O mínimo que se pode dizer é que a probabilidade de que tal candidatura desponte parece agora bem mais alta do que se imaginava há poucos meses. Artigo do economista Rogério Werneck para o Estadão:
Na esteira da frenética mobilização do governo com o projeto da reeleição, o País
se viu arrastado para grave crise institucional. Ao angustiante
desalento com o provável desfecho da disputa presidencial soma-se,
agora, crescente apreensão com as tensões políticas e sociais por
enfrentar, na longa e tumultuada travessia até o fim do mandato de Bolsonaro.
É
natural que estejamos assombrados por cenários soturnos. Mas a verdade é
que ainda é muito cedo para nos deixarmos levar pelo pessimismo. A esta
altura, parece mais frutífero explorar os limites do possível e tentar
vislumbrar contornos de cenários mais promissores.
O
quadro torna-se mais claro quando se tenta entrever as dificuldades da
reeleição. Bolsonaro tem hoje três preocupações básicas. Duas delas
perfeitamente legítimas: proteger sua retaguarda no Congresso
e recuperar a popularidade perdida. Sua terceira preocupação –
assegurar a possibilidade de não aceitar uma derrota eleitoral – tem-se
mostrado completamente tóxica. Não só para o País, como para o próprio
projeto da reeleição.
Para proteger sua retaguarda no Congresso, o presidente colocou todas as suas fichas no Centrão.
Já tinha contratado um seguro básico contra impeachment, em meados de
2020. Dobrou a aposta, em fevereiro, ao apoiar a eleição de Arthur Lira para a presidência da Câmara. E a redobrou, agora, ao entregar a “alma do governo” a Ciro Nogueira.
Na
fantasia de que poderá recuperar sua popularidade com uma farra fiscal,
em 2022, Bolsonaro conta com sólido apoio do Centrão. Seus aliados só
têm aplausos para a determinação do Planalto de fazer o que for preciso –
whatever it takes – para viabilizar expansões eleitoreiras de gasto
público no ano que vem.
Mas
nem tudo são flores. Longe disso. Se há algo que não interessa em
absoluto à cúpula do Centrão é dar respaldo à aposta de Bolsonaro numa
escalada de confrontação que dê margem a um desfecho autoritário. Nem
tanto por convicção democrática, mas pela consciência clara de que o
poder do Centrão advém das dificuldades de governabilidade do regime
democrático vigente. Numa autocracia, todo esse poder desapareceria como
por encanto.
Como
Bolsonaro continua a dar sinais claros de que não abandonará a aposta
na possibilidade de contestar o desfecho da eleição, as contradições de
sua complexa relação com o Centrão deverão se exacerbar. E tudo indica
que tal aposta será tão mais pesada quanto mais convencido estiver o
presidente de que não conseguirá ganhar no voto.
Mesmo
que Bolsonaro deixe de ser um candidato tóxico, o Centrão ainda poderá
ter boas razões para abandoná-lo, caso sua candidatura não tenha
perspectiva clara de vitória. Não sendo um agrupamento monolítico, o
Centrão poderá abandoná-lo aos poucos, à medida que seus membros
reavaliem, à luz de seus desafios regionais específicos, a aliança que
mais lhes convém na disputa presidencial.
Não faltará, claro, quem argua que, se a candidatura de Bolsonaro murchar, a vitória de Lula
será inevitável. Mas vale a pena examinar outras possibilidades. São
mais do que conhecidas as dificuldades envolvidas no surgimento, a
tempo, de um candidato de centro com boa chance de ser eleito. Merece
atenção, contudo, o timing da percepção, a cada dia mais generalizada,
de que Bolsonaro não é uma alternativa aceitável a Lula. E que, ademais,
corre alto risco de ser por ele derrotado.
Seria
bem pior se isso só ficasse óbvio em meados de 2022. Mas a escalada
precoce de confrontação das instituições por Bolsonaro vem deixando isso
mais do que claro desde já, bem mais cedo do que se temia. O que talvez
crie, no campo fértil da ampla aliança que vem sendo formada para
conter Bolsonaro, ambiente político favorável ao surgimento, a tempo, de
um candidato de centro com chance de ser eleito. Salta aos olhos que há
um surto na “demanda” por um candidato de centro viável. O mínimo que
se pode dizer é que a probabilidade de que tal candidatura desponte
parece agora bem mais alta do que se imaginava há poucos meses.
*ECONOMISTA, DOUTOR PELA UNIVERSIDADE HARVARD, É PROFESSOR TITULAR DO DEPARTAMENTO DE ECONOMIA DA PUC-RIO
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário