BLOG ORLANDO TAMBOSI
A Ucrânia, com sacrifício da sua população e território, estanca a ascensão de uma nova ordem internacional. Também por isso a sua defesa deve ser reforçada com todos os meios diplomáticos e militares. Eugénia de Vasconcellos para o Observador:
1 Há
perversidade nas argumentações sobre a culpabilidade recorrente da
Ucrânia nesta guerra que a Rússia iniciou quando invadiu aquele país. O
mesmo se verifica agora com a queda de um míssil na aldeia polaca de
Przewodow, na fronteira com a Ucrânia. Explico.
Uma
querida amiga foi diagnosticada com cancro. No decurso do tratamento
agressivo que fez teve problemas graves. Plaquetas baixas. Diabetes. Fez
transfusões, mais medicação. Efeitos colaterais do tratamento. Mas a
raiz destes problemas nunca foi o tratamento, foi o cancro que
ferozmente combatia.
A
responsabilidade do que aconteceu na fronteira polaca é do governo
russo. Não é da defesa anti-aérea ucraniana, ainda que esta possa ser a
razão da queda do míssil, não é da NATO, nem é dos Estados Unidos. Não
teria acontecido se a Rússia não tivesse invadido a Ucrânia. Não é uma
simplificação, é a realidade sem disfarces.
Um
território soberano foi invadido a pretexto das ambições imperialistas
de outro e para a manutenção do seu governo autocrático e cleptocrático
em deriva ditatorial. Têm sido cometidas atrocidades contra os civis
ucranianos; devastadas as infraestruturas do país. Enquanto isso, a
máquina de propaganda pró-russa, lá e cá, aponta o dedo à Ucrânia e ao
Ocidente. Se dúvidas houvesse quanto às intenções ocidentais, a queda
deste míssil na Polónia, que pertence à NATO, tê-las-ia respondido: não
houve qualquer escalada do conflito. Mas pergunto: passa-se o mesmo do
lado russo? O agravamento dos ataques aéreos à Ucrânia oferece a
resposta e de igual forma o aumento da perigosidade dos efeitos
colaterais.
Como quase todos os conservadores moderados que conheço, sou pessimista. Já
o disse aqui, a propósito da claríssima análise de Vasco Pulido
Valente, a invasão russa da Ucrânia era, infelizmente, previsível, o que
não se previa era a resposta de Zelensky e do povo ucraniano que num
arrasto nos levou por junto e insuflou a NATO e as democracias
ocidentais. Esperava-se a decapitação e substituição do governo
ucraniano por um governo pró-russo. A Ucrânia, com o sacrifício da sua
população e território, estanca a ascensão de uma nova ordem
internacional. Também por isso a defesa da Ucrânia tem de ser reforçada
com os meios diplomáticos e militares de que o ocidente dispõe.
Neste
momento charneira em que vivemos todas as decisões contam. E ainda que
em terreno precário, a esperança na manutenção das democracias revive.
Até para uma pessimista: de um lado a Ucrânia; de outro a não-vitória
dos candidatos trumpistas nas eleições intercalares; a possibilidade de
Mulheres Vida Liberdade crescer na direcção da revolução democrática no
Irão. A democracia e o Estado de Direito fazem-se em cada decisão.
2 Estive
presente na última Feira do Livro de Lisboa, como os outros escritores
convidados a participar pela editora a que pertenço, a Guerra e Paz. À
hora prevista, compareci no stand. Por coincidência de horário, tive,
então, o gosto de conhecer pessoalmente João Pedro Marques de quem sou
leitora também aqui no Observador, e com quem, através dos livros que escreveu e cuja leitura recomendo, aprendi.
O meu respeito e admiração por João Pedro Marques têm origem na defesa
intransigente da história sobre a teoria crítica, vulgo, woke. João
Pedro Marques, muito gentilmente, fez-me depois chegar Who Abolished Slavery?,
que agora terminei. Ao seu texto que já havia lido, acrescem as
contribuições de Seymour Drescher e Peter C. Emmer. A organização
dinâmica dos textos deste livro faz-nos sentir participantes de um
debate que deve ser dilatado e levado para o espaço público.
A autora escreve segundo a antiga ortografia
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