Cada vez mais, é o Judiciário quem determina o que pode ou não pode ser dito, tutelando o pensamento, patrulhando opiniões e assumindo a curadoria da sociedade. Luciano Trigo para a Gazeta do Povo:
Os
progressistas descobriram que não existe prazer maior do que apontar o
dedo e censurar o outro. Nesse processo, reputações são assassinadas, e
pessoas inocentes e honestas são diariamente perseguidas e canceladas.
Mas a turma da lacração e do ódio do bem não está nem aí: o que importa é
carimbar diariamente o carimbo de virtuoso na testa, mesmo que à custa
da destruição de vidas alheias.
Exemplo
que se vê diariamente no Rio de Janeiro (e, imagino, no Brasil
inteiro): gente que adora apontar o dedo e gritar “genocida” quando o
presidente ou alguém que o apoia aparece sem máscara em público, mas...
não vê problema algum em se aglomerar em bares e casas noturnas – sem
máscara e com a consciência limpinha.
Mentir
também deixou de ser uma coisa errada. Vale tudo para ganhar biscoito e
lacrar nas redes sociais: você pode espalhar no Facebook que o quilo da
carne de terceira está custando 80 reais, e que a lata de óleo de soja
está custando 50, que logo vão aparecer progressistas entusiasmados para
se solidarizar no ódio ao governo fascista.
Se
algum ingênuo ou alguma ingênua tentar corrigir a informação, dizendo
“Não é bem assim, acabei de passar no mercado e paguei tanto”, a
resposta imediata será: “Bolsomínion detectado!”, “Olha a bolsomínia!”. E
o genocida será sumariamente ejetado do grupo, para que as pessoas do
bem continuem a espalhar mentiras em paz.
A
liberdade de expressão, outrora uma bandeira da esquerda, passou a ser
abertamente atacada pela “galera do bem”. É visível o regozijo dos
progressistas quando alguém de que não gostam é censurado, bloqueado nas
redes sociais, desmonetizado em seu canal no youtube ou processado e
preso por crime de opinião.
Cada
vez mais, é o Poder Judiciário quem determina o que pode ou não pode
dito, tutelando o pensamento, patrulhando opiniões e assumindo a
curadoria da sociedade. E a grande mídia comemora, saudosa do monopólio
da informação que detinha até poucos anos atrás. A mensagem é: só nós
temos as informações verdadeiras, então não confiem em mais ninguém,
porque todas as outras fontes são difusoras de fake news.
A
situação é a seguinte: tudo o que “eles” dizem é fake news, mesmo
quando é verdade, e tudo que “nós” dizemos é verdade, mesmo quando é
fake news. Por isso “nós” devemos festejar e aplaudir quando excluem
perfis e páginas “deles” no Facebook, no Instagram, no Twitter e no
YouTube.
Resumindo,
fake news é tudo aquilo de que eu discordo ou não gosto; já a verdade
ganhou uma nova definição: é tudo aquilo que me agrada. E o STF ratifica
e legitima essa peculiar visão de mundo, quando afirma que a liberdade
de expressão não contempla nem protege “posições anticientíficas”.
Ótimo, mas quem determina se uma posição é científica ou não? “Nós”, é
claro.
A
conclusão, parafraseando George Orwell em “A Revolução dos Bichos”, é
que todos são livres para se expressar, mas alguns são mais livres que
outros. Também foi Orwell, aliás, quem declarou: “Quanto mais a
sociedade se distancia da verdade, mais ela odeia aqueles que a
revelam”. Na guerra de narrativas, a liberdade de expressão foi a
primeira vítima.
Mas
nada disso chega a surpreender: é o resultado natural da guerra de
narrativas imposta à sociedade brasileira já há quase 20 anos. A disputa
ideológica já não opõe mais ricos e pobres, povo e elite, mas,
simplesmente e cada vez mais, “nós e eles”. Tentei examinar esse
fenômeno em meu livro “Guerra de narrativas – A crise política e a luta
pelo controle do imaginário”, lançado no primeiro semestre de 2018
(antes, portanto, da eleição de Bolsonaro, que já foi uma consequência
dessa guerra).
Fato:
não dá mais para entender esquerda e direita nos termos marxistas
tradicionais. Por exemplo, a luta de classes, que Marx considerava o
motor da História, foi jogada na lata de lixo. Hoje a lacração irmana
progressistas de todas as classes: seus interesses deixaram de ser
antagônicos e inconciliáveis.
Milionários,
antigamente execrados pela esquerda como exploradores que se apropriam
da riqueza gerada pelo trabalho alheio, deixaram de ser vistos como
inimigos e passaram a ser considerados sócios no projeto de tomada do
poder: basta pagar o pedágio do apoio às bandeiras identitárias e posar
de guerreiro da justiça social nas redes sociais.
O
inimigo passou a ser o cidadão que rala para pagar seus boletos, mas
não vota no mesmo candidato que eu. É ele quem merece ser perseguido e
impiedosamente esfolado (mesmo que seja pobre ou pertença a uma
minoria). Já o milionário pode continuar sendo milionário sem culpa,
mesmo que seja branco e “cisgênero”, desde que pose de bom moço nas
redes sociais. Marx ficaria escandalizado.
Vejam
só que interessante: você pode pertencer à da elite da elite, morar em
uma cobertura de 500 metros quadrados em frente à praia, usufruir de
todos os luxos do capitalismo, ter o Iphone de última geração, usar as
marcas de roupa mais caras e viajar todos os anos para as ilhas gregas,
que está tudo bem. Se você aderir à narrativa da lacração e votar no
partido certo, será considerado de esquerda e acolhido pelos
progressistas.
Já
a diarista que trabalha duro para sustentar os filhos e o funcionário
que passa três horas por dia na condução indo e voltando do trabalho
serão sumariamente desqualificados como fascistas se declararem voto no
candidato errado. Abordei esse tema nos artigos “O melhor de dois
mundos: a vida dupla dos ricos de esquerda” e “A nova luta de classes:
pobres de direita contra ricos de esquerda”.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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