Vivendo, magnificamente bem, de seus corpos, alguns temem efeitos adversos e outros dão ouvidos a argumentos da turma antivacinação. Vilma Gryzinski:
Novak
Djokovic não é um dos esportistas mais queridos do mundo. Bem ao
contrário, sua personalidade áspera e seu comportamento na quadra lhe
valeram muitas antipatias, mesmo entre os que reconhecem que é um
tenista impressionante.
A
falta de simpatia está sendo particularmente sentida agora, com o
tenista confinado a um hotel sem nenhuma estrela enquanto aguarda um
apelo de seus advogados para que as autoridades australianas reconheçam
que ele tem direito a isenção médica da vacinação contra a Covid-19 e
participe assim do Aberto da Austrália.
Com
todas as suas arestas, ou talvez por causa delas, Djokovic se tornou o
maior garoto propaganda do movimento antivacinação. Apesar da seriedade
do assunto, algumas manifestações de apoio chegam a ser engraçadas, como
camisetas que fazem trocadilho com seu nome (“Novax”) e com sua
teimosia (“Novak contra o mundo”).
A
resistência de esportistas de elite a receber a vacina, com alguns
bolsões ainda persistindo, principalmente nos Estados Unidos, está
ligada, em princípio, às dúvidas sobre os efeitos, de curto e longo
prazo, de uma imunização nova e aprovada sob o regime de emergência
desencadeado pela pandemia.
Vivendo
e ganhando fortunas com suas proezas atléticas, não é excepcional que
tendam mais a se preocupar com reações prejudiciais.
No
caso de Djokovic, ele é um adepto de inúmeras terapias alternativas,
acredita em telepatia e telecinese, diz que já viu um copo d’água ficar
verde sob o efeito de pensamentos negativos e chorou quando soube que só
a medicina tradicional daria um jeito na lesão no seu cotovelo direito.
Teve Covid em junho, quando patrocinou um torneio sem nenhuma
restrição, inclusive na balada, na Sérvia.
Segundo
um levantamento feito pela Forbes, treze dos 50 esportistas mais bem
pagos do mundo rejeitam a vacina. Além de Djokovic, a lista inclui o
golfista Tiger Woods, de volta aos campos depois de se recuperar de um
grave acidente de carro; Kyrie Irving, estrela do Brooklyn Nets, onde
ficou encostado e segregado durante treinamentos, e Paul Pogba, do
Manchester United e da seleção francesa.
Em
geral, os atletas antivacinação preferem dizer que não querem abrir sua
privacidade e falar se foram ou não imunizados. A exceção é Conan
McGregor, campeão de MMA. Fiel ao estilo brucutu, o irlandês já disse
que “a vacinação forçada é um crime de guerra” e que “as vacinas não
funcionam”. Depois, nada brilhantemente, apagou os tuítes.
Embora
não esteja, por pouco, na lista dos mais bem pagos, Aaron Rodgers,
quarterback do Green Bay Packers, ocupa atualmente o centro da polêmica
americana sobre o assunto. Tomou um lugar que já foi de Tom Brady, que
desinflou a discussão, depois de um bom tempo de hesitação, quando o
técnico do Tampa Bay Buccaneers disse que o índice de vacinação do time e
demais integrantes da equipe era de 100%.
Mais
articulado do que muitos colegas, Rodgers já disse que “se a ciência
não pode ser contestada, não é mais ciência, é propaganda”. Numa
entrevista de sua casa, declarou, ironicamente, que os livros ao fundo
tinham “muita poesia francesa e A Revolta de Atlas, de Ayin Rand”.
O
livro é um clássico da profetisa do ultraliberalismo e do autointeresse
individual. Certamente ela rejeitaria a obrigatoriedade da vacinação.
Colegas
menos intelectuais talvez tenham outras preocupações. O técnico da
seleção da Irlanda, Stephen Kenny, deu uma pista sobre as conversas que
rolam nos vestiários.
“Existem muitos mitos e muitas questões a respeito de virilidade que deixam as pessoas preocupadas”, disse ele à BBC.
Um
dos principais assessores científicos do governo britânico, Jonathan
van Tam, já foi pessoalmente vacinar integrantes de seu time, o Boston
United, e fez uma reunião de esclarecimento para os capitães dos times
da Premier League.
O
caso de Novak Djokovic está impulsionando as discussões sobre
esportistas e vacinas – além de patriotadas na esclarecida Austrália. A
ideia de que ele tentou enganar o sistema, ao alegar um motivo
inexistente para não ser vacinado, deixou fulos da vida muitos
australianos, que continuam submetidos a um dos regimes de restrições
mais severos do mundo para controlar a propagação do vírus.
“Ele
está num hotel para imigrantes, cheio de pulgas e com comida
horripilante”, apelou a mãe do tenista, Dijana. “Isso é puramente um
ataque político contra Novak, para que ele não se torne o melhor de
todos os tempos.” O pai disse que o filho estava sendo “crucificado”.
O governo da Sérvia, onde o tenista é obviamente um herói nacional, também está disparando declarações exorbitantes.
A
situação dos maiores tenistas do mundo, todos já veteranos, atualmente é
curiosa. Djokovic, Roger Federer e Rafael Nadal, têm exatamente o mesmo
número de títulos do Grand Slam, vinte. O Aberto da Austrália poderia
desempatar, mas a atual comoção impossibilita isso.
“Não
gosto do que ele está passando, é claro. De certa maneira, tenho pena
dele”, espetou Nadal, o elegante campeão espanhol, sem demonstrar nenhum
sinal efetivo de comiseração. “Ao mesmo tempo, ele sabia há muitos
meses exatamente quais eram as condições. Foi ele que tomou sua própria
decisão”.
As raquetes não vão parar tão cedo de voar fora das quadras.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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