Serviços de inteligência russos teriam dado versão manipulada sobre invasão da Ucrânia para não desagradar o chefe. Vilma Gryzinski:
Os
assessores de Vladimir Putin “têm medo de dizer a verdade” sobre os
problemas enfrentados na Ucrânia e o presidente russo “superestimou a
capacidade de uma vitória rápida”.
Muita
gente boa já fez a mesma análise, mas a mais recente avaliação vem de
uma fonte qualificadíssima: Jeremy Fleming, o diretor do serviço de
inteligência eletrônica do Reino Unido, conhecido pela sigla GCHQ.
“Nós
sabemos que a campanha de Putin está assolada por problemas: moral
baixo, erros logísticos e alto número de baixas. A operação de comando e
controle está um caos. Vimos Putin mentir para seu próprio povo para
tentar esconder a incompetência militar”, disse.
Outro
informante de alto calibre, americano, preferiu o anonimato, para dizer
que Putin “se sentiu enganado pelos militares russos” e já rifou oito
generais.
Dá
para acreditar nesse tipo de interpretação, bem no meio de uma guerra,
com todos os interesses envolvidos? E dá para imaginar que Putin,
ex-agente da KGB, portanto um especialista em informações manipuladas –
por seu próprio pessoal, para não ficar mal com a chefia -, tenha sido
enganado?
Sim
e não. Os fatos no campo de batalha mostram que o ataque em três eixos
que conquistaria a Ucrânia “em uma semana” não saiu conforme o
planejado. E são vários os exemplos de soldados russos que sabotam o
próprio equipamento, reclamam da falta de comida – um telefonema
interceptado fala até em guisado de cachorro para suprir a falta de
carne – e se queixam que sequer sabiam da missão original.
Numa
força de mais de 150 mil homens – e com recrutas comuns, ao contrário
do que disse Putin inicialmente -, isso não causa nenhuma surpresa. Não
há indícios de indisciplina em massa e readaptar planos operacionais faz
parte da realidade do campo de batalha. Os percalços sequer são
conhecidos pela população russa, que na pesquisa mais recente apoia
Putin esmagadoramente – nada menos que 83% de aprovação.
Mas Putin foi enganado, em alguma medida, por informação errada ou não aceitou a informação certa?
Nesse
caso, estaria repetindo, em escala muito menor, o erro monumental de
Stalin ao rejeitar nada menos que 47 vezes, em dez dias, as informações
dos serviços secretos com a data praticamente precisa da invasão que
Hitler desfecharia contra a União Soviética em 22 de junho de 1941.
O levantamento foi feito por Arsen Martirosyan, um historiador militar russo.
“Agora
eu tenho que acreditar nesse m•••• com seus bordéis no Japão?”,
reclamou Stalin quando recebeu um dos extraordinariamente precisos
relatórios de Richard Sorge, comunista alemão que se transformou em
agente russo e estrela da Orquestra Vermelha, a rede de espiões a
serviço de Moscou por convicção ideológica.
Sorge,
que fazia o estilo louco por mulheres e bebidas que viria a inspirar
Ian Fleming, o criador de James Bond, avisou em 12 de maio de 1941 que
170 divisões alemãs invadiriam a União Soviética no mês seguinte. Errou a
data por apenas dois dias. Ele tinha uma fonte impecável: o embaixador
alemão em Tóquio, que não se opunha ao caso de Sorge com sua mulher (o
espião acabou descoberto, preso, torturado e fuzilado pelos japoneses em
1944).
Outra
fonte mais impecável ainda: o embaixador alemão em Moscou,
Friedrich-Werner von der Shulenburg, confidenciou ao embaixador russo em
Moscou que a invasão estava prestes a ser desfechada. Shulenburg era
crítico do nazismo e seria morto depois da fracassada conspiração para
assassinar Hitler.
“A
desinformação agora chegou ao nível de embaixador”, reclamou Stalin,
convencido, contra todas as evidências, inclusive a concentração de 2,5
milhões de soldados alemães na fronteira, que tudo não passava de um
ardil de Churchill para atrair a URSS para a guerra – naquela altura, a
Inglaterra era o único foco de resistência à Alemanha na Europa
não-russa.
O
erro de Stalin foi contrabalançado pelo engano fatal de Hitler.
Convencido de que a ofensiva em três frentes, para conquistar Moscou,
Leningrado e Kiev, também seria fulminante, ele dava a vitória por certa
em questão de meses – antes da chegada do general inverno. Em Mein
Kampf, ele já descrevia como seria uma Rússia colonizada por alemães,
que viveriam “em belas e espaçosas fazendas”. As instituições públicas
alemãs funcionariam “em prédios magníficos; os governadores, em
palácios” e “o mais humilde de nossos cavalariços seria superior aos
nativos”.
“Só
temos que chutar a porta e a estrutura podre desabará”, disse Hitler a
Alfred Jodl (o general que em 1945 assinou a rendição alemã, foi julgado
por crimes de guerra em Nurembergue e executado na forca).
A
história demonstrou qual erro custou mais caro: Hitler se suicidou no
bunker de Berlim e, depois da derrota alemã, Stalin passou a usar uma
túnica branca de generalíssimo, embora fizesse de conta que não gostava
da honraria.
Inicialmente,
a ofensiva foi catastrófica para os soviéticos, com o Exército Vermelho
dizimado pelos expurgos que consumiram 36 mil oficiais. A maré só
começou a virar quando Stalin parou de matar generais e passou a
ouvi-los.
O
número de soviéticos mortos na guerra é calculado entre 17 e 27 milhões
de pessoas. O sacrifício astronômico agora é um dos instrumentos usados
por Putin para justificar o expansionismo russo e atiçar os sentimentos
patrióticos da população.
A
ameaça de cortar o gás dos países importadores europeus se não pagarem
em rublos é outro lance formidavelmente audacioso, com grande apelo ao
público interno que se sente vitimizado pelas sanções econômicas.
E
não é um lance de um homem que não tenha escrutinado sistematicamente
todas as cartas que tem na mão. Algumas, nem colocou na mesa ainda.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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