O pêndulo vai para o outro lado e impulsiona dirigentes de esquerda; os precedentes não são exatamente animadores. Vilma Gryzinski:
Será que Gabriel Boric sabe o que estará fazendo quando se sentar na cadeira presidencial do Palácio de La Moneda?
Como
líder estudantil, um ramo de atividade em que falar os maiores
radicalismo sempre rende mais aplausos, e deputado de pouca experiência,
ele certamente não tem currículo para governar um país sofisticado como
o Chile, “o único país de primeiro mundo da América Latina”, na
definição do ex-presidente argentino Mauricio Macri.
A eleição de Boric
(o sobrenome de origem croata é pronunciado Bórich) completa um
renascido arco esquerdista que inclui a Bolívia de Luis Arce, um operado
de Evo Morales; o Peru de Pedro Castillo – a falta de notícias sobre o
que está fazendo é até um aspecto positivo – e a Honduras onde Xiomara
Castro vai esquentar o lugar para o marido, Manuel Zelaya, o do
chapelão. Como Venezuela e Nicarágua há muito alcançaram o estágio em
que eleições são apenas um ritual de cartas marcadas, ficam faltando
Colômbia e Brasil como os próximos e previsíveis integrantes de um mapa
político latino-americano fortemente marcado pela esquerdização.
Esquerda
na América Latina sem ciclo de commodities para dar uma forcinha não
tem muito o que apresentar. Em compensação, o modelo venezuelano paira
como uma sentença de morte para qualquer um que pense em seguir seu
exemplo.
O
que é ser um esquerdista moderno, hoje? Talvez Boric tenha uma
resposta, talvez esteja pensando nisso exatamente nesse momento, ou
talvez já tenha um programa cheio de comissões e outros bichos que
geralmente não resolvem nada, pelos quais parece demonstrar simpatia.
Duas
questões são fundamentais no debate político chileno: a dos fundos de
aposentadoria privatizados, uma complexa arquitetura que a esquerda
sonha desprivatizar, e o ensino, também privatizado.
São certamente pontos que o presidente eleito vai atacar, com um grande potencial de desestabilização.
Boric
é jovem e não traz bagagem do passado, uma vantagem. Era uma criancinha
de dois anos quando Augusto Pinochet perdeu o plebiscito convocado por
ele próprio, esperando, como tudo indicava, que os chilenos o apoiariam
nas urnas.
Não
viu nada da terrível ditadura. Também não tem memória nenhuma do caos
provocado por Salvador Allende, que descumpriu promessas feitas para ter
confirmada pelo Congresso sua eleição com apenas 36% dos votos (era
outro o sistema eleitoral).
Allende
não tinha mandato para implantar o socialismo, mas foi exatamente o que
tentou fazer. Nacionalizou indústrias e decretou a reforma agrária,
aproximou-se da esquerda mais radical e deixou claro qual era seu modelo
predileto ao convidar Fidel Castro para uma visita de 23 dias ao país,
entre exultantes manifestações populares e “cacelorazos”, as panelas
batidas em sinal de protesto.
Devido
à repressão hedionda desfechada depois do golpe militar, falar dos
erros crassos de Salvador Allende é evitado, para não dar a impressão –
equivocadíssima – de que isso implicaria em algum apoio ao regime
pinochetista.
Allende
levou o Chile muito perto da ruína, com os grandes produtores
paralisados, os caminhoneiros numa greve que acabou com o abastecimento
nacional, assassinatos de produtores rurais recém-atingidos pela reforma
agrária, 600% de inflação, extrema radicalização política.
Como no Brasil de 1964, as classes médias e partidos de centro imploraram por um golpe.
São
tempos, felizmente, superados. Gabriel Boric ganhou a presidência com
55% dos votos, uma bela vitória. Representa, inclusive pela idade – 35
anos -, um novo tipo de esquerda. Pelo bem do Chile, seria bom que não
tivesse os vícios do velho tipo.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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