A agenda política de Liz Truss era a de uma boa parte do partido. Um partido que idolatra Thatcher, mas que se foca nos anos de crescimento econômico e não no que esta precisou fazer para lá chegar. André Barrinha, que é professor de RI no Reino Unido, para o Observador:
Liz
Truss chegou ao fim da linha 44 dias de depois de ter assumido o cargo.
Nunca um primeiro-ministro britânico tinha estado tão pouco tempo no
poder. Essa distinção pertencia a George Canning que teve o infortúnio
de falecer 119 dias depois de ter chegado ao poder. Em breve ficaremos a
saber quem vai ser o novo inquilino de 10 Downing Street, o quinto em
pouco mais de seis anos. Sempre do partido conservador e sempre com
maioria absoluta.
Com
a vitória da ala eurocética no referendo relativo à saída do Reino
Unido da União Europeia em 2016, e a subsequente saída de David Cameron e
entrada de Theresa May, os Tories entraram num processo de crescente
exclusão de grupos dentro do partido conservador: primeiro, com Theresa
May, os remainers não-arrependidos, depois com Boris Johnson, os
apoiantes de Theresa May, e, por fim, com Liz Truss, também os apoiantes
de Rishi Sunak (antigo ministro das finanças e adversário nas eleições
diretas do partido). Progressivamente, a pool de talento do partido foi
ficando cada vez mais reduzida, enquanto se tornava ideologicamente mais
assertiva. Conservadores radicais, como Jacob Rees-Mogg ou Suella
Braverman, cresceram em estatuto dentro do partido, afirmando-se como
figuras importantes no governo de Liz Truss.
A
mensagem do novo governo era clara: estava na hora de finalmente
aproveitar a fundo (leia-se, desregulamentação) os ‘benefícios’ do
Brexit. Tais ambições seriam temporariamente suspensas com o falecimento
de Isabel II, mas assumiriam a forma de ‘mini-orçamento’ umas semanas
mais tarde (a 23 de Setembro), quando o Ministro das Finanças Kwasi
Kwarteng apresentou o que prometia ser um verdadeiro choque fiscal, com a
redução de impostos, particularmente para os salários mais elevados.
Seria a aplicação efetiva do Britain Unchained, título do livro
publicado uma década atrás (2012) por um grupo de deputados
conservadores, dos quais faziam parte… Liz Truss and Kwasi Kwarteng.
Nesse livro, os trabalhadores britânicos eram apresentados como ociosos
(‘idlers’) e o país descrito como sendo excessivamente burocrático e com
impostos demasiado altos, o que impedia a inovação e o crescimento
económico.
Num
contexto de inflação galopante e de uma crise económica e energética,
os mercados reagiram de forma agressiva à falta de um plano concreto de
como estes cortes seriam compensados em termos orçamentais (ou de como
exatamente contribuiriam para o crescimento económico no curto prazo).
De forma mais abrangente, havia a noção clara de este ser um governo de
segundo nível, sem capacidade para lidar com as enormes dificuldades que
o país enfrenta: do ambiente à saúde.
Perante
uma enorme pressão dentro e fora do partido (as sondagens mais recentes
dão uma vitória esmagadora ao Partido Trabalhista), Liz Truss foi
obrigada a despedir o seu Ministro das Finanças e a anunciar a sua
substituição por Jeremy Hunt, um membro da ala moderada do partido. Isto
depois de Kwarteng ter anunciado a reversão de algumas das medidas
anunciadas. Truss foi forçada a assumir os seus erros, e na prática a
conceder o controlo do poder ao partido, o que rapidamente se viria a
revelar uma solução insustentável. As escaramuças entre os deputados
conservadores na noite de 19 de Outubro no palácio de Westminster, com
murros e empurrões à mistura depois do partido Trabalhista ter convocado
um debate de última hora sobre fracking, davam a imagem de um partido à
deriva, sem líder. Na manhã seguinte, Liz Truss apresentava a sua
demissão.
Seria
incorreto avaliar a desastrosa liderança de Liz Truss como um mero erro
de casting. Pelo contrário, apesar do ‘mini-orçamento’ de Kwasi
Kwarteng ter ido um pouco para lá do prometido por Liz Truss em termos
de cortes de impostos, as linhas gerais do mesmo correspondiam ao
programa político que tinha levado 57.4% dos membros do partido
conservador a escolher a então Ministra dos Negócios Estrangeiros como
nova primeira-ministra poucas semanas antes. No dia a seguir à
apresentação do orçamento, o conservador (e extremamente influente)
Daily Mail tinha como manchete: ´Finalmente um orçamento conservador’. A
agenda política de Liz Truss era a agenda política de uma boa parte do
partido.
O
desnorte que foi o seu governo corresponde no fundo ao desnorte que
assola um partido conservador cada vez mais velho em termos dos seus
membros e mais pequeno quanto à qualidade e competência dos seus
quadros. Um partido que idolatra Margaret Thatcher, mas que se foca nos
anos de crescimento económico e não no que esta precisou fazer para lá
chegar. Um partido sem respostas e cansado de estar no poder.
Ainda
é cedo para saber o que vai acontecer nas próximas semanas, mas é de
esperar que haja necessidade de convocar eleições legislativas
antecipadas (pela quarta vez em sete anos). Qualquer que seja o novo
governo – provavelmente liderado pelos Trabalhistas de Keir Starmer –
vai ter pela frente uma tarefa hercúlea de reparar os danos causados nos
últimos meses de governo conservador, ao mesmo tempo que terá de
implementar reformas em múltiplos setores (e negociar um acordo
permanente com a União Europeia). Isto num contexto internacional
economicamente desfavorável, ainda muito marcado pelo conflito na
Ucrânia. O futuro próximo da política britânica apresenta-se assim na
mesma linha do seu passado recente: profundamente incerto.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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