Hamas usava edifício em Gaza como um de seus centros de operações terroristas; jornal venezuelano não terá segunda chance. Vilma Gryzinski:
Seria
grotesco se não fosse verdade: Diosdado Cabello disse que vai criar uma
faculdade de jornalismo na sede do jornal El Nacional, desapropriada
por ordem de um Supremo Tribunal totalmente aparelhado pelo regime
venezuelano.
Motivo:
o jornal não tem 13,2 milhões de dólares, a quantia de uma indenização
por danos morais a Cabello, o segundo homem – alguns acreditam que o
primeiro – mais poderoso da Venezuela.
É claro que a quantia absurda tem o objetivo de detonar o pouco que ainda resta de independência da imprensa venezuelana.
Cabello
quer ser indenizado por causa de uma reportagem onde é acusado de
narcotráfico, uma atividade que vicejou extraordinariamente na Venezuela
chavista e pela qual o capitão chavista foi indiciado nos Estados
Unidos.
Nicolás
Maduro vai entregar o jornal ao número dois “para seu usufruto
pessoal”, segundo definiu o dono do El Nacional, disse Miguel Henrique
Otero, exilado na Espanha. Cabello tem um programa de televisão chamado
Descendo o Porrete, no qual defende a linha mais dura do regime.
Segundo a visão de Otero, “Maduro tem os ministros e os cubanos e as FARC e o ELN, mas quem tem o poder real é Cabello”
Ele
vê até um possível racha num momento em que Maduro negocia um vago tipo
de acordo político com a oposição, através do governo esquerdista da
Espanha. Talvez seja mas uma expressão de desejo do que realidade.
As
figuras-chave do regime sabem que não podem lutar entre isso porque não
têm para onde correr se a ditadura desabar. Cuba não é exatamente uma
opção entusiasmante para quem estava acostumado com Miami.
A tomada do El Nacional foi comparada, em termos de violações à liberdade de imprensa, ao ataque israelense ao edifício em Gaza onde funcionavam as sucursais da agência de notícias AP e da televisão Al Jazeera, do Catar.
É
uma comparação errada. Por mais erros que se queira atribuir a Israel,
certamente não se pode incluir o de pretender “calar” a cobertura
agressiva na atual fase de guerra aérea em Gaza. Israel tem mais
sofisticação do que isso.
O
bombardeio cirúrgico do prédio Al Jala foi avisado com uma hora de
antecedência, dando tempo a seus ocupantes para que saíssem, levando os
equipamentos que pudessem carregar. Um drone também fez uma pequena
explosão no topo do prédio, avisando sobre o que iria acontecer.
O
governo israelense disse que apresentou aos Estados Unidos a prova
definitiva, o “revólver fumegante”, comprovando que o Hamas usava o
edifício como centro operacional do seu serviço de inteligência,
tornando-o assim um alvo legítimo.
É possível confiar nessa informação?
Como
qualquer país, Israel trava uma guerra de propaganda, onde planta suas
versões, mas é difícil imaginar que pretenda enganar os americanos,
donos de todos os meios disponíveis para saber se uma informação desse
tipo é verdadeira ou fabricada.
“Vou
repetir o que já disse sobre o que havia no edifício: uma unidade de
pesquisa e desenvolvimento do Hamas, inteligência militar do Hamas e
escritórios da Jihad Islâmica Palestina”, afirmou o porta-voz militar
Hidai Zilberman.
Curiosamente,
um artigo escrito em 2014 para a revista The Atlantic pelo jornalista
Matti Friedman traz uma informação extraordinária.
Friedman,
que trabalhou cinco anos para a AP e tem uma visão crítica da cobertura
da agência, por causa do viés anti-israelense, conta que os jornalistas
da sucursal em Gaza, todos palestinos, eram suscetíveis a pressões e
não noticiavam a política de intimidação do Hamas.
“A
equipe da AP na Cidade de Gaza presenciava o lançamento de foguetes
disparados bem atrás da sucursal, colocando em risco os repórteres e
civis das imediações, e a AP não noticiava isso”, escreveu Friedman
sobre eventos da guerra de 2014.
Ele
também anotou o silêncio da agência quando militantes do Hamas
invadiram a sucursal para “reclamar” de uma foto que mostrava uma base
de lançamento de foguetes em outra região. E da maneira como fotógrafos e
cinegrafistas registravam a chegada de civis feridos ao hospital
principal de Gaza, mas baixavam as câmeras quando chegavam os
combatentes armados, praticando a autocensura como forma de poder
continuar na cobertura.
O artigo de Friedman se transformou num relato de importância histórica por indicar uma realidade existente há muitos anos.
Ver
uma sucursal jornalística desaparecer num prédio bombardeado é uma cena
brutal e certamente motivo para o presidente da AP, Gary Pruitt, se
declarar “chocado e horrorizado”. Infelizmente, não pode dizer que foi
uma surpresa.
AP,
Al Jazeera e a organização Repórteres sem Fronteiras pediram uma
investigação internacional. Sally Buzbee, que está deixando o comando da
AP para ser diretora de redação do Washington Post, disse que Israel
não mostrou provas do funcionamento de um organismo do Hamas no prédio
destruído e que, em quinze anos, nunca houve indícios disso.
É
impossível fazer uma investigação independente em Gaza, diante do poder
de intimidação do Hamas, mas com tantos jornalistas envolvidos, muita
coisa será apurada paralelamente. Em algum momento, a verdade vai
aparecer.
E não vai ser através da “faculdade de jornalismo” de Diosdado Cabello.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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