Na surdina, O Livro Vermelho de Mao continua a guiar revolucionários sanguinários. Paulo Polzonoff Jr. para a Gazeta:
Imagine um livro de terror mais assustador e mais mal escrito do que O
Iluminado, de Stephen King. Um livro impresso e distribuído aos milhões
(há quem fale em bilhões) e cujo objetivo não é a apenas virar página
após página sentindo o coração bater mais forte, e sim exterminar os
reacionários e os imperialistas.
E agora pense que esse livro está sendo usado na surdina (e às vezes
nem tão na surdina assim) para fomentar movimentos revolucionários
violentos como o Black Lives Matter. Estou falando do infame, ignóbil,
sórdido e torpe O Livro Vermelho de Mao, carinhosamente chamado pelos
maoístas de O Livrinho.
Publicado entre 1964 e 1976, a coletânea da “sabedoria” do Grande
Timoneiro foi leitura obrigatória na China da Revolução Cultural. Depois
da morte do Camarada, O Livrinho se tornou motivo de riso e escárnio
como símbolo da insanidade maoísta. Ressurgido das trevas, hoje suas
palavras de ordem lançam luz sobre os objetivos de grupos como Antifa e
BLM – dedicados a transformar a sociedade por meio de uma revolução
cultural de clara inspiração chinesa.
Ao longo das últimas semanas, tive o questionável prazer de ler as
poucas páginas do Livro Vermelho de Mao. E não, você não leu errado.
Demorei semanas para chegar à página final porque, de vez em quando,
tinha de parar, respirar, sair à sacada e tentar me convencer de que
não, não existe gente querendo reviver o pesadelo proposto por Mao
Tsé-Tung.
Qualidade improvável
Se há uma qualidade improvável em O Livro Vermelho de Mao é a forma
explícita com que ele expressa, sem qualquer constrangimento, o desejo
por sangue. Mao Tsé-Tung, ou quem quer que tenha escrito aquelas
palavras (antes de ter sido enviado para um campo de trabalhos
forçados), não é como a esquerda-fofinha brasileira, que usa palavras
como "amor" e "tolerância" para pregar uma ideologia baseada no
ressentimento e na inveja. É tudo muito preto no branco mesmo.
Logo no começo, por exemplo, Mao justifica historicamente sua
proposta de eliminação da classe inimiga. “Luta de classes, algumas
classes triunfam e outras são eliminadas. Assim é a história, assim é a
história da civilização há milhares de anos. Interpretar [o mundo] a
partir desse ponto de vista é materialismo histórico; sustentar o ponto
de vista contrário é idealismo histórico.”
Sem muitas delongas, Mao continua dizendo que “o inimigo não morrerá
por si só” e que “a revolução não é um convite para um jantar; é uma
insurreição, é um ato de violência pela qual uma classe derruba a
outra”.
Não há, no Livrinho Vermelho, qualquer sugestão de convivência entre
ideias diferentes. Contrariando qualquer noção básica de compaixão e
respeito, Mao condena até mesmo as pessoas que não têm inimigos. “Se a
pessoa não é atacada por um inimigo é porque desceu ao nível dele”,
escreve. “É bom se formos atacados pelo inimigo. Isso prova que traçamos
uma clara linha de marcação entre nós e eles”.
Coraçãozinho com as mãos
Muitas outras coisas chamam a atenção nesse panfleto carniceiro. Mas
aqui destaco duas: o anti-intelectualismo e o inegável ar de
superioridade moral com que Mao se refere ao povo. “Os intelectuais não
gostam do nosso Estado de ditadura do proletariado e suspiram pela velha
sociedade. Sempre que surge uma oportunidade, fomentam desordens,
tentam derrubar o Partido Comunista e restaurar a velha China. Tais
indivíduos encontram-se nos círculos políticos, industriais, comerciais,
educacionais, científicos, tecnológicos e religiosos, e são
reacionários em extremo”, escreveu Mao.
Para, logo em seguida, revelar o que há por trás dos movimentos que
hoje tomam conta das universidades e das ruas, derrubando estátuas e
pregando novas formas de segregação, e até mesmo de líderes tupiniquins
sempre dispostos a usar o microfone para dizer que o povo não sabe
votar. “Entre as características dos seiscentos milhões de chineses
destaca-se o fato de estarem na pobreza e em branco. Aparentemente isso é
uma coisa má, mas na realidade é uma coisa boa. A pobreza provoca o
desejo de mudança, de ação e revolução, e numa folha em branco é
possível pintar os mais frescos e belos caracteres, os mais frescos e
belos quadros”.
Rousseau não escreveria melhor. Neruda não faria poesia melhor.
Também no Livrinho encontramos a perversão do pensamento aristotélico
segundo o qual o homem é um animal político. Não à toa, o conflito é
defendido pela esquerda contemporânea em termos bélicos e estimulado nas
redes sociais pelo uso do lugar-comum “tudo é política”. Mao propõe um
estado de guerra permanente. “A guerra é uma continuação da política por
outros meios. Quando a política se desenvolve para uma certa etapa além
da qual já não pode progredir por meios habituais, a guerra eclode para
remover do caminho os obstáculos. Quando os obstáculos são removidos e o
objetivo político alcançado, a guerra termina. Mas se os obstáculos não
são completamente removidos, a guerra tem que continuar. Pode-se dizer
que a política é a guerra sem o derramamento de sangue, e a guerra, a
política sangrenta”.
Ainda com dúvidas a respeito da influência do Livro Vermelho de Mao
sobre os movimentos revolucionários contemporâneos? Talvez essas duas
passagens esclareçam o porquê das arruaças dos justiceiros sociais nos
Estados Unidos. “ Todos os comunistas devem compreender a seguinte
verdade: o poder político nasce do fuzil”, escreve Mao. E, da próxima
vez que você vir Manuela D’Ávila fazendo coraçãozinho com as mãos,
talvez seja o caso de se lembrar dessa minimáxima do Grande Timoneiro:
“A tarefa central e a forma suprema da revolução é a conquista do poder
político pelas armas, é a solução desse problema pela guerra. Esse
princípio revolucionário do marxismo-leninismo é válido universalmente,
tanto na China como em todos os outros países”.
Contradição e “ideias corretas”
Num único momento Mao Tsé-Tung (ou seu ghostwriter) cai em
contradição. Depois de páginas e mais páginas pregando a guerra e a
eliminação dos inimigos, e dizendo que a convivência entre os diferentes
é impossível, um Mao Ternurinha diz que “A única via de resolver as
questões de natureza ideológica ou as controvérsias no seio do povo é o
uso do método democrático, da discussão, da crítica, persuasão e da
educação, e nunca o uso do método de coerção ou repressão”.
Esse trecho destoa tanto do restante que alguém um pouco mais
paranóico do que eu desconfiaria que se trata de um trecho
“contrabandeado” para apelar a uma esquerda democrática. Mas só acredita
na balela de que Mao via mesmo a “persuasão e educação” como forma de
resolver questões de natureza ideológica aqueles que também acreditam na
pureza de movimentos como Black Lives Matter ou, para usar uma
referência mais doméstica, MST.
Mao fala ainda do papel da arte na Revolução, dá instruções sobre a
organização do exército, tenta convencer o leitor de que sua guerra é
justa e faz considerações sobre a industrialização da China. É possível
passar horas e horas destacando cada disparate escrito por Mao e posto
em prática por seus asseclas, sempre com consequências trágicas. Mas me
falta estômago para empreitada tão nefasta.
Encerro, pois, com um trecho bastante significativo, porque usa duas
expressões reveladoras do pensamento coletivista que domina nosso tempo:
“existência social do homem” e “ideias corretas”. Esse trecho expressa a
essência do comunismo, com seu objetivo de uniformização e
aniquilamento da individualidade, e sobretudo com sua arrogância em
querer controlar a Humanidade a fim de criar um Paraíso na Terra –
empreitada que sempre se provou infernal.
“A existência social do homem determina o seu pensamento. Uma vez
dominadas pelas massas, as ideias corretas que caracterizam a classe
avançada tornam-se uma força material, capaz de transformar a sociedade e
o mundo”, escreve Mao.
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BLOG ORLANDO TAMBOSI

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