A pandemia poderia ser apenas um conto de ficção, mas virou história de terror. Lygia Maria para a FSP:
O
escritor norte-americano de histórias de terror e ficção científica
H.P. Lovecraft (1890-1937) certa vez disse que "a emoção mais antiga e
poderosa da humanidade é o medo, e o medo mais antigo e poderoso da
humanidade é o medo do desconhecido". Há dois anos, sentimos medo
diariamente de algo que a geração atual até então desconhecia: uma pandemia.
Por
sorte, temos uma ciência avançada e políticas de saúde pública
consolidadas. O problema é que o mesmo medo que faz com que nos
protejamos também é manipulado por governantes como forma de manutenção
de poder. Por isso, em vez de personagens em um conto de ficção
científica, estamos em um conto de terror. Vimos, por exemplo, Trump e Bolsonaro propondo soluções descabidas para a doença e, quando ambos tiveram de se curvar às vacinas, inventaram teorias conspiratórias sobre a imunização.
Segundo
o filósofo Espinosa (1632-1677), o medo é o sentimento mais usado para
manter a submissão passiva dos governados. Para ele, há dois tipos de
paixões (sentimentos): as alegres e as tristes. No primeiro caso, são
paixões que enaltecem a potência de pensar e de agir do indivíduo, como o
amor e a amizade; no segundo, estão aquelas que esvaziam a força do
indivíduo e o tornam ressentido, como o ciúme e, justamente, o medo.
Ditadores
como Stálin e Hitler usaram o medo. Na Guerra Fria, o medo da bomba
atômica foi manipulado pelos EUA e pela URSS. Na história recente do
Brasil, a atriz Regina Duarte dizia ter "medo do Lula" nas eleições de
2002. Quem esquece a campanha do PT, em 2014, afirmando que, se Marina
Silva fosse eleita, o brasileiro passaria fome? E como não temer a fome?
Assim
como as pontas de uma ferradura —que estão em lados opostos, mas
próximas—, a política brasileira se polariza através do medo. Este é o
motivo que leva Bolsonaro a estimular essa paixão triste: poder. E a
ponta oposta da ferradura usa os desvarios do governo também através do
medo, como se fosse a única força capaz de nos salvar. O bordão já é
conhecido: "A esperança vencerá o medo".
Porém,
segundo Espinosa, a melhor forma de vencer o medo é através da razão.
Ou seja, não estimulando o medo, e sim buscando conhecer suas causas.
Esse conhecimento nos liberta de superstições, nos ajuda a distinguir o
falso do verdadeiro, a encontrar soluções menos passionais.
A
ciência não é a única forma de lidar com nossos problemas, mas, sobre
alguns assuntos, como saúde e administração pública, pode ser de grande
ajuda. Ano que vem teremos eleições e ficar atento a como os candidatos
manipulam o medo pode contribuir para que saiamos desse conto de terror.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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