A fusão nuclear pode garantir energia limpa e abundante por bilhões de anos. Dagomir Marquezi para a revista Oeste:
O
Lawrence Livermore National Laboratory (LLNL) está discretamente
instalado num vale a leste de San Francisco, Califórnia. É um
laboratório voltado para o sistema de defesa dos Estados Unidos,
incluindo a manutenção do arsenal. Mas, em 8 de agosto, a LLNL sacudiu o
mundo científico com uma conquista que pode mudar — para muito melhor —
o futuro de toda a humanidade.
Naquele
dia, um domingo, os cientistas do Lawrence Livermore apontaram um total
de 192 raios laser para uma cápsula de 5 milímetros. A cápsula continha
isótopos de trítio e deutério. Por uma fração de segundo, o bombardeio
de lasers provocou uma temperatura de 100 milhões de graus centígrados.
Num flash, ficou mais quente que o centro do Sol. E os cientistas e
técnicos do LLNL conseguiram, pela primeira vez, criar num laboratório a
“faísca de ignição”.
Foi
o suficiente para que os núcleos à base de hidrogênio na minúscula
cápsula se transformassem em hélio. E gerassem um fluxo de energia. “É
um marco gigante”, declarou Debbie Callahan, uma das coordenadoras do
projeto. “Estamos trabalhando nisso por 50 anos. Não vamos colocar essa
energia na rede elétrica tão já. Mas esse é o passo de que precisávamos.
Isso nos coloca numa nova fase.”
2.000 graus centígrados
Quer
ter uma ideia da qualidade de geração de energia proporcionada pela
fusão nuclear à base de plasma? Pense naquela usina que está funcionando
sem falhas há 4,6 bilhões de anos: o Sol. Estamos tão acostumados ao
conforto de seu calor e da sua luz que fica difícil aceitar a ideia que
nem sempre o Sol brilhou.
Após
o Big Bang, o Universo inteiro ficou no escuro por aproximadamente 400
milhões de anos. O fato aparentemente é comentado em algumas das
primeiras frases do Velho Testamento: “Havia trevas sobre a face do
abismo (…) E disse Deus: ‘Faça-se luz’. E fez-se a luz”.
Em
termos científicos, aconteceu uma rápida contração de poeira
interestelar nesse Universo escuro. A poeira foi comprimida numa bola
tão densa que seus átomos se fundiram, ocasionando a ignição das
estrelas. A temperatura subiu além dos 2.000 graus centígrados, e elas
se transformaram em plasma. Para nossa sorte, esse incêndio original do
Sol nunca mais se apagou.
Até
1920, ninguém parecia se importar em saber como funcionavam essas
fornalhas do céu. Em outubro daquele ano, o astrofísico britânico Arthur
Stanley Eddington escreveu o pioneiro livro A Constituição Interna das
Estrelas. Notava que o calor e a luz que elas emitiam provavelmente
tinham como base “a energia subatômica, que, é sabido, existe
abundantemente em toda matéria. Nós às vezes sonhamos que o homem um dia
vai aprender como liberar essa energia e usar a seu serviço”.
Fissão e fusão
A
humanidade já aprendeu a fundir átomos artificialmente. E assim
conseguiu criar (em 1952) sua arma do juízo final: a bomba de
hidrogênio. A bomba H provoca uma explosão que dura um instante de
devastação absoluta e se perde.
A
usina de fusão é mais complicada: quando estiver funcionando, terá de
manter esse processo de contínua explosão sob controle — como acontece
com o Sol. Por isso, o autor Arthur Turrell, pH.D, em Física pelo
Imperial College de Londres, chamou os pesquisadores da fusão nuclear de
“construtores de estrelas” (no recém-lançado The Star Builders: Nuclear
Fusion and the Race to Power the Planet, ainda não publicado em
português).
Numa
usina nuclear “tradicional” como Angra dos Reis, a energia é conseguida
através da fissão nuclear. O núcleo do átomo é fragmentado. Passaram um
período de má reputação por causa de acidentes como os de Chernobyl e
Fukushima. Mas as usinas à base de fissão nuclear começaram a ser
reavaliadas como uma solução de emergência para nossa precária situação
ambiental e energética.
Reforçando
seus esquemas de segurança e aperfeiçoando seus procedimentos, as
usinas nucleares à base de fissão poderão ter uma sobrevida. Mas, quando
as usinas de fusão estiverem funcionando, suas vantagens vão se tornar
evidentes. Segundo Arthur Turrell:
1) a fusão produz ainda menos dióxido de carbono do que as células solares;
2) precisam de menos espaço para sua instalação;
3) produzem quase nenhum dejeto radiativo;
4) não correm o perigo de se “derreter” como as usinas de fissão;
5) as fontes de combustível para a fusão são abundantes e não perigosas, como o urânio ou o plutônio.
A
fusão nuclear exige dois elementos reagentes: o deutério e o trítio.
Conseguir deutério é moleza. Uma banheira cheia de água do mar pode
conter 5 gramas do elemento. O trítio é mais raro. Mas pode ser obtido
através do tratamento do lítio. As maiores reservas exploráveis de lítio
estão no Chile, seguido pela Austrália, hoje a maior produtora.
Mundo descarbonizado
Quando
teremos usinas de fusão nuclear alimentando as tomadas de nossa casa?
Existe uma equação a ser resolvida. Para que a fusão se torne
sustentável é preciso gerar mais energia do que a energia consumida no
processo. A experiência pioneira no Lawrence Livermore National
Laboratory conseguiu gerar 70% da energia que consumiu. Deixou o empate
mais próximo. Alguns especialistas sugerem que a fusão se tornará
economicamente viável quando essa taxa chegar a 10.000%. Ou seja: que a
fusão consiga produzir cem vezes mais energia do que gasta.
Já
existe uma grande movimentação para financiar essa nova era. Jeff
Bezos, fundador da Amazon e homem mais rico do mundo, investiu numa
startup chamada General Fusion, com base em Vancouver, no Canadá. O
plano é que se torne comercial até o fim desta década. Christofer Mowry,
executivo-chefe da General Fusion, disse que a fusão é a “única
tecnologia que realmente oferece uma solução de longo prazo para a
indústria de energia num mundo profundamente descarbonizado”.
No
sudeste da França está o megalaboratório Iter (Reator Internacional
Experimental Termonuclear). Ele reúne nas proximidades dos vinhedos de
Saint-Paul-lès-Durance equipes de 35 países. Entre eles, EUA, Japão,
Rússia, China, Índia, Reino Unido e Comunidade Europeia. É o maior
experimento de ciência do mundo, com custo de € 20 bilhões. No interior
da Inglaterra está o Culham Centre for Fusion Energy. Paul Allen,
cofundador da Microsoft, abriu a Tri Alpha Energy (ou TAE) ao sul de Los
Angeles. Peter Thiel, cofundador do PayPal, investiu no Helion Energy,
perto de Seattle. A Commonwealth Fusion Systems é uma startup
trabalhando com o MIT, o Massachusetts Institute of Technology. Todos
eles contam com o apoio financeiro de seus respectivos governos.
Cientistas,
investidores, instituições e governos estão gerando uma utopia para as
próximas gerações: energia abundante, limpa e praticamente inesgotável.
Para conseguir chegar lá, criam pequenas estrelas artificiais em forma
de usinas. Faça-se a luz.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário