Parece incrível, mas o país mais populoso do mundo enfrenta um problema demográfico que pode afetar seus planos de ser a superpotência dominante. Vilma Gryzinski:
Em
vários aspectos, a China parece a velha piada sobre as salas de espera
dos ginecologistas, sempre cheias de dois tipos de mulheres: quem pode,
não quer; quem quer, não pode.
Quando
não podiam ter mais do que um filho, chineses chegavam a “esconder” as
segundas crianças, mantendo-as sem registro para escapar às punições que
iam do corte de moradia até, em casos extremos, abortos forçados.
O
fim da política do filho único, que enquanto durou “segurou” o que
seriam 400 milhões de novos chinesinhos, deveria ter trazido um boom
populacional. Não funcionou como os planejadores de tudo imaginavam.
A
política foi sendo gradualmente desativada entre 2013 e 2016, mas o
número de nascimentos ficou estabilizado na casa dos 17 milhões por ano.
Em 2018, caiu para 15,2 milhões, indicando que os chineses, como todas
as outras populações do mundo, tendem a ter menos filhos quando o padrão
de vida aumenta.
A
perspectiva de crescimento negativo levou o governo a anunciar uma nova
política, a dos três filhos permitidos, receando enfrentar os efeitos
do declínio populacional que já afeta países como a Itália, onde no ano
passado houve 342 mil mais mortes do que nascimentos – o maior tombo
desde 1918.
Com
1,42 bilhão de habitantes, a China já contempla a possibilidade do
crescimento negativo e suas consequências, acima de todas as quais está a
de menos gente trabalhando para sustentar um crescente número de idosos
inativos.
Tendo
chegado ao posto de segunda maior economia do mundo, aspirando a
ultrapassar brevemente os Estados Unidos, não só em volume bruto, mas
também em tecnologia e ciência, a China pode ter o status de
superpotência afetado pelo encolhimento populacional.
Gente é geopolítica e nenhum outro país pensa mais em geopolítica do que a China.
Segundo
um estudo do Instituto de Métricas e Avaliação de Saúde, centro de
pesquisas da Universidade de Washington, a China caminha para um número
quase inacreditável: em 2100, teria a metade da população que tem hoje,
732 milhões de habitantes.
A
índia também vai encolher dos atuais 1,3 bilhão de habitantes, mas se
consolidará como o país mais populoso do mundo, com 1,09 bilhão, segundo
o estudo.
Em segundo lugar, surpreendentemente, ficaria a Nigéria, com 791 milhões de habitantes.
O
Brasil também vai encolher de forma significativa, dizem as projeções
do Instituto, caindo para 165 milhões. “Mais de metade do encolhimento
projetado para 2100 será concentrada na China, na Indonésia e no
Brasil”, prevê a projeção.
Uma
das situações mais extremas seria a do Japão, onde não existe nada que
convença as japonesas a ter mais filhos. O país murcharia dos atuais 128
milhões para 60 milhões.
Segundo
estudos da ONU, a população mundial será de 10,9 bilhões de pessoas em
2100. As projeções do instituto americano dão um número
significativamente menor, de 8,8 bilhões, “apenas” 1,2 bilhão a mais do
que os atuais 7,6.
A
demografia é uma das áreas da ciência mais inclinadas a cometer erros,
muitas vezes por dominar um número incrível de variáveis, mas subestimar
as pulsões e as contradições humanas quando se trata das complexas
decisões sobre reprodução.
Mães
e pais projetam nos filhos suas aspirações de ascensão social e, quanto
mais ganham, mas gastam. Aulas de piano, matemática e francês, como é
comum para os “pequenos imperadores”, os mimados filhos únicos chineses,
encarecem o projeto consideravelmente e limitam a expansão da família.
Um
dos fenômenos mais incríveis da China da política do filho único foi a
descoberta de que 25 milhões de meninas, dadas como não nascidas em
razão de abortos voluntários ou forçados, na verdade haviam sido
“escondidas” por seus pais e começaram a aparecer no censo quando a
vigilância oficial foi relaxada.
A
política foi implantada em 1979, quando a política de abertura
econômica dava os primeiros dos tantos passos que conduziram ao
espetacular milagre do crescimento chinês. A expansão da economia deu
tão certo que a China já enfrenta problemas de países ricos.
Como
nestes, ter três filhos possivelmente será um privilégio dos que ganham
muito bem ou têm uma rede de proteção social de nível escandinavo, com
pouco ou nenhum impacto na grande onda das tendências demográficas.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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