A vitória de um ou de outro significará contratar mais quatro anos de uma guerra sangrenta e fratricida de brasileiros contra brasileiros. Luciano Trigo via Gazeta do Povo (discordo apenas de uma coisa: nenhum dos lados alcança 30 por cento de fanáticos):
Políticos
experientes afirmam que a polarização entre Bolsonaro e Lula na eleição
de 2022 é inevitável, e talvez estejam certos. Mas como, no Brasil, até
o passado é imprevisível, isso está longe de ser um fato consumado.
Muita coisa pode e vai acontecer.
É
fato que os dois candidatos contam com uma base robusta de apoio
incondicional: são eleitores que votarão em Lula ou Bolsonaro aconteça o
que acontecer. Isso porque o laço desses dois eleitorados com seus
candidatos não é racional: é emocional, com algo de religioso e
messiânico.
Para
esses dois grupos, que estimo representarem 25% a 30% dos votos cada
(meu chutômetro tem sido mais preciso que muitos institutos de
pesquisa), é inútil qualquer debate ou argumentação: seria como tentar
convencer um torcedor a trocar de time às vésperas da final do
campeonato.
Mais
que o resultado de uma reflexão ponderada ou de uma escolha consciente,
a relação desses eleitores com seus candidatos se baseia em instintos,
ainda que associados a valores, crenças e convicções que eles percebem
como incontestáveis, porque estruturantes de sua própria identidade como
indivíduos.
Ora,
depois que alguém associa – psicologicamente, emocionalmente,
socialmente, simbolicamente – sua própria identidade como indivíduo ao
papel de agente de uma narrativa política ou ideológica, reverter esse
processo tem um custo emocional altíssimo, que poucos se dispõem a
pagar. A aposta foi muito alta.
Por
isso mesmo, para um eleitor fanático importa pouco, por exemplo, se a
narrativa lulopetista é verdadeira ou mentirosa, porque a verdade e a
mentira passam a importar muito pouco diante de algo mais significativo:
o apoio incondicional a Lula confere sentido à vida dessas pessoas,
proporciona a elas um senso de pertencimento, de integridade, de
identidade, de propósito; dá a elas, em suma, uma razão de viver. O
mesmo se aplica a determinada parcela dos eleitores de Bolsonaro.
O
fato é que uns e outros enxergam a política como uma disputa entre o
bem e o mal. A pior consequência dessa visão de mundo (ingênua, até
certo ponto) é uma sociedade fraturada, na qual metade dos brasileiros
odeia a outra metade, com cada grupo retroalimentando o ódio e o
desprezo do outro.
Ganhando
ou perdendo, o bolsonarismo vai sobreviver à eleição. Da mesma forma
que o campo lulopetista jamais se conformou com a derrota na eleição de
2018, dedicando toda a sua energia a atrapalhar, sabotar e destruir o
governo – e a trágica pandemia de Covid-19 representou, nesse sentido, o
pretexto perfeito para a sabotagem e a destruição – é tolice acreditar
que os eleitores de Bolsonaro se conformação com a volta do PT a poder.
Ou
seja, a vitória de um ou de outro significará contratar mais quatro
anos de uma guerra sangrenta e fratricida de brasileiros contra
brasileiros.
Mas
não é impossível, ainda que hoje pareça altamente improvável, que o
segundo turno seja diferente do anunciado com excessiva antecedência.
Por exemplo, a depender da evolução dos acontecimentos, Lula, que fará
77 anos em outubro, pode decidir passar o bastão para outro candidato,
para se preservar. Por outro lado, se a economia continuar se
deteriorando, a popularidade de Bolsonaro pode despencar a ponto de
inviabilizar sua candidatura à reeleição.
Mesmo
que os dois persistam, até o dia 2 de outubro os eleitores
não-fanáticos podem se cansar dessa polarização – muitos já estão
exaustos – e decidir migrar para as candidaturas alternativas, como as
de Ciro Gomes e Sergio Moro, em um volume suficiente para mudar o
cenário do segundo turno.
(Vale
lembrar que, às vésperas do primeiro turno de 2018, houve um forte
deslocamento os votos da esquerda para Ciro, ainda que tenha sido
insuficiente para tirar Haddad do segundo turno.)
Outra
coisa interessante a observar será o comportamento do eleitor do PSDB
diante da possível aliança entre Lula e Alckmin. A não ser para quem for
muito cínico ou tiver a memória muito fraca, a sensação de ter sido
enganado será forte.
O que me parece certo hoje é que, por mais que tentem criar a sensação de fatos consumados, os dados ainda estão rolando.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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