Poluição em garimpo criminoso em rios da bacia do Amazonas pode repetir Minamata,e o governo não está nem aí. José Nêumanne para o Estadão:
Há
um mês, 300 balsas ocupadas por garimpeiros invadiram o rio Madeira e
ameaçaram publicamente impedir a ordem da Polícia Federal (PF) de não
garimparem em territórios reconhecidos como de posse e usufruto de
tribos indígenas. A imagem nos jornais e emissoras de televisão daquele
momento causaram forte impacto no Brasil, pela audácia do desafio à lei e
à ordem e pelo abusado desprezo ao poder de fogo da PF, temido por
traficantes de drogas, da política e da gestão pública. A barreira,
contudo, se desfez e logo caiu no esquecimento um fato alarmante e
secreto, como o orçamento clandestino do bolsolão. A morte insidiosa
desliza no lugar das balsas na composição química de um metal tão
precioso como o ouro, que os balseiros pretendem “bamburrar”, como se
dizia nos tempos de Serra Pelada, sob o domínio do Major Curió. Ao
contrário do novo coronavírus, que parou o Brasil e o mundo, o mercúrio
não atua acobertado pela surpresa.
Seus
efeitos contra a saúde e a vida dos seres vivos começaram a ser
percebidos em 1930, quando a empresa Chisso instalou na cidade costeira
de Minamata, no Japão, uma fábrica de insumos para matéria plástica
aceltadeído e PVC. Em 1956, uma criança de cinco anos foi diagnosticada
como portadora de uma doença contagiosa e desconhecida, dando início a
pesquisas científicas que localizaram, vários anos e milhares de vítimas
depois, o mercúrio, que nada tem de cromo e tudo tem a ver com coma.
Seus sintomas, que demoram mais de dez anos até serem sentidos, passam
da fadiga a dores de cabeça, comuns em gripes e covid 19, a formigamento
em braços e pernas, que podem se confundir com preliminares de enfarte,
e aparecem logo depois de se manifestarem em voos descontrolados de
aves, além de disfunção muscular, loucura e morte entre os humanos,
normalmente de famílias de pescadores e consumidores de pescados. Há
mais de 60 anos, o mundo reconhece e evita o vilão mercúrio. O Brasil,
não. Nestes tristes trópicos, como o francês Lévi Strauss descreveu após
uma passagem pela Universidade de São Paulo, a Operação Uiara da PF,
que, aliando-se ao mercúrio do coma, os garimpeiros ilícitos consideram
inimiga de sua cobiça aurífera, achou nas águas traiçoeiras do Rio
Madeira de 16 a 95 vezes níveis de mercúrio acima dos considerados
normais pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Nos fios de
cabelos coletados dos ribeirinhos foram encontradas níveis três vezes
acima do máximo tolerado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Do
mineral diluído na água, usado para separar ouro de outros segmentos na
garimpagem, foi encontrado em duas amostras de segmentos colhidos pela
perícia com valores máximos identificados de 47 a 120 vezes maiores.
Segundo
Edilson Martins, primeiro jornalista a assinar uma coluna na imprensa
sobre meio ambiente, no Pasquim, à época da ditadura, disse na série
Dois dedos de Prosa, no blog do Nêumanne no Portal do Estadão, “na
Amazônia ficam 97% dos garimpos do Brasil. Pelo menos 17% de forma
ilegal. A corrida ao ouro começou nos anos 1970, com o projeto Radam,
que fez o mapeamento do solo e subsolo de toda a Amazônia, via radar, em
aviões, no governo Médici. Foi revelado que ela é uma imensa reserva
mineral. Em 1986, a Aeronáutica abriu uma pista de pouso na região dos
Yanomami. No mesmo instante, criaram-se 50 pontos de garimpo. Antes do
ouro, houve a corrida pelos diamantes no entorno do Monte Roraima. Hoje,
em todos os rios onde há garimpo - Madeira, Tapajós, Xingu e bacia do
território dos Yanomami - há mercúrio.”
Quando
se fala em garimpo ilegal, a primeira tentação é inculpar o atual
desgoverno. O facilitário nem sempre ajuda a enxergar a realidade
inteira. Em 1980, o autor deste texto sobrevoou a floresta úmida de
Serra Pelada a Marabá sem enxergar uma copa de árvore. Só fumaça. Ali já
era evidente o que a ignorância de Bolsonaro não permite enxergar: a
“floresta da chuva”, como dizem no Primeiro Mundo anglo-saxônico,
queima, sim. Mas o fogo que produzia aquela nuvem de fumaça não queimava
mata virgem, e sim preciosos e produtivos castanhais, garantiu Martins.
Naquele
decênio, Chernobyl, na Ucrânia, incendiou cinco milhões de hectares de
florestas. Aqui, o desmate, as queimadas e o mercúrio nas águas resultam
de atentados à lei penal. Trata-se de alçada da polícia judiciária que
conduziu a Operação Uiara. Para evitar a confirmação de que a mina mata
mesmo e a destruição de 5 milhões de hectares, como aconteceu na
Ucrânia, urge acionar a polícia. A hora de agir é anterior à eleição de
2022. A Indesejada das gentes, na forma de minerais preciosos, não
poupará só a maior floresta tropical do mundo, mas o país que a consome
de forma genocida. A hora é já. A mina mata japoneses, eslavos e as
tribos indígenas, que a democracia dos civilizados de araque do Brasil
trata como escórias da barbárie. A mortandade dos peixes e ribeirinhos
do Madeira não pode assassinar o resto de espírito público, se é que
ainda existe e resiste, na velha Pindorama de Diogo Velho e Pedro
Cabral.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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