Evitar pessoas que não merecem a atenção é minha resolução para o ano novo, o que aprendi com Sêneca. João Pereira Coutinho para a FSP:
Ler
os jornais desse início de janeiro é um filme de terror. A Rússia vai
invadir a Ucrânia? A China vai invadir Taiwan? Teremos novas variantes do corona infame? Trump e seus discípulos vão regressar ao mundo dos vivos nas eleições intercalares dos Estados Unidos? E Bolsonaro? Fica ou vai embora?
O ano ainda mal começou. E a vontade do cidadão comum é ficar na cama, protegido do mundo, à espera que venha 2023.
Não desista, cidadão! E se você precisa de terapia bibliográfica para suportar as tormentas da vida, os estoicos são o melhor colírio.
Por
esses dias sombrios, tenho regressado a eles. Leio as "Tragédias" de
Sêneca, recém-traduzidas para português por Ricardo Duarte (Edições 70).
E também o pequeno ensaio de John Sellers, "Lessons in Stoicism"
(Penguin), que recomendo.
A
palavra "estoico" tem má fama, sobretudo nesses tempos
hiper-emocionais. "Estoico", na linguagem vulgar, é alguém destituído de
emoções, indiferente ao mundo e aos outros, às vezes arrogante na sua conduta.
Nada
mais longe da verdade. O estoicismo é uma filosofia do caráter que
procura estabelecer o equilíbrio possível entre o homem e a natureza
—incluindo a sua natureza humana. Só assim é possível ter um pouco de
sabedoria, coragem, justiça e moderação –as quatro virtudes estoicas. E como chegar a elas?
Fazendo
a distinção básica que Epicteto, o escravo grego que virou filósofo,
recomendava nas suas lições: há coisas que podemos controlar e coisas
que não podemos controlar.
Você não pode controlar a grande política internacional.
Mesmo a política nacional, aqui entre nós, escapa aos seus melhores
esforços –e às horas que você passa no Twitter, chafurdando em lutas
insanas e insones.
O
que você pode controlar –ou, pelo menos, pode aprender a controlar
melhor– são seus julgamentos, seus impulsos e seus desejos. Ou, dito de
outra forma, existe uma diferença entre o que acontece e a forma como
reagimos ao que acontece. Um animal é puro instinto. Nós, apesar do instinto, não somos completamente animalescos.
A raiz da infelicidade, segundo Epicteto, está na pretensão absurda de tentar controlar o incontrolável.
Se
isso é válido para as grandes questões, é logicamente válido para as
pequenas. No seu ensaio, John Sellars relembra a história de um homem
que procura Epicteto porque o seu irmão está enfurecido com ele, sem
razão aparente. O homem, compreensivelmente, está triste com a atitude
do irmão.
Epicteto critica o homem, não o irmão. Primeiro, porque não é possível controlar as emoções dos outros. Segundo, porque as únicas emoções que nos pertencem são as nossas.
É um belo conselho, sobretudo nessa época em que os argumentos emocionais canibalizam qualquer debate racional. Se alguém se sente triste, ofendido ou prejudicado com minhas ideias ou gestos, isso autoriza automaticamente que eu seja "cancelado".
O
problema, que os estoicos conheciam bem, é que não é possível
antecipar, acautelar ou proteger os outros das suas emoções. São eles, e
apenas eles, que têm de lidar com o assunto, partindo do pressuposto de
que falamos de adultos, e não de crianças.
Finalmente,
o conselho mais precioso: não é ridículo que as pessoas sejam ciosas do
seu dinheiro e das suas posses, mas completamente dissolutas em matéria
de tempo?
Sêneca,
sobretudo nas "Cartas a Lucílio", regressa a esse ponto múltiplas
vezes. Começa logo na primeira carta: devemos ter em atenção o tempo que
nos tomam; o tempo que nos foge; e o tempo que desperdiçamos. Para quê?
Para aproveitarmos o tempo que nos resta.
Na minha lista de resoluções para 2022,
não estão as grandes causas planetárias. Está o que sempre esteve: não
perder tempo com assuntos que não controlo e pessoas que não o merecem.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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