalista que está escrevendo um livro sobre o serviço militar
de inteligência, acha que alguns suicídios podem ter acontecido depois
do “telefonema” – um aviso, como na Roma antiga, de que o cidadão tinha a
opção de tirar a própria vida. Ou ela seria tirada dele.
A dubiedade faz parte do jogo: suicídio, suicídio induzido, homicídio?
“Eles
querem que nós saibamos que foi assassinato, mas não querem que
possamos concluir definitivamente que foi isso”, disse Weiss à Atlantic.
A
legendária eficiência dos serviços russos às vezes é apenas isso – uma
lenda. Em dois casos notórios de envenenamento com Novichok, um dentro e
um fora do país, as vítimas sobreviveram.
Alexei
Navalny escapou com vida do agente que paralisa o sistema nervoso,
aparentemente espalhado em sua cueca num quarto de hotel, porque o
piloto do avião onde entrou em crise fez um pouso de emergência e ele
recebeu tratamento médico na Alemanha. Hoje está preso e só se comunica
por mensagens através de seus advogados.
Os
assassinos que deveriam ter despachado o ex-espião Sergei Skripal, que
havia desertado e se transformado em agente da inteligência britânica,
erraram na dose – ou provavelmente o atendimento médico foi mais
eficiente do que o esperado. Skripal e a filha, Iulia, escaparam com
graves sequelas.
O percurso dos dois agentes russos foi quase que inteiramente reconstituído por câmeras de segurança.
Os
agentes que envenenam Alexander Litvinienko, outro ex-espião que mudou
de lado, foram mais desastrados ainda. O próprio Litvinienko viveu três
dias, o suficiente para relatar como foi atraído para um chá letal num
hotel de Londres. A substância usada, polônio-210, deixou traços
radiativos em toda a trilha dos assassinos, inclusive no avião de volta
para Moscou.
A
infame reação de Putin à reconstituição comprovando o atentado contra
Alexei Navalny ficou famosa: se os serviços secretos quisessem realmente
matar o dissidente, “teriam ido até o fim”, disse ele.
A
última morte “importante” do ano foi de Vladimir Nesterov, engenheiro
espacial que continuava a trabalhar no novo sistema russo de foguetes
mesmo depois de um processo por desvio de dinheiro, entre outras
encrencas.
Imaginem
a quantidade de homens em posições importantes que não estão dormindo
tranquilos. Esse é um dos instrumentos clássicos de controle dos regimes
autoritários. Algumas das mortes suspeitas podem ter tido até causas
naturais, mas o regime putinista quer que as pessoas tenham dúvidas.
Postado há 3 days ago por Orlando Tambosi
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