O exercício de uma autoridade sem legitimidade degenera sempre em autoritarismo. Flavio Gordon, em resposta ao senador petista Humberto Costa, para a Gazeta do Povo:
“Qual
tenha sido, atenienses, a impressão que vos deixaram meus acusadores,
não saberei dizê-lo. De minha parte, ouvindo-os, cheguei quase a
esquecer-me de mim mesmo, tal foi o seu poder de persuasão. E, contudo,
por assim dizer, não empregaram uma só palavra verdadeira” (Platão,
Apologia de Sócrates)
“A
realidade existe apenas na mente do Partido, que é coletiva e imortal.
Tudo o que o Partido reconhece como verdade é a verdade. É impossível
ver a realidade se não for pelos olhos do Partido. É esse o fato que
você precisa reaprender, Winston. E isso exige um ato de autodestruição,
um esforço de vontade. Você precisa se humilhar antes de conquistar o
equilíbrio mental” (George Orwell, 1984)
Soube
na última sexta-feira, 20 de agosto de 2021, que a assim chamada “CPI
da pandemia” aprovou a quebra do meu sigilo fiscal. Embora, por óbvio,
tenha ficado indignado com esse flagrante abuso de autoridade – em
relação ao qual as medidas judiciais cabíveis já estão sendo tomadas –,
não posso dizer que cheguei a ficar surpreso, ciente que estou do
colapso do Estado de Direito no Brasil e da perseguição política que
funcionários do Estado e jornalistas ideologicamente corrompidos têm
movido conjuntamente contra indivíduos não alinhados à sua agenda.
O
requerimento para a quebra de sigilo foi assinado pelo senador petista
Humberto Costa (PT-PE). E a justificativa para (mais) essa violação a um
direito constitucional – prática que, lamentavelmente, passou a ser
rotina desde o início da pandemia – foi redigida nos seguintes termos:
“O
investigado Flávio Gordon é responsável por em suas redes sociais
(sic), no contexto da pandemia de Covid-19, disseminar conteúdos que
atentam contra a ciência, a saúde pública e a vida, integrando uma rede –
estruturada ou não – de desinformação que contribuiu para o
agravamento da crise sanitária e o aumento da mortalidade derivada da
pandemia no Brasil. São abundantes, em suas redes sociais, materiais que
advogam em defesa do chamado tratamento precoce, do uso de medicamentos
sem eficácia comprovada no tratamento da Covid-19 e contra medidas não
farmacológicas de caráter preventivo, como o distanciamento social – em
sintonia com a semântica discursiva do Presidente da República. Até
mesmo as vacinas são vítimas de um processo de desinformação promovido
através da sua rede social pessoal do Twitter (…) A disseminação massiva
de conteúdos favoráveis ao chamado tratamento precoce e contrários às
medidas de distanciamento social e à vacinação pode ter contribuído
sobremaneira para agravar a pandemia e a mortalidade derivada da
pandemia no Brasil. Faz-se urgente e necessário, portanto, analisar o
Relatório de Inteligência Financeira – RIF do Sr. Flávio Gordon, de modo
que a responsabilidade por milhares de mortes evitáveis seja
devidamente apurada por esta Comissão Parlamentar de Inquérito. Para
tanto, é fundamental que a CPI siga o caminho do dinheiro, analisando se
a disseminação de desinformação foi financiada e por quem foi
financiada, se houve a participação de agentes públicos ou envolvimento
de dinheiro público, de modo que a medida ora proposta é necessária para
o bom andamento dos trabalhos desta CPI”.
O
grosso do texto consiste em simples copy & paste de requerimentos
similares, mudando-se apenas o nome do indivíduo que a CPI deseja
constranger, e cuja reputação, em conluio com uma imprensa que há muito
abandonou a prática do jornalismo, pretende assassinar em vista de seus
objetivos políticos. Note-se, antes de tudo, o emprego proposital e
malicioso de expressões vagas como “rede – estruturada ou não” e “em
sintonia com a semântica discursiva do Presidente da República”.
Decerto, na ausência de qualquer evidência de crime individual praticado
– exigência legal para um pedido de quebra de sigilo –, fez-se
necessário apelar a narrativas falaciosas, mediante o uso de uma
terminologia generalista, bem como à repetição calculada de um arsenal
de estigmas de origem midiática, que possam sugerir a presença de
“crimes” coletivos e por associação, um procedimento típico de tribunais
de exceção em regimes totalitários.
Pois
bem. Desde já, afirmo categoricamente: todas as acusações contidas no
requerimento são falsas. Não faço parte de nenhuma rede, quer
estruturada, quer desestruturada. Sempre dentro dos limites da lei –
haja vista nunca ter sido processado por isso –, exerço nas redes o meu
direito constitucional à liberdade de expressão já há muitos anos,
sempre com responsabilidade e honestidade intelectual, jamais me
pautando pelo que diz ou faz o político X, Y ou Z, e muito menos me
curvando a pretensos consensos oficiais. Não recebo, nunca recebi e
jamais aceitaria receber dinheiro público para exercer isso que, mais
até do que um direito, no meu caso é uma vocação. Mas, sendo o
requerente membro de um partido que, como mostrei em meu livro A
Corrupção da Inteligência, encarna por excelência o conceito gramsciano
de “intelectual coletivo”, partido que, ele sim, subsidiou com verba
pública blogs ideologicamente alinhados, não surpreende sua dificuldade
em conceber a existência de opiniões pessoais baseadas numa consciência
individual, não motivadas por razões de ordem político-partidária ou
pecuniária.
Obviamente
que, no exercício do direito à livre opinião, posso cometer erros e,
eventualmente, sem dolo, compartilhar informações que venham a se provar
equivocadas. E estou sujeito, como qualquer cidadão, a responder
legalmente por eventuais crimes contra a honra por mim cometidos no
exercício daquele direito (coisa que, repito, até hoje não aconteceu).
Mas desafio qualquer um a provar que pratico desinformação. Aliás, o
fracasso em demonstrá-lo, em lugar de apenas acusar histriônica e
teatralmente, fica patente no próprio requerimento em tela.
Como
ilustração do meu pretenso crime de opinião – pois é disso que se trata
–, o requerente cita três postagens minhas no Twitter. A primeira, do
dia 1.º de novembro de 2020 (ver abaixo), criticava uma matéria
jornalística que tratava manifestantes contra o lockdown na Espanha de
“negacionistas” e de “extrema-direita”. Tratava-se, portanto, de um
exercício legítimo de media-watch, algo que sempre fiz em artigos e
comentários nas redes sociais, e que, pelo menos até ontem, não era
crime tipificado em lei alguma.
A
segunda, do dia 17 de janeiro de 2021 (ver abaixo), reproduzia a
hashtag #NãoEspere, junto com um cartaz que recomendava o paciente de
Covid a buscar tratamento logo nos primeiros sintomas, fase em que,
segundo vários estudos, os medicamentos de efeito antiviral que vêm
sendo ministrados off-label por muitos médicos têm maiores chances de
sucesso. Tratava-se, em primeiro lugar, de uma crítica à orientação
inicial de autoridades, segundo a qual só se deveria buscar tratamento
médico tardiamente, quando já houvesse falta de ar, recomendação que se
revelou catastrófica, uma vez que a falta de ar caracteriza um estado
avançado e dificilmente reversível da doença. Mas se tratava sobretudo –
e era esse o contexto do tuíte – de uma crítica à postura das redes
sociais, que àquela altura já estavam censurando postagens favoráveis ao
tratamento precoce, inclusive de autoridades, médicos e cientistas. “O
Twitter Brasil precisa obedecer às leis brasileiras e respeitar a
soberania do país. Eles não têm autoridade para determinar a política
nacional de saúde pública” – foi o meu comentário de então. Pergunto-me
como a exortação ao cumprimento das nossas leis poderia ser tomada por
algo fora da lei.
A
terceira, do dia 8 de julho de 2020 (ver abaixo), trazia uma notícia
amplamente divulgada na imprensa: “AstraZeneca suspende testes de vacina
contra Covid após reação adversa”. E, ainda que mesmo esse fosse um
direito garantido por lei – afinal, manifestar-se contrariamente a
vacinas não é crime no Brasil –, o fato é que meu comentário a respeito
não se voltava contra aquela vacina específica, muito menos contra
vacinas em geral, mas contra a sua obrigatoriedade. Portanto, é falsa
esta afirmação constante no requerimento: “Até mesmo as vacinas são
vítimas de um processo de desinformação promovido através da sua rede
social pessoal do Twitter”.
São essas três postagens, enfim, as pretensas “provas” elencadas pela CPI para aprovar a quebra do meu sigilo.
Sobre
a primeira, o requerente afirma que ela “busca desacreditar as medidas
de distanciamento social no combate à disseminação do coronavírus,
incentivando o desrespeito ao lockdown”, e que “dessa forma, Flávio
Gordon tornam-se (sic) agente de uma campanha de desinformação absurda
acerca do combate uma (sic) das maiores crises sanitárias do século
XXI”. O senador tem direito a essa opinião, obviamente. O que ele não
pode é, apenas com base nela, solicitar a quebra de sigilo de quem tenha
opinião diversa.
Na
questão específica do lockdown, a propósito, expressei o meu ponto de
vista em artigo na Gazeta do Povo, e ele coincide basicamente com o de
Margaret Harris, porta-voz da OMS (entidade frequentemente citada na CPI
como autoridade máxima em relação às opiniões públicas permitidas sobre
a pandemia). Em abril de 2020, em entrevista ao jornal australiano The
Sydney Morning Herald, ela afirmou: “Nós nunca recomendamos o lockdown. O
que dissemos foi para rastrear, investigar, isolar e tratar”. E,
mencionando também o que foi feito em Wuhan – epicentro da pandemia –,
acrescentou: “Portanto, há muito mais coisas envolvidas do que
simplesmente fechar tudo”.
Meses
depois, em outubro de 2020, o também emissário da OMS, David Nabarro,
afirmou categoricamente em entrevista ao site americano The Spectator:
“nós, na Organização Mundial da Saúde, não defendemos lockdown como o
principal meio de controle desse vírus”. Como informa matéria da revista
Veja, o representante da organização mostrava-se preocupado com os
efeitos econômicos das medidas restritivas. Em suas palavras: “Basta
olhar para o que aconteceu com a indústria do turismo, por exemplo, no
Caribe ou no Pacífico, porque as pessoas não estão tirando férias. Veja o
que aconteceu aos pequenos agricultores em todo o mundo porque seus
mercados foram prejudicados. Veja o que está acontecendo com os níveis
de pobreza. Parece que podemos muito bem ter uma duplicação da pobreza
mundial no próximo ano. Parece que podemos ter pelo menos uma duplicação
da desnutrição infantil porque as crianças não estão recebendo
refeições na escola e seus pais, em famílias pobres, não têm condições
de pagar. E, portanto, realmente apelamos a todos os líderes mundiais:
pare de usar o lockdown como seu método de controle primário, desenvolva
sistemas melhores para fazê-lo, trabalhe em conjunto e aprenda uns com
os outros, mas lembre-se – lockdowns têm apenas uma consequência que
você nunca deve subestimar [uso essa palavra em substituição a
“diminuir”, escolha infeliz do tradutor da Veja], e isso está tornando
as pessoas pobres, muito mais pobres”.
O
que a Harris e Nabarro estavam dizendo – com o que concordo – era o
óbvio: o lockdown é uma medida extrema, que deve ser usada apenas em
último caso, e mesmo assim de maneira dinâmica e inteligente, com
rastreamento de áreas de maior contágio, isolamento de grupos de risco,
mensuração periódica dos resultados etc. Mas nada disso foi feito no
Brasil, onde governadores e prefeitos agiram justamente na contramão do
que propôs Harris: fechando tudo. E o pior: com violência e agressões a
direitos fundamentais – soldando porta de comércio, mandando derrubar
barracas de ambulantes, arrastando banhistas pelos cabelos, batendo em
idosos nas praças.
Quanto
ao tratamento precoce, esse é um debate corrente entre médicos e
cientistas. Em março deste ano, por exemplo, tivemos notícia de que um
grupo de médicos portugueses pediu a inclusão da ivermectina no
protocolo de tratamento da Covid-19. Isso porque já há, sim, uma série
de estudos evidenciando a eficácia desse e de outros medicamentos na
redução da carga viral, sobretudo se administrados nas fases iniciais
(ou pré-hospitalares) da doença.
Em
junho de 2021, foi publicada no American Journal of Therapeutics – e
reproduzida na National Library of Medicine dos EUA, a maior biblioteca
médica do mundo, pertencente ao National Institutes of Health (NIH) –
uma meta-análise padrão-Cochrane, cuja conclusão era a seguinte:
“Evidências com certeza moderada apontam que grandes reduções nas mortes
por Covid-19 são possíveis com o uso de ivermectina. Administrar a
ivermectina precocemente pode reduzir o número de quadros de agravamento
da doença. A aparente segurança e o seu baixo custo sugerem que a
ivermectina pode ter um impacto global significativo na pandemia do
Sars-CoV-2”.
