Candidata diminui a diferença no segundo turno para apenas 6 pontos, um resultado muito melhor do que na última eleição presidencial. Vilma Gryzinski:
Financiar
o crescimento econômico com empréstimos do governo, renacionalizar
estradas, reverter a reforma trabalhista, aumentar as aposentadorias por
idade, criar imposto sobre rendimentos de capital, intervenção do
estado nos preços agrícolas.
É
o programa do PT? Não, é o de Marine Le Pen. O evidente populismo,
alternado com algumas boas ideias, como a desoneração fiscal para
empreendedores abaixo dos 30 anos, está funcionando, como mostram as
pesquisas.
Ou
então é o ódio visceral a Emmanuel Macron, um presidente eficiente e
espantosamente dedicado, sem escândalos maiores nem baixarias, que, na
teoria, deveria ser muito mais popular do que é.
No
primeiro turno, agora no domingo, ele tem 27,5% das preferências.
Marine Le Pen disparou para 22%. Também avançando para o terceiro lugar
está Jean-Luc Mélenchon, de uma esquerda comparável ao Psol. A candidata
da esquerda tradicional, Anne Hidalgo, que desfruta da celebridade
obrigatória por ser prefeita de Paris, tem uma lamentável taxa de 2% de
preferências.
O
que interessa, obviamente, é o segundo turno. E aí é que Marine Le Pen
surpreende: tem 47% das preferências, contra 53% para Macron. Em 2017,
quando era um fenômeno novo e impossível de parar, Macron teve 66%.
Marine Le Pen não chegou aos 34%.
Foi
um fiasco que provocou várias dissidências no partido e mudou pouco o
estilo da candidata da direita nacionalista: ela continua a falar sem
muita preocupação com a liturgia do cargo ao qual aspira, usa o cabelo
ligeiramente despenteado e, embora altamente articulada, não mergulha em
profundidade nos assuntos, ao contrário do “primeiro da classe” Macron,
obcecado em dominar todos os temas, dos mais simples aos
ultracomplexos.
A principal mudança foi que MLP, como é tratada, tirou do programa a questão do euro e da participação na União Europeia.
O
tema dominante é o “pouvoir d’achat”, ou poder de compra, usado da
forma como se diz custo de vida no Brasil. É o que interessa ao eleitor,
principalmente as camadas mais jovens e mais pobres, faixa onde MLP
viceja.
Sem
desprezar o fundamento principal de seu partido, a postura
antiimigração. MLP propõe um plebiscito para incluir na constituição que
a imigração seja tratada como prioridade nacional, o restabelecimento
do delito de estada irregular no país e a restrição dos benefícios
sociais aos cidadãos franceses ou aos com cinco anos de trabalho
regular.
Como na campanha atual surgiu um candidato mais antiimigração ainda, Éric Zemmour, as propostas de MLP parecem até razoáveis.
Zemmour
tirou muitos votos de Marine quando apareceu, com a força da novidade e
do discurso incrivelmente contundente. A certa altura, parecia que iria
avançar para ser o segundo colocado e disputar o turno final com
Macron, mas refluiu e está agora na faixa dos 11%.
Uma
de suas propostas, a “remigração”, ou mandar de volta os imigrantes em
situação ilegal, foi submetida a uma pesquisa de opinião: nada menos que
66% dos franceses a endossaram, o que dá uma ideia de como o assunto
tem ressonância na sociedade.
O
desgaste natural do poder é uma das explicações para a posição
favorável, mas não completamente confortável de Emmanuel Macron.
A
França enfrentou uma pandemia brava, com 142 mil mortos (2 177 por
milhão de habitantes, contra 1 551 na Alemanha; no Brasil, 3069) e a
mesma injeção de dinheiro para salvar da falência a população sem
trabalhar e a economia sem produzir.
Mesmo
com a chuva de recursos, a inflação está comparativamente baixa, 4,5%
(6,2% no Reino Unido; 7,3% na Alemanha e 9,8% na Espanha). Mas
obviamente todo mundo só fala no aumento de preços, principalmente dos
combustíveis, agora contemplados com um pequeno subsídio do governo
(fora cheques do governo para compensar os gastos com energia).
Macron
também fez as reformas que conseguiu e descomplicou a abertura de novas
empresas, principalmente startups. A economia aumentou 1% em relação ao
nível pré-pandemia e o desemprego está em 7,4%, razoável em termos
franceses.
No
segundo turno, ele pode contar com os votos dos eleitores da direita
tradicional – a candidata Valérie Pécresse também não decolou e está na
faixa dos 10%. A esquerda convencional igualmente tapa o nariz e vota
nele – embora mais de 30% dos eleitores de Mélenchon inclinem-se a
apoiar Marine Le Pen, numa salada ideológica que não provoca nenhum
espanto no Brasil, mas deixa muitos franceses pálidos de espanto. O
programa populista ajuda, obviamente.
Chegar
ao primeiro turno em ascensão é o fator que propulsiona MLP. Seus
eleitores não parecem impressionados com o histórico dela de proximidade
com Vladimir Putin – e até um empréstimo de 9 milhões de euros feita
por um banco russo a seu partido, numa hora de necessidade.
Para
Macron, a guerra tem sido boa e a aparência de que era um player,
tentando intermediar uma solução pacífica, impulsionou sua posição no
primeiro turno. Seus simpatizantes também não ligaram para o fato de que
a diplomacia macroniana foi baseada em informações erradas: o chefe da
inteligência militar garantiu que a Rússia não invadiria a Ucrânia, ao
contrário do que diziam todos os serviços de informações dos “cinco
olhos”, a rede colaborativa dos países de língua inglesa. O francês foi
demitido.
Segundo
o analista financeiro britânico Matthew Lynn, uma vitória de Marine Le
Pen e seu “extravagante programa de nacionalismo econômico” provocaria
fuga de investidores, queda nos mercados e aumento de preços e de
dúvidas sobre o pagamento da dívida francesa (na pesada faixa de 115% do
PIB).
“A União Europeia seria jogada no caos”, escreveu ele.
Pode haver um certo alarmismo. Ou, obviamente, torcida contra.
Mas
os novos patamares em que Marine Le Pen está se colocando indicam que
definitivamente a maré está boa para o populismo econômico.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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