A crônica de Alberto Gonçalves no Observador, sobre a lamentável política portuguesa: "nas
presidenciais” do ano que vem, além de dois ou três exotismos
leninistas, é provável que a direita-capacho, ou castrada, enfrente a
direita-carrasco, ou sedenta de castrar":
Foi impressionante o número de portugueses interessados nas eleições
internas do PSD e do CDS: quase nenhuns. Foi pena, visto que os
respectivos resultados mostram com relativo rigor as atitudes assumidas
pelas actuais “direitas”. O PSD reelegeu o dr. Rio, e com ele a
convicção de que o poder não existe à revelia do PS e de que o PSD
existe para prestar vassalagem ao PS. Quanto ao CDS, elegeu um rapaz
conhecido por “Chicão”, que nas horas vagas é amigo do filho do dr.
Costa e no expediente levou para a direcção um sujeito que é
salazarista, antissemita e autor de um método para curar a
homossexualidade.
Em suma, uma parte da direita tem vergonha de ser direita e
subjuga-se à esquerda. A parte que sobra orgulha-se de ser direita e
decidiu competir com a esquerda em matéria de grunhice. E o jovem
“Chicão”, que admira Thatcher e frequenta casórios de socialistas, está
em todas. Perante isto, uma pessoa pergunta-se se não haverá vida
inteligente algures entre os extremos. E uma pessoa responde-se que com
certeza, embora seja menos abundante do que a quantidade de dirigentes
desportivos presos na sequência do Football Leaks.
É evidente que a direita traumatizada que o dr. Rio representa e a
direita envergonhada representada por nomes sortidos do PSD e do CDS são
uma das causas do domínio que o PS estendeu sobre o Estado e, dado que
mal se distinguem, o país. Não sei se o PS ainda é um partido
democrático ou sequer se o chegou a ser. Sei que as condições em que
hoje manda nisto têm muito pouco de democráticas, e que a reverência ou
no mínimo a tolerância de supostos opositores constituem a legitimação
do processo de subversão do regime consagrado em finais de 2015. Para
criaturas com um pingo de decência, o PS merece a distância suscitada
pela peçonha: gente civilizada não colabora com aquilo, não dialoga com
aquilo, não toca naquilo. Gente civilizada, e que possua uma réstia de
esperança, combate aquilo.
Convinha é que se combatesse aquilo de modo civilizado, e não através
da descida ao buraco em que habitam os socialistas e os estalinistas,
maoistas, trotskistas, carreiristas, terroristas e vigaristas seus
aliados. Infelizmente, enquanto espera o desabrochar do antissemita do
CDS, versão “escandalosa” dos antissemitas admissíveis à esquerda, a
direita rija, musculada e viril decidiu abraçar, a título de epifania,
os ensinamentos de um moço que comenta futebol num dos canais do
“sistema”, um campeão da moralidade preso por um emaranhado de fios às
trapalhadas obscuras de um clube da bola. Repito o que escrevi há
tempos: André Ventura tem a virtude de conseguir irritar os espécimes
que dá gosto de ver irritados.
A chatice é não ter mais nada, excepto lábia de taberna, cujo
conteúdo é o exacto reflexo da arrogância marxista e cuja forma é a
exacta imitação. Ao primarismo da esquerda, André Ventura contrapõe o
primarismo de certa direita. Se a esquerda puxa a carta do “racismo”, o
chefe do Chega lança uma graçola racista. Se a esquerda belisca a
adorada pátria, sai bazófia patriótica. Se a esquerda teima na cretinice
da “identidade de género”, leva com uma atoarda sobre os mariconços. Se
a esquerda acarinha tudo o que é bandidagem, promete-se enfiar
multidões na choça até ao Segundo, ou Terceiro, Advento. Etc.
Boçalidade e demagogia versus boçalidade e demagogia. É possível que a
técnica convença os cidadãos impacientes e cansados da docilidade da
direita tradicional. Porém, é pena que a reacção ao socialismo se faça
através de aproximações ao fascismo que a esquerda sempre agitou como
insulto e estratégia defensiva. O fascismo, ou posições susceptíveis de
confusão com o fascismo, não é o oposto do socialismo: é a sua natureza,
que os socialistas procuram colar aos adversários para efeitos de
distinção e propaganda. Por regra, os “fascistas” que a esquerda inventa
nunca o são. André Ventura e principalmente diversos seguidores de
André Ventura parecem às vezes pouco empenhados em demarcar-se do
epíteto.
Não me entendam mal (ou entendam, que me é indiferente): a
“normalização” do totalitarismo de esquerda, de que já não podemos
excluir o PS, é um aspecto particularmente repugnante da nossa
experiência colectiva, e uma explicação válida do atraso em que vivemos.
Também não me esqueço das culpas que uma direita com propensão para
capacho possui nessa “normalização”. Apenas acho que a alternativa à
direita-capacho não é a direita-carrasco, movida pelos princípios
discriminatórios, ressabiados, proibicionistas e primários que definem a
essência da esquerda. Arriscando passar por excêntrico, gosto da
liberdade, leia-se o direito a arruinar os meus dias à conta das minhas
escolhas, que são minhas e não de entidades míticas ou terrenas, do
Estado à Nação, às quais não passei procuração para me salvar. Se
calhar, estou para aqui a sonhar com um produto sem procura em Portugal.
Nas “presidenciais” do ano que vem, além de dois ou três exotismos
leninistas, é provável que a direita-capacho, ou castrada, enfrente a
direita-carrasco, ou sedenta de castrar. De um lado, o prof. Marcelo,
perito em “afectos” e fotografia amadora, íntimo do dr. Salgado,
parceiro do dr. Costa e o pioneiro que puxou o dr. Louçã a conselheiro
de Estado. Do outro, a voz do Benfica que costuma debater ao nível da
ex-deputada do Livre. O compadrio contra a brutalidade, habilidosos
contra oportunistas, pantomineiros contra pantomineiros. No meio,
palpita-me que não haverá vivalma. Se houver, não haverá vivalma para
votar aí. Neste canto esquecido do mundo, a liberdade é um lugar
solitário.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário