Duas razões: todos nós crescemos em famílias, que são pequenas
comunidades socialistas; e na economia contemporânea é difícil
estabelecer a conexão entre esforço e recompensa. Deirdre McCloskey, via
Revista Oeste:
A boa e velha piada, um pouco grosseira, é que qualquer um que não
seja socialista aos 16 anos não tem coração, mas qualquer um que ainda
seja socialista aos 26 não tem cérebro. Eu mesma passei por isso.
Centenas de milhares de pessoas supostamente inteligentes e bem formadas
desde 1848 ou 1917 ou 1968 amavam o socialismo na adolescência, mas,
quando adultas, passaram a detestá-lo ou, no máximo, a enxergá-lo como
um amor de infância — na verdade, um amor de infância bem bobo.
Você pode deduzir por conta própria a partir da quantidade de
biografias desse tipo. Centenas de milhares que decidiram “experimentar o
socialismo” escreveram sobre o fracasso. Se estiver disposto a
descobrir o porquê, recomendo a leitura de Everything Flows (1964),
romance excelente, curto e inacabado de Vasily Grossman sobre a vida na
União Soviética.
As pessoas vão dizer, “Ah, não estou falando do socialismo soviético,
maoista nem da Coreia do Norte. Sou a favor da ‘economia mista’”. Mas
as partes da economia “mista” que funcionam são basicamente as partes
livres, o comércio e as fábricas chinesas, em oposição às empresas
estatais e aos gloriosos projetos pessoais do Estado. No Brasil, as
clínicas particulares de cirurgias cosméticas funcionam muito bem.
Imagine uma cirurgia feita pelos Correios e você vai entender do que
estou falando. Ou vamos olhar para o grande exercício de vaidade
brasileira que é Brasília. Preciso dizer mais?
Os índices de constatação variam. O escritor de Chicago Saul Bellow
afirmou sobre seu trotskismo passado que, “como todo mundo que investe
em doutrinas na juventude, eu não podia abrir mão delas”. As pessoas
chegam à adolescência para acreditar que odeiam a burguesia (seus pais)
ou para detestar as economias de livre mercado (ainda que frequentem
cafés) ou para acreditar piamente no Estado do bem-estar social ou
regulatório (que, com muita frequência, falha).
O socialismo torna-se parte de uma identidade adorada, uma crença difícil de mudar.
No entanto, muito poucos seguem o caminho inverso. Muito poucos
começam aos 16 como conservadores e se tornam comunistas. Menos ainda
começam como liberais de fato, como a incrível rede Students for Liberty
Brasil, e se tornam socialistas aos 26 anos. Ou 36. Ou 76. Vamos
considerar o que o filósofo Leszek Kolakowski (1927-2009) escreveu
quando era um jovem polonês desiludido em 1956, época em que o comunismo
tinha mostrado a que veio, publicando uma longa lista de “o que o
socialismo [honesto, verdadeiro] não é”. O socialismo não é “um Estado
convencido de que ninguém pode fazer melhor” nem “um governo que sempre
sabe melhor que seus cidadãos onde reside a felicidade de todos esses
cidadãos”. Vamos pensar também em Robert Nozick, filósofo
norte-americano que começou como um socialista quando estava na casa dos
20, mas, aos 36, em 1974, redigiu o clássico liberal Anarchy, State,
and Utopia. Ou ainda uma safra anterior de convertidos, como Arthur
Koestler encontrando a escuridão ao meio-dia, ou o que George Orwell
teria concluído se tivesse sobrevivido à tuberculose e visto mais da
revolução dos bichos na União Soviética. Mais uma vez, vejamos Grossman.
O socialismo existente de fato, em oposição ao não socialismo real de
um país como a Suécia, obviamente tem sido terrível, como é o caso da
Venezuela.
No fim das contas, o poder sobre a economia tende a corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente.
