Os escritores Roger Scruton e Fabrice Hadjadj mostram, cada um do seu
jeito, que “conservação” e conservadorismo não são palavras próximas à
toa. Artigo de Rafael Salvi para a Gazeta:
Independentemente de se crer ou não no aquecimento global, ninguém
nega que, desde a Revolução Industrial, as mudanças que o ser humano
realizou no mundo são incomparáveis com o que havia sido feito até
então. Não demoraria muito para que os problemas ambientais decorrentes
da ação humana começassem a inquietar corações e mentes.
Talvez a primeira reação moderna a essa intrusão humana na natureza
seja o Romantismo, com Wordsworth e Keats e seus idílios, e Dickens e
seus romances críticos à sociedade industrial – apenas para citar os
ingleses.
Mas as inovações tecnológicas foram muito além do que o mais otimista
defensor do “progresso” poderia sonhar e mais do que o mais pessimista
dos românticos poderia lamentar. Hoje, os problemas ambientais fazem
parte das discussões cotidianas, seja pelos anúncios catastróficos, pelo
enésimo acordo firmado entre países para retardar o aquecimento global
ou mesmo pelas tragédias mais próximas e reais, como o vazamento
radioativo da usina nuclear de Fukushima ou o rompimento da barragem de
rejeitos de Brumadinho.
Seja lá qual for o gancho da discussão, em geral o culpado já está
identificado: o capitalismo, com sua insaciável voracidade pelo lucro –
e, por extensão, seus defensores e teóricos. É claro que, em desastres
ambientais de grande proporção, megaempresas são grandes candidatas a
estarem envolvidas, mas o acidente de Chernobyl já deveria ter sido o
suficiente para baixar a pretensão dos inimigos da liberdade de mercado.
O quase monopólio da esquerda sobre os temas ambientais, contudo, faz
com que nos perguntemos se liberais e conservadores teriam algo a dizer
sobre o assunto. Vamos, portanto, dar uma pincelada no que seria o
pensamento “de direita” sobre o meio ambiente.
Roger Scruton
Talvez quem tenha tratado desse assunto com maior destreza foi o
filósofo inglês Roger Scruton, , falecido recentemente. Seu livro
Filosofia Verde, Como pensar seriamente o planeta é um resumo claro e
instigante do que seria a aplicação do pensamento conservador para a
solução dos problemas ambientais.
Um dos princípios básicos do conservadorismo é a subsidiariedade, ou
seja, os problemas devem ser enfrentados o mais localmente possível.
Mas, se o problema do clima é global, não seria necessário um governo
forte o suficiente para aplicar leis no mundo inteiro? Não
necessariamente.
Sim, as questões ambientais devem ser enfrentadas por todos, mas “na
esfera das circunstâncias diárias, para que não sejam confiscadas pelo
Estado”, diz Scruton. Alguém poderia objetar (talvez Greta Thunberg) que
muitas campanhas de conscientização são feitas e que isso tem sido
insuficiente para mudar a atitude das pessoas. Segundo Scruton, isso
acontece porque as campanhas de massa são abstratas demais. Ele cita o
conceito de oikophilia, o amor que se tem pelo lar, que seria o fator
motivacional necessário para mover as pessoas.
Em outras palavras, ninguém se levantaria para salvar o planeta, ou
reduzir em X por cento as emissões globais de carbono, mas muita gente
poderia se interessar em recuperar o córrego a cinco quadras de sua casa
– caso pudessem se associar e ter os meios para tal. Nesse caso, sim, o
Estado serviria como um facilitador ou criador de condições.
Scruton defende “as iniciativas locais contra os esquemas globais, a
associação civil contra o ativismo político e as fundações de pequeno
porte contra as campanhas de massa”. Antes que o acusem de “bairrismo”, o
filósofo inglês, expande a ideia de “local” para o pertencimento à
própria nação em que está inserido o indivíduo: “o território [é] o
objeto de um amor que encontrou a sua mais forte expressão política por
meio do Estado-nação”.
Portanto, se queremos preservar o nosso solo não é só porque está
próximo de nós, mas porque também é a terra de nossos antepassados,
local da história de nosso povo – nossa homeland.
Muitos outros temas são tratados no livro, mas para não estragar o
prazer de sua leitura, abordarei apenas mais um, que me parece capital: o
problema da “terceirização dos custos ambientais”.
No artigo Conservatism and the Enviroment [Conservadorismo e meio
ambiente], Scruton equaliza o problema da seguinte forma: “O mercado
deixa de entregar soluções aos problemas do meio ambiente quando os
participantes podem externalizar seus custos – em outras palavras,
quando eles podem escapar às regras internas do sistema”.
Esses problemas tendem a acontecer com empresas muito grandes, que
não dependem de um terra, ou pátria, para atuar. Assim, uma
multinacional pode explorar vorazmente um recurso natural e partir para
outro, deixando o custo de sua degradação para a comunidade local.
Situações como essa exigem uma resposta, seja por meio do Estado (com a
aplicação de leis) ou da sociedade.
Scruton vê com melhores olhos a segunda opção, na qual a comunidade
local pode, por meio de associações ou cooperativas, explorar os
recursos naturais. Pois, estando eles ligados àquele meio, não quererão e
nem poderão externalizar os custos do exaurimento do meio ambiente. É
claro que o mundo anglo-saxão tem muito mais tradição em associativismo,
e casos bem-sucedidos de preservação ambiental podem ser vistos por lá,
como nos casos das associações de caçadores, mas não podemos deixar de
aprender com o que funciona.
Fabrice Hadjadj
Outro autor conservador que sempre acaba abordando problemas
ambientais em suas palestras é o filósofo francês Fabrice Hadjadj. Ele
leva suas reflexões a um plano mais pessoal e acrescenta aos problemas
ambientais os problemas das novas tecnologias e do transumanismo.
Hadjadj segue e aprofunda o pensamento católico sobre o clima contido
na encíclica Laudato sí (o que nos dá a vantagem de abordar en passant
as ideias da Igreja Católica sobre o tema) e nos fornece alguns insights
interessantes sobre os problemas do “paradigma tecnoeconômico” atual.
Entre maio de 2016 e julho de 2017, o filósofo escreveu uma série de
artigos intitulada As últimas notícias do homem para o jornal italiano
Avvenire. É a partir destes artigos que proponho essas reflexões.
Um dos grandes problemas do espaço público atual no Ocidente é
ausência da questão do sentido. Todas as questões realmente importantes
são enviadas para a “esfera privada”. Isso aconteceu após a Reforma
Protestante, quando o Estado, colocado em uma situação nova de
pluralismo religioso, substituiu os critérios de discussão pública para
questões de comércio – em reação às constantes guerras inter-religiosas.
Uma série de filósofos, de Monstequieu a Kant, defendeu essa visão.
Segundo essa perspectiva, como as relações comerciais promovem a
dependência e a cooperação mútua entre nações, “quem promove o
liberalismo é um construtor da paz”. Mas Hadjadj denuncia os erros desse
pensamento: “Esta lógica, a mesma da globalização, leva a uma
maravilha: um chefe de Estado europeu, defensor dos valores
republicanos, não terá dificuldade para apertar a mão de um emirado
wahabita, partidário da sharia”.
Ironias à parte, o problema de adotar um critério meramente
mercadológico nas discussões públicas é que “a única guerra que o
liberalismo pode tolerar é a guerra contra a natureza: dado que é
impossível pensar num progresso moral ou espiritual comum, a distração
substitui a conversão e não resta outra coisa senão colocar-se em marcha
em direção ao progresso tecnológico”.
Estando já há cerca de 200 anos nessa marcha desenfreada, sem parar
um momento sequer para olhar o mapa, a sociedade tem na tecnologia
tantos problemas quanto soluções. É só pensar, por exemplo, na profusão e
onipresença dos gadgets. Sobre eles Hadjadj comenta: “Essa fascinante
virtude do virtual – nos propor o mundo inteiro numa garrafa –
corresponde a um vício bem conhecido: a avareza. O avaro senta-se sobre
seu monte de ouro [...] sem jamais reduzir o soldo pela aquisição de um
bem material [...] com seu peso, seus contornos, sua materialidade.
[...] A inovação constante não permite nenhum progresso real da pessoa:
ela propulsiona-a sempre mais rápido num giro sempre maior, em que os
lançamentos se multiplicam sem cessar, mas sem que se possa jamais tomar
posse de um, pois isso seria falhar com os outros”.
Mas Hadjadj não é um defensor do abandono do homem à natureza
primitiva. “O meio ambiente para nós não é nunca o da natureza pura, mas
[graças a capacidade imaginativa do homem] o de uma natureza mediada
por uma cultura”, escreve. Quer um exemplo? Não se costuma ouvir que,
para resolver os problemas ambientais, o homem deve se reconectar com a
natureza? Até os termos que usamos para colocar os problemas e apontar
soluções estão viciados pelo meio hipertecnológico. Quão distante isso
está da verdadeira cultura, que depende da lenta e contínua ação da
natureza para que as plantas cresçam e deem frutos. Portanto, ao menos
no plano pessoal, Hadjadj nos exorta a retomarmos as técnicas
“encarnadas”, em que o esforço físico, ou a produção “de proximidade”,
se alia ao savoir-faire. E isso vai desde a simples compra de comida a
granel para evitar a profusão de embalagens a técnicas artesanais e
familiares de produção.
Hadjadj não apresenta soluções em nível social, como faz Scruton, mas
sua leitura nos inquieta no plano individual. E ambos mostram que
“conservação” e conservadorismo não são palavras próximas à toa.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário