Na década de 2010, aparecem os movimentos políticos, tendo sido o Novo o pioneiro na busca por representação partidária. Artigo de Bruna Frascolla, publicado pela Gazeta do Povo:
No
último texto, mapeei as principais correntes visíveis da direita nos
âmbitos intelectual e político. Na década de 00, a direita se restringia
ao âmbito intelectual; na década de 10, aparecem os movimentos
políticos, tendo sido o Novo o pioneiro na busca por representação
partidária. Creio que o movimento caçula, o Livres, surgido em pleno
impeachment, tenha sido o que melhor soube receber os egressos da
esquerda em frangalhos.
Podemos
dizer que a base do Novo tinha vocação para formar um partido de
massas, já que atraía desde os patinhos feios que iam com cartaz pró
intervenção militar até o filantropo chique do Itaú. Mas a cúpula do
Novo desde cedo tomou cuidados para que o Novo não chegasse nunca a ser
isso, criando inclusive um processo seletivo que impede a filiação de
membros que não gozam da pureza ideológica necessária. Ainda assim, o
Novo, em seu primeiro pleito, elegeu governador em Minas Gerais.
O
Livres, por outro lado, tinha vocação para formar um partido
legislativo, já que suas pautas “de costumes” apelavam para aquele
eleitor do PSOL que é de classe média ou alta e está preocupadíssimo não
com segurança pública, nem com hospital, mas com casamento gay e
legalização da maconha. É legítimo, é do jogo, mas não ganha eleição
para cargos majoritários. (O que não é legítimo e não é do jogo é pular o
Parlamento e jogar tudo no colo do Supremo, como faz o PSOL.)
Tipos de olavetes
Quanto
aos olavetes, é uma confusão dos diabos, com mil cismas, rachas e
barracos online. Assim, é mais fácil falar de três tipos de indivíduos
que passaram por Olavo de Carvalho:
1)
O olavete leal porém emancipado, que não vai jogar Olavo na fogueira em
público, que vai defender a sua participação positiva no cenário
político-cultural brasileiro e não vai comprar briga com ninguém por
causa de Pepsi com feto. Existe diversidade intelectual entre eles.
2)
O pinscher, que acha que Olavo é uma criatura divina e infalível, e
ele, sendo 100% aderente a qualquer coisa que Olavo diga (Pepsi com feto
incluso), é divino e infalível por tabela. Junta-se em grupos virtuais
para notificar quando alguém está falando mal do Mestre e lotar os
comentários com faniquitos. Não existe diversidade intelectual entre
eles. O que querem é garantir a hegemonia cultural na base da gritaria, e
daí se seguiria a hegemonia política.
3)
O ex-olavete, que na verdade é um olavete ao avesso. Ele rompeu com
Olavo e passou a cantar com Maria Bethânia: “Dei pra maldizer o nosso
lar/ Pra sujar teu nome, te humilhar/ E me vingar a qualquer preço/ Te
adorando pelo avesso/ Pra mostrar que inda sou tua”. Tenta convencer o
mundo de que Olavo é Satanás e que ele próprio é um conhecedor dos
sortilégios do demônio, uma voz da experiência. Existe diversidade
intelectual entre eles. Mas não como indivíduos que trocam ideias, e sim
na formação de novas seitas sequiosas por hegemonia, voltadas à
destruição do olavismo.
A junção intergeracional da direita
Como
já mencionei ao tratar do Orvil, o olavismo é um fenômeno jovem. Por
outro lado, Bolsonaro era um representante da direita velha; mais
precisamente, dos militares da Repressão. Os militares da Repressão não
liam Olavo de Carvalho, os olavetes via de regra não sabem o que é
Orvil, nem quem era Lício Maciel. O nome mais famoso da Repressão é
Brilhante Ustra. Quem reabilitou a Repressão não foi Olavo de Carvalho;
foi Bolsonaro, que mencionou Ustra em seu voto pelo impeachment e andou
pra cima e pra baixo com o livro 'A Verdade Sufocada' durante a campanha
eleitoral. A direita de Bolsonaro é da Repressão, que é Velha Direita; a
direita de Olavo de Carvalho é Nova Direita, crítica do militares,
independente deles e focada no universo da cultura.
Creio
que ambos os grupos poderiam ficar sem se misturar muito, se não fosse a
família Bolsonaro. Jair tem filhos políticos olavetes e, ao menos em
2014, eu não chamaria nenhum deles de olavete emancipado.
Menciono
2014 porque foi o ano em que Bolsonaro se reuniu com os filhos e
decidiu que seria candidato à presidência. Com pouco dinheiro e tempo de
TV, a campanha foi praticamente toda digital. Jair apontou Carlos como
seu marqueteiro e estrategista. Enquanto o petismo precisou saquear a
Petrobrás pra pagar medalhões do marketing televisivo e fracassou, um
pai de família se valia do seu filho olavete para ingressar na política
digital.
E,
ainda que nunca tivesse ido além do legislativo, tratava-se de um
político pé no chão, que conhecia os anseios da população, tais como
segurança pública e combate à agenda LGBT nas escolas. Pautas
conservadoras com apelo para uma base ampla e expertise digital olavete
foram a junção de fome com a vontade de comer, o furacão nunca visto e
totalmente imprevisto pelas elites.
