Editorial do Estadão
lembra que a Constituição deve ser protegida e respeitada, pois proíbe o
casuísmo da reeleição dos presidentes da Câmara e do Senado. A
alternância do poder é necessária:
Muitas vezes, o texto da Constituição de 1988 é criticado por ser
amplo demais, o que daria margem a interpretações conflitantes. Ao mesmo
tempo, é de reconhecer que, em muitas passagens, o legislador
constituinte foi claro, sem possibilidade de leituras divergentes. É o
que se vê, por exemplo, em relação à proibição de reeleição dos
presidentes da Câmara e do Senado. “Cada uma das Casas reunir-se-á em
sessões preparatórias, a partir de 1.º de fevereiro, no primeiro ano da
legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas
Mesas, para mandato de dois anos, vedada a recondução para o mesmo cargo
na eleição imediatamente subsequente”, diz o art. 57, § 4.º da
Constituição.
No entanto, a despeito da clareza do texto constitucional, há algum
tempo se observam tentativas para autorizar a reeleição dos presidentes
da Câmara e do Senado na mesma legislatura. Ainda no ano passado, diante
da notícia dessas movimentações, o presidente da Câmara, deputado
Rodrigo Maia (DEM-RJ), desautorizou qualquer ação para mantê-lo no
cargo. “Se ele (Alcolumbre) vai tratar desse tema no Senado, vai depois
colocar um problema na Câmara”, disse Maia ao Estado. “Eu não sou
candidato à reeleição em hipótese nenhuma.”
No mês passado, em Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo
PTB, o Senado, por meio de sua assessoria técnica, emitiu um parecer
heterodoxo, defendendo, a despeito dos termos do art. 57 da
Constituição, a possibilidade de reeleição dos presidentes da Câmara e
do Senado.
Segundo tal argumentação, “a função de membro das Mesas das Casas
Legislativas é função de natureza executiva” e que “os cargos das Mesas
do Parlamento desempenhariam indiscutível função atípica de execução
dentro do Poder Legislativo”. E, eis o pulo do gato, depois da Emenda
Constitucional (EC) 16/1997: “... a reeleição para um único período
subsequente está expressamente autorizada no texto constitucional para
os cargos executivos”.
“Se no Poder Executivo se admite a reeleição, também na função
executiva atípica dentro do Poder Legislativo deve-se permitir a
reeleição. Longe de prejudicar, a interpretação constitucional
legislativa em comento favorece a uma maior competitividade no processo
eleitoral parlamentar, pois, na prática, oportuniza que mais candidatos
possam se apresentar ao escrutínio de seus pares na escolha dos
ocupantes dos cargos diretivos das respectivas Casas Legislativas,
aumentando a legitimidade do escrutínio”, disse a assessoria jurídica do
Senado em parecer enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Mais recentemente, sob o argumento de harmonizar o texto
constitucional com a EC 16/1997, a senadora Rose de Freitas (Podemos-ES)
apresentou a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 33/2020, para
modificar o art. 57, § 4.º. Em vez de “vedada a recondução para o mesmo
cargo na eleição imediatamente subsequente”, a senadora propõe permitir
“a recondução para o mesmo cargo para um único período subsequente”.
Em 1997, a aprovação do instituto da reeleição do presidente da
República, governadores e prefeitos foi fundamentada em duas razões –
dar maior amplitude de escolha para o eleitor e possibilitar a
concretização de políticas públicas de longo prazo. Nenhum desses
motivos pode ser aplicado às presidências da Câmara e do Senado. Além
disso, e aqui está o ponto mais contraditório, a EC 16/1997 não produziu
os efeitos esperados, tendo-se mostrado deletéria tanto nas eleições
(disparidade de condições entre os candidatos) como no exercício do
poder (o objetivo do governante se tornou perpetuar-se no poder).
Recentemente, em artigo publicado no Estado, o ex-presidente Fernando
Henrique admitiu que o instituto da reeleição “historicamente foi um
erro”. Na campanha de 2018, Jair Bolsonaro prometeu reforma política
para acabar com a reeleição, mas desde já é candidato à reeleição.
Não há razão para repetir no Legislativo uma medida que não funcionou
no Executivo, onde havia, ao menos em tese, motivos razoáveis para a
sua adoção. Que a Constituição seja protegida e respeitada, proibindo o
casuísmo desta reeleição. A alternância do poder é sempre necessária.
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