Da cadeia, uma quase presidente, Keiko Fujimori, comanda o caos e o
choque aberto entre poderes e instituições que não funcionam, escreve a
colunista de Veja Vilma Gryzinski:
Imaginem um país em que ordens políticas vitais emanam da cadeia, o
povo está revoltado com o Congresso e o Supremo Tribunal, a corrupção
patrocinada por uma grande construtora envenena as instituições e
ninguém sabe quem é o presidente.
Isso que ainda nem chegamos no cerne dos problemas do Peru, onde o
Congresso foi dissolvido, mas a ala política dominante não aceitou e
tentou virar o jogo.
Martín Vizcarra, presidente ou ex-presidente, dependendo da ótica –
sendo que nem tinha sido eleito para o cargo, assumindo-o na condição de
vice – não precisou de um soldado e um cabo para dissolver o Congresso
porque tinha muito mais: o apoio explícito, com foto e tudo, dos
comandantes das Forças Armadas e da polícia.
Também não era um golpe de mão, apesar da gravidade da iniciativa. Haveria, ou haverá, sabe-se lá no momento, novas eleições.
O Congresso, onde fujimoristas e outros partidos de direita são
majoritários, foi dissolvido porque estava tentando uma esperteza:
nomear membros do Tribunal Constitucional, o equivalente ao Supremo
Tribunal.
Até o fim do ano, nomearia seis juízes. No Peru, o cargo não é vitalício.
Surpresa, surpresa. O Tribunal Constitucional tem importantes
decisões a tomar sobre o caso Odebrecht, a construtora brasileira que,
em combinação com o apenado e influencer de Curitiba, exportou para o
Peru o modelo aparentemente perfeito de corrupção.
Sob o controle da Força Popular, os novos integrantes do tribunal seriam simpáticos a Keiko Fujimori.
Quase eleita presidente duas vezes, ela está presa preventivamente há
um ano por lavagem de dinheiro e recebimento de contribuições não
declaradas.
A construtora brasileira dava dinheiro a todos os candidatos, para não ficar a descoberto com nenhum deles.
Também foi beneficiado o candidato que derrotou Keiko por pequena
diferença, Pedro Pablo Kuzscynski, em prisão domiciliar por idade e
doença cardíaca.
PPK queimou o filme quando indultou Alberto Fujimori, envolvido em
crimes mais graves de corrupção e repressão descontrolada, envolvendo
inocentes, no combate ao brutal e assassino grupo maoísta Sendero
Luminoso.
O problema de Kuzscynski, um economista de reputação internacional
que voltou ao Peru para salvar o país e foi engolido por ele, era o
mesmo que está provocando o caos atual: a oposição fujimorista impedia
que governasse.
O indulto a Alberto Fujimori talvez desimpedisse o caminho, mas isso nunca será provado.
PPK acabou sendo obrigado a renunciar, em março do ano passado.
Assumiu o primeiro vice-presidente Martín Vizcarra, que tentou sua própria manobra, também sem sucesso.
No lugar dele, prestou juramento perante o Congresso, sem que isso
garanta sua legitimidade como presidente interina, a segunda
vice-presidente, Mercedes Araóz.
Economista bem falante e bem alinhada, pelos padrões
latino-americanos, ela evocou como motivo da resistência o fechamento do
Congresso decretado por Alberto Fujimori, um engenheiro agrícola que
virou ditador, em outra das guinadas surrealistas do Peru.
Ela lembrou, nesse caso com razão, que na época, Fujimori teve 90% de
aprovação popular. Da mesma forma, hoje existem manifestações de apoio
ao fechamento do “ninho de ratos”.
Ironia das ironias: os congressistas que reagem ao fechamento e
decretaram a desabilitação de Martín Vizcara são justamente os
fujimoristas.
Ah, sim. Alberto Fujimori voltou para a cadeia.
Dessa forma, o Peru tem hoje pai e filha, importantes líderes
políticos, igualmente presos; dois presidentes; um Congresso dissolvido e
um Congresso que se declarou funcional e ninguém sabe que saída para
essa encrenca toda.
Os ratos estão deitando e rolando.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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