BLOG ORLANDO TAMBOSI
Quando analisamos uma guerra estamos, por definição, no reino do mal menor e uma guerra limitada é um mal menor quando a alternativa poderia ser a escalada para uma Terceira Guerra Mundial. Bruno Cardoso Reis para o Observador:
Quando
acaba a guerra? Esta é a pergunta que me fazem com compreensível
insistência. Sobretudo depois do alarme global com o risco de escalada e
alargamento da guerra causado pela morte trágica de dois civis num país
membro da NATO, a Polónia. Se olharmos para os padrões da história não
vemos sinais dum fim eminente da guerra. Um conflito prolongado tende a
tornar mais difícil uma paz negociada, veja-se o caso da Primeira Guerra
Mundial. O acumular de mortos e destruição exigem uma vitória. Isso é
mais assim numa democracia do que num regime autoritário como o de
Putin, que tem mais margem para ignorar a opinião pública, mas nem a
Rússia, nem a Ucrânia dão sinais de considerarem esgotada a via militar
para atingir as suas prioridades. Um cessar-fogo não é impossível, mas
uma verdadeira paz parece difícil. Apesar de tudo há sinais
encorajadores de que o Ocidente e as principais potências globais querem
um conflito limitado e, sobretudo, querem evitar a todo o custo uma
escalada nuclear.
Mortos na Polónia e o risco de escalada
Vimos
esta semana com o caso trágico da morte de dois civis polacos um
exemplo prático de como a guerra é por definição o reino da incerteza e
do imprevisível. Aparentemente tratou-se do resultado do impacto de um
míssil S-300. Como acontece com muitas outras armas usadas neste
conflito, é um sistema de origem russo-soviética, mas é usada pelos dois
lados. Os russos utilizam-no inclusive para ataque ao solo, na falta de
melhor alternativa. Os ucranianos usam-no na defesa antiaérea, na falta
de sistemas ocidentais mais avançados em precisão e eficácia, e com a
informação disponível presentemente parece ser essa a origem deste
incidente.
Apesar
de termos aqui um exemplo paradigmático do nevoeiro ou fumo da guerra,
para usar o conceito clássico de Clausewitz, desde o início que me
pareceu que havia indícios fortes de que não se tratava de um ataque
deliberado à Polónia, pela localização do impacto numa zona rural remota
muito próxima da fronteira. Mas a incerteza em torno do sucedido foi
suficiente para causar justificado alarme global.
O
uso e abuso irresponsável pela propaganda da Rússia de todo o tipo de
desinformação e de uma retórica muito agressiva tornam ainda mais
compreensível o receio global de uma escalada descontrolada. Ora uma
Terceira Guerra Mundial, entre os EUA e aliados e a Rússia, resultaria
num choque armado entre as duas maiores potências nucleares globais, com
a capacidade de destruir toda a vida na Terra. Felizmente, os países da
NATO adotaram uma postura de grande contenção e rigor, fiéis à natureza
defensiva da aliança e à sua doutrina de resposta flexível e
proporcional. Foi assim desde o início deste conflito, e mais uma vez
neste incidente. A Rússia recusou, como sempre, reconhecer que a
responsabilidade última do que sucedeu lhe cabia a ela, pois sem invasão
e, sobretudo, sem bombardeamentos russos indiscriminados junto das
fronteiras da Ucrânia estas mortes certamente não teriam acontecido.
Moscovo apostou no habitual recurso à desinformação, neste caso
apontando o dedo a um desejo de escalada pelo Ocidente que esteve
manifestamente ausente. A Ucrânia pediu, legitimamente, para ser
envolvida nas investigações, mas fez mal em se deixar cair na tentação
de negar qualquer responsabilidade antes de apurados os factos.
O Mundo não quer uma escalada – a derrota da Rússia no G20
Apesar
de tudo, este incidente trágico, no meio de uma invasão sangrenta, veio
confirmar que do lado da NATO há um forte compromisso em ajudar a
Ucrânia e proteger os países membros, mas sempre com o cuidado em evitar
uma escalada descontrolada. A Ucrânia, naturalmente quer o máximo de
apoio e envolvimento de aliados que a ajudem a derrotar esta invasão
russa, mas também não tem interesse numa Terceira Guerra Mundial que
seria, provavelmente, o fim de todos nós. A Rússia é culpada não só da
invasão, mas também de uma escalada retórica, nomeadamente com ameaças
ocasionais de recurso a armas nucleares, e do constante recurso à
desinformação que torna muito difícil perceber as suas reais intenções.
A
reação alarmada do Kremlin a este incidente parece mostrar, no entanto,
que, apesar da escalada retórica, a Rússia não tem a mínima vontade de
escalar o conflito, pelo menos não no sentido do seu alargamento aos
países da NATO. É, aliás, lógico que assim seja. Moscovo já tem tido
dificuldades militares suficientes sem o envolvimento militar direto dos
poderosos Aliados ocidentais da Ucrânia, que a desinformação russa diz
que já se verifica, mas que o Kremlin sabe muito bem não ser verdade, e
dever ser evitado.
Felizmente
também temos tido sinais crescentes de pressões globais – por exemplo
da China, que se tornou a única bóia de salvação económica indispensável
para Rússia – sobre o Kremlin para haver garantias de que não haveria
escalada para o recurso a armas nucleares. O líder da China, Xi,
enfatizou a necessidade de evitar o recurso a armas nucleares nos seus
recentes encontros com Scholz da Alemanha, e com Biden dos EUA.
Deste
ponto de vista, a Cimeira de Bali do G20 foi uma derrota diplomática
importante para Putin e uma vitória para quem está preocupado com uma
escalada da guerra. Ao contrário do que tenho lido e ouvido, a declaração final do G20
é a mais firme condenação duma grande potência que esta organização, de
que a Rússia faz parte, e que representa mais de dois terços da
economia e da população mundial, alguma vez fez. Vale a pena ler o
texto, em que a maioria dos líderes dos G20 remete e cita a resolução da
Assembleia Geral da ONU, de Março deste ano, que condenou
“veementemente a agressão da Federação Russa contra a Ucrânia e exige a
sua retirada completa e incondicional do território da Ucrânia.” Depois
acrescenta: “O uso ou ameaça de uso de armas nucleares é inadmissível”
bem como “a época em que vivemos não deve ser de guerra.” E para quem
ache que isto é só o Ocidente e amigos, recordo que esta última frase é
ipsis verbis aquilo que Modi, o líder da Índia, uma das maiores
potências do Sul Global, disse a Putin no seu encontro recente em
Samarcanda.
É
possível, portanto, que tenhamos uma guerra prolongada, mas limitada.
Ou seja, temos razões para acreditar que o risco de escalada,
nomeadamente nuclear, é hoje mais reduzido do que no passado. Não quero
com isto desvalorizar os riscos que ainda corremos, fruto inevitável da
imprevisibilidade de uma guerra. Menos ainda desvalorizo a tragédia
humana em curso com, no mínimo, muitas dezenas de milhares de mortos e
com milhões de deslocados ucranianos. Mas quando analisamos uma guerra
estamos, por definição, no reino do mal menor e uma guerra limitada é um
mal menor quando a alternativa poderia ser a escalada para uma Terceira
Guerra Mundial. Isto também não significa, evidentemente, que se deva
deixar de apoiar a Ucrânia no seu direito de legítima defesa. Uma reação
proporcional ao sucedido seria exigir da Rússia garantias de que não
fará ataques aéreos junto das fronteiras da NATO, e reforçar os meios de
defesa aérea da Polónia e da Ucrânia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário