O abismo que existe entre o "Planeta Davos" e a população mundial é
insustentável - e não existe elite sem povo, algo que, cedo ou tarde,
Davos e Bruxelas vão descobrir. Artigo de Alexandre Borges para a Gazeta do Povo:
Pedindo desculpas por estar gripada, a filósofa Marilena Chauí, a
mais importante referência intelectual do petismo, ergue-se de uma
poltrona vermelha ao lado de todo o alto comissariado do partido e
dispara: “A classe média é uma abominação política, porque é fascista, é
uma abominação ética porque é violenta, e é uma abominação cognitiva
porque é ignorante. Fim.” É ovacionada pela plateia.
Aquele longínquo maio de 2013 marcou o último capítulo de dez anos de
um Brasil que parecia ideologicamente sequestrado pelo petismo, um
edifício que começa a ruir no mês seguinte com as manifestações de junho
pelos “vinte centavos”. Iniciadas por grupos de extrema-esquerda, a
baderna que macaqueava o Occupy Wall Street americano de 2011 e a
Primavera Árabe saiu do controle dos mascarados e acabou envolvendo toda
sociedade civil brasileira, até então calada e intimidada pela
hegemonia filopetista no debate público. A rachadura criada no casco do
navio ideológico nunca mais foi consertada e o resto é história.
Havia algo naquele momento que unia os jovens radicais de várias
partes do mundo, um sentimento insuflado pela crise econômica mundial de
2008 que passou a mensagem de que havia algo de errado no sistema que
emergiu após o fim da Guerra Fria em que alguns lobos de Wall Street
ganhavam bilhões enquanto a maioria assistia estupefata o achatamento
das classes médias e a desindustrialização estonteante de algumas das
mais ricas nações ocidentais. Com a Grande Recessão, os pacotes
trilionários de dinheiro público para “salvar” banqueiros e
investidores, a população mundial começou a perceber que não havia sido
convidada para a festa, mas iria pagar a conta. E não gostou do que viu.
As reações negativas da população mundial desafiavam as convenções
tradicionais políticas de direita e esquerda, um tema que voltarei mais
vezes. Havia uma percepção de que o sistema festejado nos salões
luxuosos de Bruxelas e Davos não levava em conta as reais necessidades
do homem comum que via indústrias sendo transferidas para países
distantes com mão-de-obra barata enquanto uma quantidade desenfreada de
imigrantes era importada pelas mesmas elites que exportavam empregos
para achatar ainda mais a massa salarial e disputar vagas cada vez mais
escassas em casa.
Os níveis de violência urbana aumentavam, a renda e o emprego sumiam,
os índices de suicídios e consumo de drogas entre trabalhadores médios
disparavam, mas as elites ocidentais continuavam estourando seus
champanhes como se estivéssemos todos rumando ao paraíso. Assim como os
reis franceses que criaram Versalhes para não ter que lidar com o povo
visto como fétido, ignóbil e desprezível há três séculos, o novo
baronato progressista via as agruras de seus concidadãos com o mesmo
desdém e esnobismo. A panela de pressão social estava prestes a
estourar.
Durante a campanha presidencial americana de 2016, a candidata
Hillary Clinton, uma figura que simboliza como poucas a elite
progressista globalizada, dispara que nada menos que metade dos
eleitores de Donald Trump era “racistas, sexistas, homofóbicos e
xenófobos”, rotulados em conjunto como “um saco de deploráveis”. A frase
pode ter selado o destino daquela eleição. No mesmo ano, os eleitores
britânicos votaram majoritariamente por recuperar sua soberania
sequestrada pela União Europeia. Foi o fim de uma era.
Nos últimos quatro anos, diversos autores ligados a essas elites
tentaram explicar o fenômeno que encerrou a ordem mundial progressista e
“pós-política” iniciada nos anos 90 com o mesmo entojo de seus
contratantes. O populismo seria uma reação de uma classe média que
representava um entrave ao desenvolvimento da nova ordem chique, moderna
e globalizada, uma gente com pautas anacrônicas, um povo ignorante e
odioso, homens das cavernas que mereciam a lata de lixo da história.
A distância econômica, cultural, política e social entre os
habitantes do “Planeta Davos” e a população mundial só aumentou desde
2016 e poucas lições parecem ter sido aprendidas pelos que continuam
considerando o povo “um saco de deploráveis” que merece, no máximo,
inclusão em programas assistencialistas para continuarem dirigindo os
carros, servindo as mesas e cortando a grama das mansões desta elite
enquanto não são substituídos por robôs.
O abismo que separa estes dois mundos é insustentável e não existe
elite sem povo, algo que, cedo ou tarde, Davos e Bruxelas vão descobrir.
É torcer para que esse reencontro seja pacífico e cordial de ambos os
lados.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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