Ao contrário do que se pensa, somos indiferentes a grandes números e a morte estatística é inócua. Luiz Felipe Pondé para a FSP:
Acompanhar
a mídia pode ser uma experiência monótona. Mas não só ela. A potência
da monotonia já fora apontada pelo filósofo alemão Theodor Adorno
(1903-1969) ao se referir ao mundo do capitalismo americano. Essa
sensação revela sua potência na instalação do tédio como afeto. O
fetiche do novo é a repetição do mesmo em modo acelerado.
Temos vários exemplos desse fato. A terceira onda da Covid-19 é aguardada
com ansiedade pelas profecias apocalípticas de sempre. Celebridades
oportunistas são criadas —no silêncio do cotidiano, orações são elevadas
ao alto, pedindo a eternidade da peste—, artigos supostamente
científicos são desmentidos no dia seguinte para quem tem olhos para
ver.
Ao contrário do que se pensa, somos indiferentes a grandes números. A morte estatística é inócua no dia a dia.
Como dizia o sábio Stálin,
uma morte é uma tragédia, mas milhões de mortes são estatísticas. Saber
que um vizinho morreu de Covid nos choca no elevador, mas números altos
na imprensa nos são indiferentes. A partir de um certo momento, toda
catástrofe gigantesca se torna monótona. A mídia informa no vazio.
Palavras de indignação enchem o ar de som e fúria um pouco antes de uma
taça de vinho.
Políticos
profissionais na CPI da Covid, que espero que tenha efeito sobre nosso
governo canalha, demonstram horror diante desses mesmos altos números,
mas apenas por razões de interesse completamente dissociado da suposta
empatia pelo sofrimento.
Aliás,
o fenômeno bolsonarista proporcionou a explosão da bolha de corrupção
absoluta do Estado brasileiro —de políticos suspeitos de corrupção que
passam da categoria de escorraçado a líder da honestidade diante da
governança da pandemia na condução da CPI da Covid até altos tribunais
que desdizem tudo que disseram durante anos para recuperar a
legitimidade eleitoral do ex-presidente Lula, a fim de fazê-lo tábua
desesperada de salvação contra um novo governo Bolsonaro em 2022.
O tédio da corrupção se faz presente no horizonte político como se nada ocorrera nos últimos anos no país.
A repetição contínua de temas nas páginas dos jornais e da mídia em geral sobre racismo e antirracismo, direitos trans, feminismo,
assédio nos roteiros de filmes e assuntos similares desenha o quadro da
monotonia das causas, levando-nos a crer que nada há além disso de
relevante acontecendo no mundo.
Muito
dessa monotonia é fruto das opções editoriais vistas na missão de
pregar, esquecendo que, também aqui, a repetição, para além da bolha de
interessados, deságua na indiferença de quem lê.
Um
dos maiores engodos revelados, já depois de alguns anos de redes
sociais, é a crença de que o aumento do tráfego de conteúdo capilarizado
levaria a um suposto enriquecimento de temas, abordagens e até a uma
inovação.
Pelo
contrário. Diante de olhos um pouco mais atentos, o aumento do número
de acessos implica, apenas, o aumento da monotonia de temas, de
abordagens e de “inovação” no mundo. A democratização da informação se
revela uma inércia da repetição da mesmice de modo acelerado. Ao
olharmos para todos os lados, todo mundo diz a mesma coisa.
O
movimento de ampliação de acessos e interatividade carrega consigo um
efeito negativo, que é o parentesco desse movimento com a economia de
escala. A escalada da repetição gera um empobrecimento da linguagem que,
por sua vez, é a estupidez democrática a que autores distintos, em
momentos distintos, como Nelson Rodrigues e Umberto Eco, se referiam
como tendência à imbecilidade numérica reinante —em outras palavras, sua
majestade, a métrica.
A inteligência se sente mal no registro da economia de escala. Tal fenômeno se vê de forma evidente no marketing.
Essa
ciência social aplicada, incapaz de lidar com um mundo que não seja o
seu departamento de negócios, espalha por todos os lados a sua
mediocridade com glitter na lida com a realidade.
É
isso aí —a sociedade de mercado tem uma vocação ao empobrecimento
cognitivo na medida em que opera sob a forma de enxame. Tudo no fim é
sempre o mesmo: o tédio contínuo da publicidade.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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