No
mesmo mês e na mesma revista, uma outra meta-análise indicava que a
ivermectina reduz o risco de hospitalização em pacientes com casos leves
a moderados em cerca de 70%. Resultado similar havia sido obtido na
Cidade do México, que realizou testes em massa com o fármaco. Ainda em
junho, uma revisão de ensaios clínicos publicada no The Journal of
Antibiotics e na Nature também concluiu que a ivermectina pode ter um
efeito benéfico no tratamento precoce da Covid-19.
Até
mesmo sobre a famigerada hidroxicloroquina – que, de fato, passou a
ser menos prescrita por conta de sua baixa eficácia relativa em
comparação com outros medicamentos posteriormente testados –, há novos
estudos promissores (para quem está realmente interessado em salvar
vidas, é claro). Uma meta-análise recente, revisada por pares e
publicada no prestigiado Journal of Infection and Public Health,
encontrou uma eficácia de até 75% na redução de infecções.
Não
é preciso ser médico, apenas alfabetizado, para compreender algo das
conclusões desses estudos, que cito apenas a título de breve ilustração.
Para os leitores interessados, um panorama atualizado da pesquisa sobre
tratamento precoce no mundo pode ser encontrado no site c19study,
criado por um grupo internacional de médicos e cientistas que, graças à
implacável campanha político-midiática contra o tema, optaram pelo
anonimato, sobretudo desde que Didier Raoult, médico francês pioneiro no
tratamento da Covid-19 com hidroxicloroquina e azitromicina, passou a
sofrer ameaças de morte por conta de suas opiniões.
Mas
há, evidentemente, pessoas muito mais gabaritadas que eu para
apresentar esses estudos. Pessoas como os médicos Ricardo Ariel Zimerman
e Francisco Cardoso Alves, que, em 18 de junho, depuseram na CPI e
disponibilizaram as pesquisas atualizadas a todos os parlamentares.
Talvez até mesmo o senador requerente pudesse mudar de opinião sobre
tratamento precoce se – convém lembrar – não houvera abandonado a
sessão naquele dia, juntamente com o relator e o vice-presidente da
Comissão, num ato deliberado, e anticientífico por excelência, de recusa
a ouvir opiniões especializadas contrárias. O gesto insólito pode ser
comparado ao de um delegado que, no curso de uma investigação, se
recusasse a ouvir testemunhas que apresentassem provas contrárias à sua
tese favorita.
Sobre
o tema, o requerimento acusa-me nos seguintes termos: “O autor da
postagem (sic), busca o incentivo ao tratamento precoce, ou seja, o uso
de medicamento sem comprovação científica para tratamento de Covid-19 –
conforme a semântica narrativa do presidente da República, contribuindo
para a campanha de desinformação no combate à pandemia”.
Falso.
Não “busco o incentivo” a nada, muito menos “conforme a semântica
narrativa do presidente da República”. Com base na leitura de estudos e
artigos sobre o assunto, concluo apenas que o tratamento precoce é uma
possibilidade defendida por parcela considerável de médicos e cientistas
respeitados ao redor do mundo, alguns dos quais, brasileiros,
participaram como depoentes na CPI. E o que, a meu ver, contribui para
uma campanha de desinformação no combate à pandemia é justamente a
tentativa de suprimir essas vozes.
Por
último, em relação à obrigatoriedade da vacina, o requerimento acusa-me
levianamente, sempre sem apresentar provas, de ser um “agente ativo de
produção e disseminação de desinformação de forma coordenada e
estruturada”. Mas lembro que, também nesse terreno, a minha opinião
pessoal coincide com a da OMS. Recentemente, em entrevista coletiva no
dia 13 de agosto, a organização afirmou taxativamente ser contrária à
vacinação obrigatória, em declaração amplamente noticiada pela imprensa.
Não
há nisso nada de surpreendente. Afinal, posicionar-se contrariamente à
obrigatoriedade de vacinas desenvolvidas (a título de urgência) em
caráter experimental é ser fiel ao célebre Código de Nuremberg de 1947, o
primeiro código internacional de ética para pesquisas envolvendo seres
humanos, concebido no contexto do julgamento dos terríveis experimentos
científicos conduzidos pelos nazistas em seus prisioneiros. Dentre os
dez princípios básicos do código, vale destacar o da necessidade
absoluta de consentimento voluntário por parte do indivíduo sujeito ao
experimento, um verdadeiro divisor de águas na história da ciência.
Pode-se muito bem admitir (mesmo que consternadamente) uma opinião que,
contrariando o espírito desse importante documento humanitário, advogue
pela obrigatoriedade da vacina contra a Covid. O que não se pode admitir
é a criminalização da opinião contrária.
Para
concluir, gostaria de lembrar que o exercício de uma autoridade sem
legitimidade degenera sempre em autoritarismo. A instituição CPI é,
obviamente, um mecanismo legítimo, previsto em lei. De acordo com o
jurista Paulo Hamilton Siqueira Jr., a CPI “exerce uma função de
fiscalização extraordinária, visando à informação, ao esclarecimento, à
sindicância e averiguação de fatos irregulares. Seu objetivo é, pois,
indagar, inquirir, sindicar as atividades públicas, para o perfeito
cumprimento das leis e da Constituição Federal. Como instituto de
Direito Processual Constitucional, é um instrumento de preservação da
Constituição. Dessa feita, as referidas Comissões desempenham uma função
fiscalizatória com a finalidade de aprimoramento da democracia”.
Também
o ministro Luis Roberto Barroso, relembrando o entendimento da Suprema
Corte dos EUA sobre o tema, afirma que os limites de atuação das CPIs
decorrem dos próprios objetivos para os quais podem ser criadas. Esses
objetivos são dois, e apenas dois: “produção legislativa e fiscalização
dos demais poderes”. E o ministro acrescenta: “Seria inadmissível que se
instalasse uma CPI para apurar fatos da vida privada de uma pessoa,
seja ela física ou jurídica”.
Oficialmente, a CPI da pandemia foi criada com a finalidade de:
“apurar,
no prazo de 90 dias, as ações e omissões do Governo Federal no
enfrentamento da Pandemia da Covid-19 no Brasil e, em especial, no
agravamento da crise sanitária no Amazonas com a ausência de oxigênio
para os pacientes internados; e as possíveis irregularidades em
contratos, fraudes em licitações, superfaturamentos, desvio de recursos
públicos, assinatura de contratos com empresas de fachada para prestação
de serviços genéricos ou fictícios, entre outros ilícitos, se valendo
para isso de recursos originados da União Federal, bem como outras ações
ou omissões cometidas por administradores públicos federais, estaduais e
municipais, no trato com a coisa pública, durante a vigência da
calamidade originada pela Pandemia do Coronavírus ‘Sars-CoV-2’, limitado
apenas quanto à fiscalização dos recursos da União repassados aos
demais entes federados para as ações de prevenção e combate à Pandemia
da Covid-19, e excluindo as matérias de competência constitucional
atribuídas aos estados, Distrito Federal e municípios”.
Uma
vez que não pertenço ao governo federal, não tenho contratos com ele,
não lhe presto serviços, e não mantenho relação com os seus integrantes,
a razão para a minha inclusão como investigado na referida CPI não pode
ter a ver com sua finalidade oficial declarada. Não, o motivo pelo qual
entrei de gaiato nessa história decorre do fato de que a CPI se desviou
brutalmente de suas funções legalmente previstas, incorrendo numa série
de abusos – desrespeito aos depoentes, tentativas de intimidação,
vazamento de dados sigilosos, requerimentos injustificáveis de quebra de
sigilo, prisões ilegais etc. – com vistas àquilo que parece ser o único
objetivo de suas principais lideranças, perante o qual parecem
dispostas a tudo, inclusive perseguir cidadãos comuns: apear do poder o
seu inimigo político.
Deveria
ser escusado dizer, mas nenhuma CPI – como, de resto, nenhum órgão do
Estado – tem legitimidade para exercer o papel de fiscal do debate
público, determinar as opiniões permitidas e as proscritas sobre esse ou
aquele assunto, e muito menos posar de porta-voz da ciência e da
verdade. Se há algo que a história do século 20 deveria ter-nos ensinado
é que, em democracias autênticas, não se admite a noção de verdade
estatal, e que a mera pretensão de estabelecê-la já é marca
característica de um regime totalitário. Todos sabemos como se entra num
regime totalitário. O mais difícil é saber como sair dele.
Por
fim, espero que mesmo os leitores que discordem radicalmente das minhas
opiniões possam compreender a gravidade da situação distópica em que o
Brasil está metido. A principal divisão hoje no país já não é entre
direita e esquerda, ou entre apoiadores e críticos do governo, mas
aquela, muito mais elementar, entre democracia e tirania. E, diante
desse cenário, cidadão algum poderá se furtar à responsabilidade de
escolher um lado.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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