E até os ideais românticos do socialismo, tão atraentes para a
juventude, são absurdamente inconsistentes em relação aos fatos, como
Kołakowski demonstraria em sua enorme obra sobre a história do
socialismo europeu, Main Currents of Marxism. Eles prometem uma
liberdade do trabalho que, ainda assim, nos enriquece, um plano central
contra a tirania, e liberdades individuais que ficam estritamente
subordinadas a uma vontade geral. Essa juventude…
No entanto, ah, como acalenta esse primeiro amor por sair mandando
nas pessoas para auxiliar a Justiça e a Revolução! Em um programa de
televisão britânico de 1994, o escritor e político liberal Michael
Ignatieff perguntou, com ceticismo, ao brilhante historiador Eric
Hobsbawm (1917-2012), comunista de uma vida toda, se “o assassinato de
15, 20 milhões de pessoas” na URSS sob Lênin e Stálin, em uma estimativa
baixa, “podia ser justificado” diante de sua contribuição para que uma
sociedade comunista fosse fundada. Hobsbawm, sem hesitação, respondeu:
“Sim, assassinar tanta gente foi justificado”. Implacável. Ou um quê de
linha partidária. Ou agressivo. Oh, Eric.
As pessoas mais tristes, e as mais perigosas quando estão no poder,
nunca superam. Bernie Sanders, Jeremy Corbyn e eu temos a mesma idade.
Aos 18 anos, todos os três tínhamos a mesma opinião: nas palavras do
hino do Partido dos Trabalhadores britânico, “A bandeira do povo tem o
vermelho mais profundo./ Ela muitas vezes protegeu nossos mártires
mortos./ Ela testemunhou muitos feitos e juramentos./ Não devemos mudar
sua cor agora”*.
Em 2020, aos 77 anos, Bernie e Jeremy mantêm a opinião que tinham em
1960. Nada de aprender com questões históricas, nada de evidências
acumuladas a partir de horríveis consequências impensadas, nada de 20
milhões, 30 milhões de assassinatos.
Isso demonstra um orgulho teimoso. “Vamos deixar a bandeira vermelha
hasteada aqui.” Em sua envolvente autobiografia de 2002, Hobsbawm
descreve como queria se tornar comunista aos 14 anos e o fez aos 16 —
ainda que, pensando bem, na Alemanha, em 1931, quem, como Eric, não iria
querer se tornar algo como um comunista? Afinal, parecia que a inovação
liberal estava em declínio. Ninguém que tivesse um coração. (A verdade é
que, em 2002, seria possível perguntar sobre o cérebro.)
Hobsbawm faz uma pausa em seu livro de tempos em tempos para explicar
por que — diante dos crimes de Stálin, da repressão aos protestos
húngaros e do resto dos desastres do socialismo até chegar à Venezuela —
só deixou de ser um membro exemplar, ainda que não ortodoxo, do Partido
Comunista da Grã-Bretanha alguns meses antes de sua dissolução, em
1991. A explicação, estranha para um homem tão inteligente, era que ele
não queria dar essa satisfação para os macarthistas antissocialistas.
Fiel até o fim, o bom senso que se dane.
É um pouco como o ateísmo aos 16 que garotos e garotas inteligentes
adotam, sem nunca reconsiderar, e isso jorra da boca de idosos de 77
anos que, nesse meio-tempo, nunca abriram um livro sério sobre teologia.
É o que ocorre também com socialistas convictos.
Marxistas, marxianos e marxoides, no meu país e no seu, muitos deles
amigos queridos, nunca abriram um livro sério sobre economia publicado
depois de 1867.
A verdade é que os jovens “socialistas” de hoje em dia nunca abriram
um único livro, nem mesmo de Marx. Eles confiam em posts de blogs de não
leitores.
Mas então por que, com tanta frequência, o socialismo representa esse
primeiro amor, de um jeito ou de outro, se por acaso você, como eu,
devorou — na biblioteca pública de Wakefield, Massachusetts, financiada
pelo empresário e filantropo Andrew Carnegie (1835-1919) — Mutualismo,
do príncipe Piotr Kropotkin, ou Dez Dias que Abalaram o Mundo, de John
Reed, em vez de A Revolta de Atlas, de Ayn Rand, ou Capitalismo e
Liberdade, de Milton Friedman?
Duas razões, e ambas podem ser testadas. A primeira é que todos nós
crescemos em famílias, que obviamente são pequenas comunidades
socialistas — “de cada um, uma habilidade; para um de acordo com a
necessidade”. Os amigos também são assim. Erasmo de Rotterdam começava
toda edição de sua compilação de milhares de provérbios latinos com
“tudo é comum entre amigos”. Isso mesmo. Se você compra uma pizza para a
festa, mas avisa “eu paguei, então posso comer tudo”, você não será
mais convidado.
Portanto, quando uma adolescente em uma sociedade livre descobre que
existem pessoas pobres, seu impulso generoso é trazer todo mundo para
uma família de 210 ou 330 milhões de parentes. Ela não teria esse
impulso se tivesse sido criada em uma sociedade que não é livre,
aristocrática ou totalitária, em que a hierarquia foi naturalizada.
Aristóteles, tutor de aristocratas, afirmou que algumas pessoas são
escravas por natureza. E Napoleão, o porco comissário de A Revolução dos
Bichos, disse “todos os animais são iguais, alguns mais iguais que
outros”. A escritora Margarete Buber-Neumann (1901-1989), observadora
das realidades soviéticas nos anos 1930, ficou impressionada ao
descobrir que “as estâncias de luxo para funcionários do governo se
dividiam em nada menos que cinco níveis de luxo para os diferentes
escalões da hierarquia comunista”. Alguns anos depois, ela encontrou
essa estratificação social reproduzida em seu campo de detenção.
A outra razão, como argumenta o economista Laurence Iannaccone, é que
quanto mais complexa se torna uma economia, e quanto menos as pessoas a
compreendem a partir de seu trabalho com os frutos diretos, menos óbvia
se torna a ligação entre seu trabalho e suas recompensas. Para uma
pessoa inserida em uma grande empresa, e ainda mais para alguém em um
escritório do governo em Brasília, nada parece importar. Basta ver a
tira de quadrinhos Dilbert. Em contraste, uma pessoa, até mesmo de 16
anos, que trabalha em uma fazenda de subsistência em Alagoas identifica
imediatamente a conexão entre esforço e recompensa. Como o apóstolo São
Paulo já o fazia, o que se observa em sua epístola aos cristãos de
Tessalônica: “Quem não quiser trabalhar também não deve comer”. Essas
regras são a única forma, em qualquer coisa que não seja um pequeno
grupo profundamente amoroso ou altamente disciplinado, de conseguir que
uma pizza grande seja feita.
Ambas as razões para o socialismo juvenil parecem culminar agora. Faz
muito tempo desde a queda do Muro de Berlim. Temos cada vez mais
adolescentes sem experiência profissional, que não vivem em fazendas,
que não estão inseridos em um sistema escravagista nem em uma economia
socialista existente de fato, e que ainda vêm de pequenas sociedades de
famílias e amigos.
Contudo, ao menos em um aspecto, o Brasil está melhor que os EUA no questionamento do socialismo tolo.
No Brasil vocês têm, como já mencionado, literalmente centenas de
grupos país afora do maravilhoso Students for Liberty, uma série de
fundações liberais de fato que querem que todos sejam verdadeiramente
livres — gays, mulheres, trabalhadores, moradores das favelas do Rio de
Janeiro, pessoas que desejam abrir um negócio no Recife, mesmo que não
seja isento de impostos.
Meus amigos socialistas de meia-idade nas universidades discordam.
Corey Robin, cientista político na Brooklyn College, escreveu
recentemente e de modo apaixonado sobre a nova onda socialista entre os
jovens: “Sob o capitalismo, somos forçados a adentrar o mercado apenas
para viver. Os libertários veem o mercado como sinônimo de liberdade.
Mas os socialistas ouvem ‘mercado’ e pensam num pai ou mãe ansioso,
desesperado por não ofender o funcionário do seguro no telefone, para
que ele não decrete que a apólice paga não cobre a cirurgia do apêndice
de seu filho ou filha… Sob o capitalismo, somos forçados a nos submeter
ao chefe”.
Certo. E sob o socialismo somos forçados a nos submeter ao Estado e
sentir uma ansiedade idêntica, só que causada por uma arma, e não por um
talão de cheques. Isso faz lembrar a velha piada antissocialista. Sob o
capitalismo, os humanos exploram humanos. Sob o socialismo, é o
contrário.
*
“The people’s flag is deepest red./ It sheltered oft our martyred
dead./ It witnessed many a deed and vow/ We must not change its color
now.”
A economista americana Deirdre
McCloskey é professora de Economia, História, Língua Inglesa e
Comunicação da Universidade de Illinois, em Chicago (UIC). É autora dos
livros The Rhetorics of Economics (1985) e Bourgeois Equality — How
Ideas, Not Capital or Institutions, Enriched the World (2016). É uma das
maiores pensadoras liberais do mundo.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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