Se o Brasil não dispuser de capacidade tecnológica, estará em grande desvantagem em seu poder de dissuasão. Rubens Barbosa para o Estadão:
Quem
quer que se torne o número um na Inteligência Artificial (IA) será o
líder do mundo (ruler of the world), previu, em 2017, o presidente da
Rússia, Vladimir Putin. China e EUA estão hoje bem à frente do
desenvolvimento da tecnologia cognitiva.
Como
todo avanço e inovação tecnológica, a IA pode ser utilizada para
projetos voltados para o bem, mas também para o mal. Apresenta muitos
aspectos positivos, mas também negativos. Pelo potencial de risco de sua
utilização, não deixa de ser surpreendente que até aqui a incorporação
da IA na indústria bélica tenha sido tão pouco discutida.
Na
edição de janeiro, a revista Interesse Nacional
(www.interessenacional.com.br) traz dois artigos, de Dora Kaufman e
Marcelo Tostes, que resumem as tratativas internacionais para
regulamentar o “sistema de inteligência artificial, que pode ser
entendido como um sistema baseado em máquina, projetado para operar com
vários níveis de autonomia, e que pode também, para um determinado
conjunto de objetivos definidos pelo ser humano, fazer previsões,
recomendações ou tomar decisões que influenciam ambientes reais ou
virtuais”, na definição da Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE). A Unesco (a Ética na IA), a União Europeia (IA Act),
os EUA (FDA e Senado, com Projeto de Lei sobre Responsabilização
Algorítmica) e a Administração da Cibernética Espacial, na China,
apresentaram propostas que tratam de diversos aspectos desse sistema.
Acrescento que o governo brasileiro divulgou, em 2021, a Estratégia
Brasileira de Inteligência Artificial (Ebia), com fortes críticas por
parte de especialistas por suas limitações técnicas e políticas. A
Câmara dos Deputados aprovou, no ano passado, o Projeto de Lei 21/2020,
que propõe a criação de uma base legislativa geral e vinculante para
regular os sistemas de inteligência artificial no País.
No
campo militar, a IA representa o maior salto tecnológico qualitativo
desde o aparecimento da energia nuclear e da produção de armas
nucleares, com a diferença de o desenvolvimento e aplicação da IA ser
substancialmente menos custoso e potencialmente mais fácil de ser
empregado, inclusive por terroristas e por Estados Párias (Rogue
States). A Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) está
desenvolvendo novas formas de guerra cognitiva, usando supostas ameaças
da China e da Rússia para justificar travar batalha pelo cérebro, no
domínio humano, para fazer de todos uma arma. Será a militarização da
ciência do cérebro que envolve “hackear o indivíduo, explorando as
vulnerabilidades do cérebro humano para implementar uma engenharia
social mais sofisticada”. Apesar de as autoridades militares da China,
da Alemanha, da Rússia, dos Estados Unidos e de diversos outros países
terem anunciado, há algum tempo, que a criação de sistemas de combate
integralmente autônomos não era seu objetivo, tais sistemas
provavelmente já devem ter sido criados. Na percepção militar, apenas
sistemas de combate com IA poderão, no caso de guerras, penetrar em
áreas fechadas e operar com uma relativa liberdade.
A
regulamentação da utilização da IA para fins militares, contudo,
começou a ser discutida no âmbito das Nações Unidas, mas encontra
resistência por parte das principais potências que procuram ganhar tempo
para obter vantagens, antes da negociação de acordos que coloquem
limites e cautelas ao seu uso. Como, aliás, foi o que aconteceu com as
armas nucleares, cujo tratado de não proliferação só se materializou
quando finalmente as potências nucleares deram seu assentimento.
O
problema que desafia os organismos multilaterais é como controlar os
“sistemas de armas autônomas letais” (Laws, na sigla em inglês),
representados por qualquer plataforma móvel: drones, androides, aviões
que voam sozinhos. A IA pode substituir os recursos humanos em tudo,
desde armas operacionais para coleta e análise de inteligência, sistemas
de alerta antecipado, e de comando e controle. A utilização de drones
para fins militares (robôs assassinos) já está muito difundida e a
guerra antissatélite vem esquentando.
A
disputa entre os EUA e a China pela hegemonia global no século 21 passa
pela corrida tecnológica em todos os segmentos, inclusive na utilização
da IA para fins militares, com impactos que vão alterar a correlação de
forças no mundo. Os EUA contam com seus aliados europeus na Otan e a
China, com seus parceiros, inclusive a Rússia.
As
rápidas transformações que ocorrem em decorrência desses avanços
tecnológicos trarão impactos importantes sobre países, como o Brasil. Do
ângulo da Política Nacional de Defesa e da Estratégia Nacional de
Defesa, se o Brasil não dispuser de capacidade tecnológica para utilizar
o sistema de inteligência artificial, estará em grande desvantagem em
seu poder de dissuasão, caso tenha de enfrentar qualquer ameaça para a
defesa de seus interesses, seja em seu território, seja na sua extensão
marítima. Urge, pois, a expansão da capacidade de criação e de
desenvolvimento para a utilização da IA pelo Ministério da Defesa. Nesse
sentido, o Centro de Defesa Cibernética, no âmbito do Exército, deveria
ser fortalecido com recursos humanos e financeiros para, com o apoio da
base industrial de defesa, gerar produtos, inclusive de uso dual para o
mercado doméstico e para exportação.
*PRESIDENTE DO CENTRO DE DEFESA E SEGURANÇA NACIONAL (CEDESEN) E MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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