O bombardeio aumenta em época pré-eleitoral, mas os eleitores fiéis já
sabem muito bem quem é o presidente e acham que a opção, Joe Biden, é
pior. Vilma Gryzinski:
Mesmo em plena crise, Donald Trump
está fazendo muita gente ficar rica sem mexer um só dedo: são os
autores de livros, geralmente extremamente agressivos, sobre ele.
Os mais explosivos chegam a vender acima de dois milhões de
exemplares. Os autores ganham entre 8% e 12% do preço de capa. O negócio
é tão bom que o veterano Bob Woodward está em seu segundo livro sobre
Trump, intitulado Rage, ou Ira.
A diferença fundamental entre ele e os outros é que Trump reclamou
não ter sido ouvido para o primeiro livro e, para o segundo, concordou
em dar dezoito entrevistas, uma atitude sem precedentes.
Woodward também falou com ex-altos funcionários, muitos sem sigilo, o
que o distingue da última tentativa de “assassinato político com papel e
tinta”, o longo artigo na Atlantic onde Trump é acusado de desprezar os
militares mortos em guerra como “trouxas” ou coisa pior.
O livro ainda não saiu e as principais informações só foram resumidas por veículos que tiveram acesso a ele. Algumas delas:
1. Trump sabia muito bem da gravidade do novo coronavírus, “uma coisa
mortal”. Desde o começo de fevereiro, recebeu relatos de inteligência
sobre a realidade que já se configurava na China.
“Eu sempre quis minimizar”,
disse a Woodward. “Ainda estou fazendo isso porque não quero causar
pânico”, disse em 19 de março, depois de ter declarado estado de
emergência nacional. “O vírus não tem nada a ver comigo. Não é minha
culpa”, disse Trump na última entrevista a Woodward. “A China deixou
esse vírus maldito se propagar”.
2. Dan Coats, que foi diretor de Inteligência Nacional, “continuou a
ter uma convicção secreta, que aumentou em vez de diminuir, embora sem
ter base em dados de inteligência, de que Putin tinha alguma coisa sobre
Trump”.
A recusa de Trump em fazer ou insinuar a menor crítica ao líder russo
estava na base dessa convicção. “De que outra maneira explicar o
comportamento do presidente? Coats não conseguia ver nenhuma outra
explicação”, escreveu Woodward.
3. Trump não acredita nas mais alianças valorizadas do país, com a
OTAN e a Coreia do Sul. Acha que os Estados Unidos bancam muito o custo e
fazem papel de trouxa.
Sobre “seus” generais, a constelação de estrelados que teve no começo
do governo, declarou: “Eu não diria que eles são tapados, porque nunca
diria isso sobre nossos militares. Mas é uma troca horrível”.
4. A “guerra retórica” com a Coreia do Norte em 2017 deixou o alto
escalão em estado de extrema tensão. Jim Mattis, que era secretário da
Defesa, chegou a dormir vestido, esperando ser convocado a qualquer
minuto para a pior das hipóteses. Também saia para rezar na catedral
nacional de Washington.
Qual a novidade nisso tudo? Fora as declarações com fonte
identificada – além das 27 cartas trocadas entre Trump e Kim Jong Un -, é
pouca coisa.
O próprio Mattis, um venerado general dos marines, já escreveu um
livro em que diz que Trump representa uma ameaça para a própria
constituição americana. Praticamente todo mundo já sai do primeiro
escalão do governo com um livro engatilhado.
Que Trump é inadequado para o cargo, a conclusão de Woodward, é uma
das características mais comentadas desde muito antes de sua eleição,
quando ainda era considerado uma espécie de piada de mau gosto.
O livro de Woodward quase coincidiu, pela data, com o de Michael Cohen, o ex-advogado e faz tudo de Trump que virou delator.
Às conhecidas falhas de caráter do presidente, ele acrescenta um
comentário que fez sobre a reação de Melania Trump quando um de seus
escândalos de infidelidade estourou: “Eu sempre posso arranjar outra
mulher”.
Desde Fogo e Fúria, do precursor Michael Wolff, a imprensa
antitrumpista sonha em detectar em livros sobre o presidente a “prova
definitiva” que vai levá-lo à derrota.
Os livros são lançados, ganham um espaço enorme, fazem a alegria de
autores e editores. E somem do mapa. Para os trumpistas de raiz,
simplesmente não colam.
Quando jornalistas tentam provocar os fieis eleitores evangélicos com
os pecados carnais e comportamentais de Trump, expostos em detalhes tão
constrangedores, a resposta costuma ser resumida assim: “Votamos num
presidente, não num santo”.
Outra característica que costuma ser ressaltada: Trump está cumprindo as promessas feitas ao eleitorado conservador.
Nomeia juízes da Suprema Corte com este critério, manifesta-se contra
o aborto (na prática, pouco pode fazer), enfrenta a ascendente
hegemonia da China de forma tão impensável para outros presidentes como
foi a transferência da embaixada americana para Jerusalém.
Agora, com a explosão de protestos violentos no campo explosivo das relações raciais, é o candidato da lei e da ordem.
Depois de perceber o perigo potencial de deixar a candidatura
democrata se identificar demais com o quebra-quebra, Joe Biden e
assessores estão se reposicionando para atenuar o apoio a manifestações
violentas.
Em todas as pesquisas, Biden apareceu com uma vantagem tão
consolidada que parece impossível Trump se recuperar a tempo de virar o
jogo até 3 de novembro.
Mas os partidários de Trump continuam a mostrar o entusiasmo que é bem mais rarefeito entre os eleitores de Biden.
Numa recente “passeata de barcos” no lago Erie, na região dos grandes
lagos na fronteira com o Canadá, teve até uma sugestão de título, se
não de livro, de filme” “Trump 2020, parte II: Vamos Fazer os Liberais
Chorar de Novo”.
Para os eleitores de Biden, é um filme de terror.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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