Em um puro exercício de extrapolação, pode-se dizer que o Twitter, por exemplo, que está proibido na China e Irã, resolveu copiar os métodos de seus censores que atuaram em defesa de seus regimes para defender a democracia. Leonardo Coutinho para a Gazeta do Povo:
Apenas
dois dias antes de completar o 20º aniversário dos protestos pela
democracia na Praça Tiananmen, conhecida no Brasil como da “Paz
Celestial”, o regime chinês baixou uma norma. Proibiu, entre as várias
redes sociais disponíveis até então no país, o Twitter. Era junho de
2009 e desde então, a rede social jamais voltou a ser autorizada no
país. Sempre alertas, os censores do regime chinês sabiam e sabem que
informação que circula livremente é um perigo para a estabilidade das
ditaduras. Eles estavam de olho em outras partes de mundo e previam que
com a urbanização e a ascensão de uma classe média cada vez mais
exigente, o livre fluxo de informação – o Grande Firewall, filtro
estatal que controla todo o trânsito de dados online do país – não seria
o suficiente para sufocar uma insurgência digital. Rebeliões digitais
quase sempre saltam para o mundo real.
Os
chineses sabiam o que faziam. Apenas uma semana depois de a China
proibir o acesso ao Twitter, a 5.600 quilômetros a oeste de Pequim,
outra ditadura sentiria os efeitos da liberdade das redes. Os aiatolás
viram irromper nas ruas de Teerã uma onda de protestos inédita originada
e coordenada a partir da internet. Especificamente do Twitter.
Nascidos
sob a opressão da teocracia fundada pelo aiatolá Khomeini, os jovens
iranianos inundaram as ruas para, além de denunciar a fraude eleitoral
que deu ao radical Mahmoud Ahmadinejad um segundo mandato, dizer que
queriam reformas. Um pouco de liberdade. O Irã cortou o acesso ao
Twitter e, como os chineses, nunca mais permitiram o acesso livremente. E
além de calar as manifestações online, reprimiu as presenciais com
brutalidade.
Em
julho deste ano, foi a vez dos cubanos irem para as ruas protestar. Por
lá, a internet é um artigo de luxo. Mas não um problema. A precariedade
das redes e a escassez, inclusive de smartphones, não foi empecilho
para uma onda de ativismo digital que ganhou musculatura com a classe
artística, o chamado Movimento San Isidro, e se alastrou pelas redes
provocando mobilizações sociais jamais vistas em 60 anos de regime.
A
ditadura cubana foi mais sutil. Como Cuba não pode perder a pose de
vítima eterna de um bloqueio que não existe, os gerontocratas mandaram
derrubar a internet ao invés de bloquear o Twitter ou outras
plataformas. Decisão revolucionária para proteger a ilha-prisão da
interferência estrangeira. Pois, como sempre, os protestos não tinham
origem legítima. Eram atos contrarrevolucionários coordenados desde os
Estados Unidos.
Nesta
semana, o regime cubano baixou uma série de decretos com o objetivo de
combater a “divulgação de notícias falsas, mensagens ofensivas e
difamação com impacto no prestígio do país”. As novas regras definem
como “terrorismo cibernético” as ações para “subverter a ordem
constitucional, suprimir ou desestabilizar gravemente o funcionamento
das instituições políticas e de massas”.
Os
protestos de julho resultaram na prisão de ativistas pelos direitos
humanos, artistas e jornalistas que ousam criticar as maravilhas do
regime. Um autêntico paraíso na visão de alguns.
Na
prática, os decretos dão novos poderes ao regime cubano para atuar de
forma preventiva. Por meio da ameaça clara de prisão, resolve parte dos
problemas calando antecipadamente quem poderia vir a criar qualquer tipo
de incômodo.
A
Turquia também criou leis para disciplinar a informação nas redes
sociais. Os pontos chaves da legislação, imposta sob a borduna do
presidente Recep Tayyip Erdogan, determinam que os dados dos usuários
turcos sejam armazenados no país, em uma filial local. A regra permite
ao governo determinar a identificação de usuários, o bloqueio e a
retirada de dados online sem o incômodo de ter que lidar com processos
que envolvam as empresas no exterior.
Apesar
das críticas das organizações de defesa dos direitos humanos e da
liberdade de expressão, as plataformas de mídia social se renderam às
exigências sob pena de não poderem mais operar na Turquia.
Em
janeiro deste ano, um bando de desmiolados invadiu o Capitólio em um
ato injustificado e movido pela radicalização de quem se sentiu roubado
na eleição americana de 2020. A baderna serviu para colar, no apagar de
seu governo, a pecha de golpista no presidente Donald Trump. Um erro
descomunal que contou com a ajuda do presidente que, embora não tenha
sido o organizador do ato, também não se comportou como quem deveria
impedi-lo.
Depois
de quatro anos esquivando-se da campanha alucinada para transformá-lo
no maior vilão da América, em algumas horas Trump caiu em desgraça pelos
atos de sua base mais radical.
Um
dos castigos impostos ao então presidente americano foi o banimento das
redes sociais em nome da proteção da Democracia. O que mais poderia
ser?
Fora
do governo, o ex-presidente foi silenciado e segue assim. Cortar a voz e
os canais de comunicação direta com os cidadãos foi a decisão mais
ousada que se viu nos últimos anos. Censura prévia com o nobre objetivo
de evitar uma catástrofe social.
Em
um puro exercício de extrapolação, pode-se dizer que o Twitter, por
exemplo, que está proibido na China e Irã, resolveu copiar os métodos de
seus censores que atuaram em defesa de seus regimes, para defender a
democracia.
Seriam os bons exemplos das ditaduras?
Nesta
semana, foram revelados trechos de um relatório da Polícia Federal que
foi entregue ao Tribunal Superior Eleitoral, que compara as redes de
desinformação no Brasil àquelas que atuaram nos Estados Unidos para
alimentar a tese da fraude eleitoral. Segundo a Folha de S. Paulo,
“múltiplos canais na internet procuram eliminar a figura dos
intermediários formadores de opinião, desqualificar as posições
contrárias e promover ‘ataque aos veículos tradicionais de difusão de
informação (jornais, rádio, TV, etc)’. O objetivo seria chegar ao
público de forma ‘direta, horizontal, ao dissipar a distinção entre o
que é informação e o que é opinião.’”
O
trecho acima chama atenção. Ele parece pavimentar o caminho para uma
solução ao estilo americano. O banimento. E não só o relatório da PF. A
radicalização da base bolsonaristas e incendiários – como o ex-deputado
Roberto Jefferson, preso recentemente por ameaças contra ministros do
Supremo – podem ser o Cavalo de Troia que Bolsonaro arrastou para dentro
do governo.
É grande a fila daqueles que querem salvar a democracia. Ainda que seja matando-a para empalhá-la depois.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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