O ayanismo
Ao
mesmo tempo em que o olavismo se fundia com um conservadorismo popular e
buscava representação política na pessoa de Jair Bolsonaro, um cisma
ocorria. Aqui, temos de acorrer a fontes olavetes, já que não tenho
memória do que não presenciei e essas coisas não vinham a público.
Segundo
Fábio Gonçalves, do jornal olavete Brasil Sem Medo, “em 2015 a
camaradagem direitista, inicialmente reunida em torno de um antipetismo
difuso e superficial, se bifurcou e deu origem a outras duas facções —
agora mais bem definidas e, em última análise, antagônicas: os
conservadores e os liberais-progressistas. É possível retraçar a origem
desses dois grupos na pendenga facebookiana do professor Olavo com o
Ayan.”
Concordo
com ele quanto à bifurcação; mas não creio que Ayan dê conta de
explicar a conduta do Novo ou do Livres, isto é, dos progressistas que
brotaram na direita não-olavete. Mas sigamos. Sem meias palavras,
digamos que existiu esse Luciano Ayan no meio olavete, e que ele próprio
era um olavete. Amigos meus o conheceram no Orkut (isto é, nos anos 00)
como um olavete criacionista que ficava os xingando e era estranhamente
obcecado por pedófilos. Hoje é um ex-olavete e discretíssimo líder de
seita.
Continuemos
com o relato: “como sói a todo movimento de massa — sobretudo a um
movimento espontâneo como aquele —, cabia a um líder carismático
direcionar o populacho à ação que, bem pesadas as forças em disputa e os
meios disponíveis, gerasse o resultado mais benéfico de acordo com as
demandas mais expressivas dos revoltosos. Neste cenário, surgiram duas
linhas que, como disse, marcam o nascimento de duas facções inimigas:
“1.
O professor Olavo de Carvalho, intelectual que fez soçobrar a hegemonia
esquerdista no debate público e, por corolário, abriu espaço para
opinadores e pretensos políticos de direita, acreditava que deveria sair
do meio da massa o líder que encabeçasse uma verdadeira revolução
contra a classe política historicamente bandida. […] A aposta do
professor era no estabelecimento de uma democracia direta provisória por
meio da qual se fizesse uma refundação da república segundo as demandas
legítimas dos titulares do poder.
“2.
O Movimento Brasil Livre (MBL), grupo de viés liberal encabeçado pelos
jovens Kim Kataguiri e Renan Santos, entendia que o esforço da massa
popular deveria ser concentrado em um processo mais moderado e
pragmático: o impeachment de Dilma. Quer dizer, a solução liberal era de
tipo burocrático-conciliatória. […]”
Trocando
em miúdos, Olavo acreditou numa Revolução nos moldes tradicionais e é
um legítimo antissistema, enquanto que o MBL era adepto da Realpolitik.
Houve um racha interno à direita olavista entre 2015 e 2016, ficando
Ayan responsável por defender a estratégia do MBL nos barracos
cibernéticos com Olavo.
Ainda
assim, Ayan não se filiou ao movimento. Na verdade, Ayan nem é o nome
verdadeiro dele. Até a PF entrar em cena, a identidade de Ayan era um
mistério. Ao contrário de Olavo, Ayan prefere ficar escondido atrás do
palco.
Mas
a parte da PF fica para a próxima. Por ora, notemos que quem estava de
fora do nicho olavete não enxergou um racha, nem o surgimento de um novo
guru.
Os movimentos em busca de partido nas eleições
Os
olavetes embarcaram na candidatura de Bolsonaro como líder ungido pelas
manifestações de rua. A imagem de Olavo passou a constar em memes
bolsonaristas eleitorais, tornando-o conhecido de gente que não estava
nem aí para discussões intelectuais. Olavo apoiou a candidatura, embora
fosse antissistema. Os ayanistas embarcaram na campanha de Bolsonaro
misturados com os olavetes.
Assim
como o Livres, Bolsonaro precisava de um partido pronto para se
candidatar. O Livres se definia como “liberal por inteiro” em oposição a
Bolsonaro, que, com Guedes, seria liberal apenas na economia. Bolsonaro
terminou por bater no mesmo balcão que o Livres, que disse “ou eu, ou
Bolsonaro”. Bivar escolheu Bolsonaro e o pessoal do Livres saiu de mala e
cuia na mão às vésperas das eleições. Parte foi para o Novo, que, a seu
turno, já tentava expurgar os bolsonaristas e emplacar a candidatura de
João Amoedo. Por outro lado, os bolsonaristas expurgados do Novo
ganharam um destino certo no PSL.
Vê-se
que há algo muito errado com o sistema partidário no Brasil, em que
grupos reais precisam alugar uma sigla amorfa preexistente que
obrigatoriamente recebem dinheiro público, porque não têm liberdade para
criar um partido a tempo de disputar eleições. Esse problema já era
visível desde 2014, com o drama de Marina Silva. (Ela só se tornou
candidata, pelo PSB, porque Campos morreu durante a campanha. A Rede não
ficou pronta a tempo.).
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário