Ele tenta sair do buraco que cavou. "Está mostrando é que não haverá essa paz caso o Lula ganhe as eleições", interpreta a deputada aliada Bia Kicis. José Casado:
Jair Bolsonaro cavou um buraco, entrou e se mostra angustiado porque ainda não descobriu como sair.
Chegou
à metade do mandato com mais de 50% de reprovação nas pesquisas ao seu
desempenho como presidente, ao governo e, também, à candidatura à
reeleição.
Não
é um cenário imutável. Ele tem 14 meses até à eleição para tentar
resgatar a credibilidade corroída no desgoverno da pandemia e recuperar a
economia combalida, com mais 14 milhões de desempregados e inflação
crescente no bolso dos pobres, que compõem 80% do eleitorado.
Já
a crise do candidato Bolsonaro é mais complexa porque, na gênese, ela
tem nome e endereço: Luiz Inácio Lula da Silva, sede do PT, Rua Silveira
Martins, 132, São Paulo – SP, CEP 01019-000.
Prioridade
desde o primeiro dia de governo, o projeto de reeleição foi abalado em
2020 pelo desastre gerencial na pandemia. Em contraste com a inépcia
federal, o governador João Doria (PSDB) despontou na oposição com um
objeto de desejo na emergência sanitária, a vacina contra a Covid-19.
Bolsonaro atravessou o ano ocupado em neutralizar o potencial de avanço
de Doria a partir de São Paulo, o maior colégio eleitoral.
Em
março, o inesperado: o Supremo liberou a candidatura de Lula, até então
impedido pela Lei da Ficha Limpa, ao mandar retroagir à estaca zero os
processos nos quais havia sido condenado por relações espúrias com
fornecedores da Petrobras.
Desde
então, o presidente vê suas chances de reeleição se reduzirem, mais
impulsionadas pela própria rejeição do que por uma preferência pelo
antecessor e adversário.
Em maio, 54% declaravam ao Datafolha a intenção de não votar “de jeito nenhum” em Bolsonaro. Em julho, foram 59%.
Com
rejeição relevante, porém, menor (37% no Datafolha), Lula cresceu. Em
julho consolidou a liderança nas pesquisas. Bolsonaro não apenas caiu,
como passou a disputar duramente em cenários com todos os outros
candidatos, bem menos conhecidos no eleitorado do que ele e Lula.
O
receio da derrota o abateu, assim como alguns dos chefes militares que
lhe abriram os portões dos quartéis na campanha de 2018. Intensificou a
radicalização, enquanto cristalizava a aliança com os partidos do
Centrão, vital à sobrevivência num mandato questionado por mais de uma
centena de pedidos de impeachment.
O
alvo preferencial sempre foi o Supremo, moderador dos seus arroubos
autoritários antes e durante a pandemia, e a quem ele quem culpa pelo
aumento das angústias eleitorais desde a liberação da candidatura de
Lula. O marketing do voto impresso é somente um instrumento mais nessa
ofensiva contra o STF, para fomentar crise.
Ele
inovou no comício transmitido ontem do Palácio da Alvorada, ao vivo e
por telefone celular, para aglomerados de seguidores em várias cidades.
Na campanha eleitoral francesa, em 2017, o candidato do Partido de
Esquerda, o trotskista Jean-Luc Mélenchon, surpreendeu com a técnica de
comícios simultâneos, em diferentes cidades, usando projeções
holográficas — produção muito mais cara do que uma vídeo-chamada.
Na
mensagem de ontem, nenhuma novidade. Bolsonaro repetiu o bordão “sem
eleições limpas e democráticas, não haverá eleição”, como se pudesse
impedir um processo eleitoral do qual é beneficiário há três décadas —
sem contestação —, definido na Constituição como base do regime
democrático.
Mudar
a política no grito e nas ruas, no momento, parece difícil a um
candidato recordista de rejeição eleitoral. Incitar à sedição, no
entanto, pode ser útil como rota de fuga para quem há duas semanas
permeia discursos com a possibilidade de não disputar um novo mandato no
próximo ano.
A
melhor interpretação, talvez, seja a de uma de suas devotas, a deputada
federal Bia Kicis (PSL-DF), presidente da Comissão de Constituição e
Justiça da Câmara. “Como o presidente está pedindo transparência para
que haja uma pacificação, acho que o que ele está mostrando é que não
haverá essa paz caso o Lula, por exemplo, ganhe as eleições” — ela disse
em entrevista à repórter Ana Maria Campos, do Correio Braziliense.
Acrescentou:
“Então não é questão se o presidente vai aceitar. A questão é o que o
povo vai achar, e como o povo vai responder a uma eventual vitória do
Lula, que seria um tapa na cara da população.”
Por
essa lógica, o bolsonarismo já trabalha com a hipótese de derrota nas
urnas e está disposto a aceitar qualquer um, menos Lula.
Escolher
adversário é do jogo político, mas quem define quem pode ser eleito e
governar é a Constituição, aquela que Bolsonaro e Bia Kicis juraram
defendê-la.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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