O Ocidente não é apenas a ideologia liberal. E o imperialismo russo da estepe e da horda não se equipara nem representa o tradicionalismo cristão, atlantista e universal. Nuno Maria Côrte-Real para o Observador:
Não
há neutralidade possível. O actual conflito na Ucrânia opõe dois
conceitos geopolíticos irreconciliáveis – o Euratlantismo e o
Eurasianismo.
Trata-se
no fundo de uma escolha civilizacional, entre o Ocidente e o Oriente. A
civilização ocidental é por natureza pluralista, orgânica e marítima. E
a civilização asiática russo-mongol é monista, autocrática e
continental.
No
Ocidente prevaleceu geralmente a distinção entre o Estado e a Igreja,
mesmo quando existiu religião oficial, assim como uma considerável
autonomia da sociedade civil, dotada de amplos poderes de
auto-regulação. Idiossincrática também é a relação com o mar, com o
Mediterrâneo e o Atlântico.
No
Oriente Eurásico, pelo contrário, todos os poderes se concentram
historicamente num príncipe absoluto. Intitulado Gengis Khan, Czar de
Todas as Rússias, Secretário Geral do Partido Comunista da União
Soviética ou Presidente da Federação Russa, consoante as narrativas
ideológicas de cada época. O própria Igreja Ortodoxa Russa tem sido
desde há séculos um departamento do Estado, inclusive durante o
Estalinismo, quando serviu para mobilizar as energias morais do
nacionalismo russo para combater os alemães e colaborou na russificação
das repúblicas mais excêntricas da União Soviética. Por outro lado, a
projecção de poder eurásico sempre foi intrinsecamente continental – a
estepe é o seu horizonte e o espírito invasor e exclusivista da horda o
seu conceito imperial. Sempre que o imperialismo russo quis ser marítimo
fracassou, basta recordar a perdida Guerra da Crimeia (1853-56), quando
pretendeu dominar o Mar Negro ou a Batalha Naval de Tsushima (1905), em
que a frota russa do almirante Rozhestvenski foi destruída pela frota
nipónica no Mar do Japão. O afundamento recente, por misseis ucranianos
provavelmente guiados por informações americanas muito precisas, do
Moskva, navio almirante da frota russa do Mar Negro, talvez não tenha
sido apenas um epísódio humilhante mas a verificação actualizada de uma
constante histórica.
Posto
isto, é fácil encontrar o nosso lugar próprio, de portugueses e
ocidentais, neste conflito. Basta evitarmos as duas grandes falácias da
propaganda russófila actual. Perceber, primeiro, que o Ocidente não é
apenas a ideologia liberal. E depois, que o imperialismo russo da estepe
e da horda não se equipara nem representa o tradicionalismo cristão,
atlantista e universal.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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