Se um policial, militar, membro do MP ou juiz julga servir melhor à sociedade abrindo mão das prerrogativas de seus cargos e submetendo seu nome ao escrutínio da população, por meio do voto, que lhe seja garantido este direito. Editorial da Gazeta do Povo:
Em
vez de concentrar todos os retrocessos eleitorais em um único pacote, o
Congresso resolveu atacar em partes. Primeiro, veio a PEC 125/2011, que
pretende atenuar a cláusula de barreira e, principalmente, permitir a
volta das coligações nas eleições proporcionais – o texto já foi
aprovado em dois turnos na Câmara e agora vai ao Senado. O próximo
objetivo dos deputados, agora, é aprovar um novo Código de Processo
Eleitoral, texto que unificaria a legislação atual sobre as eleições,
hoje espalhada em várias leis, incluindo o Código Eleitoral de 1965, já
alterado inúmeras vezes ao longo das últimas décadas. O projeto,
relatado por Margarete Coelho (PP-PI) e que o presidente da Câmara,
Arthur Lira (PP-AL), quer votar na próxima semana para que as mudanças
passem a valer já no pleito de 2022, tem uma série de problemas,
incluindo uma proibição ilógica, desproporcional e casuísta. Trata-se de
uma quarentena para que militares, policiais, juízes, procuradores e
promotores possam disputar eleições apenas cinco anos depois de deixarem
seus antigos cargos.
A
novidade não estava nas versões anteriores do projeto de lei; foi
introduzida pela relatora na versão mais recente protocolada por ela, na
última quarta-feira, dia 25. De imediato, despertou reações de vários
parlamentares, especialmente ex-policiais e ex-membros das Forças
Armadas, muitos dos quais seriam incluídos na nova regra e não poderiam
se candidatar em 2022 – a relatora já acenou com a possibilidade de uma
emenda que exclua da quarentena quem já tem mandato eletivo. Mas o
principal nome entre os possíveis atingidos pela proposta é o do ex-juiz
federal Sergio Moro, que deixou a magistratura no fim de 2018 para
aceitar o cargo de ministro da Justiça no governo de Jair Bolsonaro.
Apesar de não manifestar pretensões políticas para 2022, Moro ainda é
visto como presidenciável e há partidos que gostariam de tê-lo como
candidato no ano que vem.
Apenas
pelo fato de bloquear uma possível candidatura de alguém que é visto
como nome forte para compor a chamada “terceira via” entre Bolsonaro e
Lula, a quarentena já seria condenável pelo seu casuísmo, e por isso há
pressões para que ela seja flexibilizada, aplicando-se apenas a partir
do momento em que o Código de Processo Eleitoral virar lei, caso seja
aprovado e sancionado. Mas a tese propriamente dita, defendida por
políticos do Centrão e por ministros do Supremo, já tem várias falhas.
Quarentenas são úteis, por exemplo, para impedir que um ex-integrante do
governo leve informações privilegiadas para o setor privado – é por
isso que membros da equipe econômica (mas não apenas eles, como mostra a
Lei 12.813/13) precisam cumprir um tempo afastados antes de voltarem a
trabalhar, por exemplo, no mercado financeiro. E mesmo assim este
intervalo é de apenas seis meses, o que faz dos cinco anos propostos
pela relatora (e, ainda mais, dos oito anos defendidos por Dias Toffoli)
uma vedação completamente desproporcional para quem não está em
situação minimamente semelhante àquela que justificaria a quarentena.
Se
um policial, militar, membro do Ministério Público ou magistrado julga
servir melhor à sociedade abrindo mão de uma série de prerrogativas que
seus cargos lhes garantem e submetendo seu nome ao escrutínio da
população, por meio do voto, que lhe seja garantido este direito. Bastam
as regras atuais, que exigem a desincompatibilização do cargo e que só
impõem uma inelegibilidade de oito anos para juízes ou membros do MP
punidos com a perda do cargo ou a aposentadoria compulsória por questões
disciplinares.
Toffoli
e muitos outros partem do pressuposto de que esses agentes públicos
estariam meramente usando a carreira de Estado como trampolim para um
cargo eletivo, em vez de supor que se trata de pessoas interessadas em
colocar a serviço da nação, por meio da política, os conhecimentos
adquiridos antes e durante o trabalho na magistratura, no MP, nas Forças
Armadas ou nas polícias. Pensar assim, no entanto, revela dois
equívocos. O mais óbvio é o de que tais carreiras, normalmente, não
costumam conferir visibilidade alguma a seus detentores – há uma série
de outros meios muito mais eficazes para se conseguir notoriedade quase
imediata. E, mesmo no caso da Lava Jato, em que seus protagonistas no
Judiciário e no MP se tornaram figuras nacionalmente conhecidas, isso
ocorreu não porque eles tivessem algum desejo de estrelismo ou ambição
política, mas apenas porque conduziram seu trabalho de forma séria,
competente e até heroica, recebendo por isso um justo reconhecimento da
sociedade brasileira.
O
segundo equívoco foi por nós resumido na ocasião em que Moro aceitou o
convite de Bolsonaro para ser ministro, quando também surgiram
comentários insinuando que todo o trabalho do até então juiz era apenas
meio para que ele atingisse seus reais objetivos na forma de um cargo
político. Alertamos, à época, para “um forte cinismo sobre os seres
humanos, como se toda vontade de contribuição ao bem comum tivesse de
ser movida, mais ou menos superficialmente, por interesses escusos,
mesquinhos e antirrepublicanos”. Estamos falando, no fim das contas, de
pessoas que prestaram – às vezes por décadas, muitas vezes sem alarde
algum – serviços relevantes à sociedade, e que desejam continuar a
fazê-lo em outra arena. Que tenham o direito de submeter seus nomes ao
eleitorado sem restrições desnecessárias.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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