Paulo Briguet escreve, na Folha de Londrina,
sobre o "devastador" filme "One Child Nation", sobre a política do
"filho único" praticada na China comunista entre 1979 e 2015:
Dias atrás recebi um texto de minha leitora Viviane Marques Manabe
sobre o filme “One Child Nation”, da cineasta chinesa Nanfu Wang.
Trata-se de um documentário sobre a “política do filho único” adotada
pela China comunista entre 1979 e 2015. Assisti ontem ao filme e tenho
apenas um adjetivo para defini-lo: devastador. Compartilho com vocês as
palavras de Viviane, que é funcionária pública e mãe de duas crianças:
“Quando assisti ao documentário ‘One Child Nation’, a angústia tomou
conta do meu coração, sendo mãe de dois meninos que muito sonhei em ter,
que esperei com cuidado e pelos quais faria tudo, até dar minha vida.
As crianças nascem. É assim que funciona na natureza. Porém, na
República Popular da China, apenas um filho era permitido. O Estado
trataria de demolir o telhado de sua casa caso você não matasse ou
abandonasse o seu segundo filho. As famílias eram acossadas e não podiam
reagir de forma alguma: apenas obedeciam às leis infames. As mulheres
eram obrigadas a abortar com enfermeiras enviadas às vilas para esse
fim. Também eram esterilizadas à força. Choravam ao ver seus fetos
mortos e eram obrigadas a abandonar na rua seus bebês.
Os traficantes de pessoas encontraram facilidades. Lixões cheios de
sacos de fetos... Crianças andando pelas ruas sozinhas, em sua maioria
meninas... Nos orfanatos, a grande maioria era de meninas, porque os
meninos levam o nome da família e as meninas eram consideradas árvores
secas que não dão fruto. Ora, se são as meninas que podem engravidar e
dar à luz outras vidas? Que absurdo é esse?
Contudo, não adiantava lutar: eram ordens do Estado. Se você só pode
ter um filho, que seja homem. E assim foi feito. Por todos os lugares —
no teatro de rua, no rádio, na televisão, nas mensagens espalhadas pelos
muros do país — a propaganda estatal diz quanto é ‘linda’ a política do
filho único, muito boa para todos, o melhor para a nação.
Mas, de repente, uma menina chinesa que vivia nos EUA pensou: ‘Por
que minha família me abandonou em um orfanato?’ Ela não entendia por que
foi rejeitada. A família desta menina inicia uma investigação
particular que se torna muito e muito maior, se transforma em um banco
de DNA para encontrar parentes biológicos. Fotos de bebês de toda a
China publicadas em jornal para adoção do ano de 2003, inúmeras fotos
daquelas carinhas redondas de bebês. O Estado avisa: foram encontrados
na rua e serão encaminhados para a adoção.
Muitas adoções aconteceram — perto de 130 mil, segundo o documentário
—, mas, considerando que essa política durou até 2015, o número me
parece baixo. Uma parteira chinesa declara que ela mesma abortou mais de
50 mil crianças; com mais de 80 anos, ela agora ajuda pessoas com
problemas de fertilidade. ‘Quero me redimir do meu pecado’. O pai que
abandonou a filha chora porque sabe que seu bebê indefeso morreu sem
abrigo e sem alimento... ‘Eram ordens do Estado.’
A política do filho único era uma guerra do Estado contra o próprio
povo. O que me parece muito triste é que ainda hoje há quem defenda este
tipo de intervenção do Estado na vida das pessoas, mesmo sabendo de
todas as experiências falidas. Que Deus tenha piedade das mães que
tiveram que abortar à força seus filhos, que foram esterilizadas como
animais, e que Ele recolha todas as almas inocentes que foram arrancadas
da vida. Que as meninas que foram adotadas possam conhecer seus
parentes se quiserem... Que a vida delas seja boa, porque ao menos
tiveram uma chance. Que elas possam ser livres para ter seus filhos e
que sejam agradecidas por suas vidas.”
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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