Adversários e aliados são unânimes em arrancar os cabelos diante do fiasco produzido pelo presidente - e a situação pode ficar pior ainda. Vilma Gryzinski:
Seria
Joe Biden um idiota? Político com meio século de estrada, experiente no
legislativo e no executivo, sobrevivente contumaz do tipo de
impressionar certos colegas em Brasília, o presidente americano parece
ter esquecido tudo o que sabia.
A
regra número 1 das raposas felpudas – só fazer aquilo que rende
dividendos políticos a si e aos seus – foi fragorosamente quebrada com a
decisão de Biden, e só dele, mesmo que toda a cúpula tenha uma enorme
parte da culpa, de ordenar a retirada extemporânea das tropas no
Afeganistão.
A
maneira como foi conduzida a operação é uma das mais desastrosas
iniciativas de qualquer político americano em todos os tempos (Dumbkirk,
resumiu, cruelmente, o New York Post, fazendo um trocadilho entre a
retirada de Dunquerque, a derrota na II Guerra que Churchiill conseguiu
transformar em vitória na base do discurso inspirador, e a saída do
Afeganistão, a vitória, por encerrar uma guerra que os americanos não
queriam mais, que Biden transformou estupidamente em derrota).
A
regra número 2 – não dar munição ao inimigo -, Biden conseguiu não
apenas quebrar como empurrar os limites: agora, são aliados que se
desesperam com o fiasco.
Por
que a “enormidade dos eventos no Afeganistão” foi produzida por tantos
erros em série? “Tem uma resposta que abrange tudo: nossa falta de
paciência estratégica em momentos críticos, inclusive por parte do
presidente Joe Biden”, escreveu Ryan Crocker, que foi embaixador no
Afeganistão quando Biden era vice de Barack Obama.
“Impaciência estratégica” é uma forma elegante de dizer o que outros estão descrevendo com palavras mais duras.
Tony
Blair, que arruinou sua reputação com o apoio incondicional aos
americanos na invasão do Iraque e saudou Biden como “o homem certo na
hora certa” quando ele foi eleito, escreveu sobre o desastre afegão:
“Nós não precisávamos fazer isso. Nós escolhemos fazer isso. E o fizemos
por força de um slogan político imbecil sobre encerrar as ‘guerras
eternas’, como se nosso engajamento em 2021 fosse remotamente comparável
ao de vinte ou dez anos atrás, em circunstâncias nas quais os números
de tropas caíram a um mínimo e nenhum soldado aliado perdeu a vida em
combate nos últimos dezoito meses”’
Sem
dar o nome, por motivos óbvios, fontes do governo britânico disseram ao
Telegraph que Biden parece “ligeiramente alienado da realidade”.
Este descolamento da realidade contribui para o naufrágio da regra número 3 dos políticos habilidosos: controlar a narrativa.
Cada
vez que faz um discurso ou dá uma entrevista, mesmo a repórteres que
eram pitbulls com Donald Trump e viraram lulus da pomerânia com ele,
Biden aumenta o tamanho do próprio buraco (pare de cavar, diz a primeira
lei dos buracos, válida para políticos ou civis).
Ele
obviamente tem um comitê de crise permanente e segue um roteiro bem
amarrado, tentando parecer maduro, responsável e no comando de uma
situação que só piora – e é melhor nem falar agora no que aconteceria se
americanos ficassem ilhados num país dominado pelos talibãs e tivessem
que ser abandonados pelas tropas que têm prazo para sair do aeroporto de
Cabul, o único espaço que ocupam hoje.
O
problema é que suas palavras soam ocas, inclusive quando finge que
assume toda a responsabilidade pela retirada – para em seguida culpar os
afegãos de forma geral e, em particular, Donald Trump, criando a
impressão de que logo mais vai invocar a Bruxa Má do Oeste.
Muitas
de suas palavras também são incompatíveis com os fatos que, na era
digital, se desenrolam em tempo real diante dos olhos do mundo. A
situação não está sob controle, o cordão de afegãos desesperados em
volta do aeroporto só faz prognosticar cenas mais críticas ainda, há
americanos – ninguém, oficialmente, fala em números, mas não são poucos –
que não conseguem passar pela massa humana e chegar à área de embarque.
E absolutamente tudo depende da colaboração – ou não – dos talibãs.
Como
em repúblicas de bananas, o que uma alta autoridade falou ontem, ou há
cinco minutos atrás, voa pela janela rapidamente. São minutos,
literalmente. Joe Biden mal havia acabado de dizer que não havia
informações sobre maus tratos a cidadãos americanos quando o secretário
da Defesa, Lloyd Austin, disse a congressistas que “algumas pessoas,
inclusive americanos, haviam sido acossadas e até espancadas” por
talibãs.
Biden colocou a si mesmo numa situação em que só dá para acreditar em fragmentos de suas declarações.
Quando
disse, por exemplo, “não posso prometer qual será o resultado final, ou
que será sem risco de perdas”, estava falando a verdade.
Não
pode mesmo. A situação que armou, com anuência ou complacência da alta
cúpula civil e militar, é de uma volatilidade tal que pode incinerar sua
presidência de meros sete meses. Ou desencadear uma crise de proporções
inomináveis.
Quando
políticos experientes como Biden dão a impressão de estar vivendo numa
realidade alternativa, onde logo, logo os americanos vão fechar
aliviados o capítulo afegão, inclusive porque “a Al Qaeda a essa altura
está acabada”, está na hora de ter medo.
E
este é um sentimento cada vez maior entre os aliados que dependem dos
Estados Unidos para sua própria segurança. Ou seja, todo o mundo
“ocidental”, entre aspas porque inclui aliados doutrinários, como Japão,
Coreia do Sul ou Austrália.
Joe
Biden é um político esperto que cometeu uma sequência de graves erros
cujos resultados ainda estão em aberto, colocando a si mesmo numa
encrenca que não era necessária, apesar dos problemas que qualquer
retirada do Afeganistão provocaria.
Seu
futuro político estará sendo jogado nos próximos dias e o ar de falsa
segurança que tem procurado demonstrar mostra que sabe muito bem disso.
Detalhe:
o Talibã já avisou que não aceita uma prorrogação do prazo para a
retirada total que o próprio presidente estabeleceu, o próximo dia 31.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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