Há mais semelhanças que diferenças entre partidários ideológicos de
esquerda e direita, escreve Leor Zmigrod, em artigo publicado pela Gazeta do Povo (o que leva o blogueiro a repetir o que tem dito com frequência: ideologia emburrece):
Vivemos a era do partidarismo. À medida que nossas crenças se tornam
cada vez mais polarizadas e que as câmaras de reverberação começam a
ditar nossa realidade, muitos de nós nos percebemos subitamente
partidários. Nessa época marcada pelas bolhas, aprendemos a confiar na
diferenciação política entre esquerda e direita como um instrumento
fundamental para avaliar quem pensa como a gente e com quem devemos nos
relacionar.
Mas o partidarismo não é apenas uma questão de direção – isto é, se
as crenças políticas da pessoa tendem à direita ou esquerda. O
partidarismo tem uma outra dimensão geralmente ignorada, marcada pela
intensidade ou extremismo das crenças e da identidade pessoal.
Uma pessoa, por exemplo, pode tender à esquerda politicamente e
defender essas crenças firme e dogmaticamente, e outra pode tender à
direita, mas se sentir levemente identificada em relação aos partidos
conservadores, abrindo-se para pontos de vista alternativos. Quando
falamos em partidarismo político, os rótulos de “esquerda” e “direita”
não bastam: temos de avaliar a tendência partidária e o extremismo.
O cérebro partidário
O pensador norte-americano Eric Hoffer acreditava que podíamos ter
grandes ideias quanto à história, psicologia e política avaliando como
as pessoas demonstram identidades ideológicas extremadas.
Em seu livro The True Believer [O verdadeiro crédulo](1951), Hoffer
argumentava que pessoas que seguem uma ideologia ou um político partido
extremista tendem a ter um caráter psicológico específico que as torna
suscetíveis ao grupo ideológico, independente das crenças específicas
que ele defende. Escreveu ele:
Todos os movimentos, por mais diferentes que sejam na doutrina e nas aspirações, atraem os primeiros apoiadores entre um mesmo grupo social; eles atraem o mesmo tipo de mentalidade.
Quais as características do “tipo de mentalidade” mais suscetível ao
pensamento extremista e dogmático? De acordo com a hipótese de Hoffer,
uma baixa autoestima e uma frustração pessoal são ingredientes
fundamentais do extremismo ideológico. Eu e meus colegas da Universidade
de Cambridge decidimos usar uma abordagem diferente e mais moderna para
esse problema, usando os instrumentos da ciência cognitiva.
Buscamos investigar a psicologia da “mente ideológica” e nossa
hipótese era a de que a rigidez e o extremismo partidários talvez surjam
de uma tendência psicológica geral a processar informações de uma forma
rígida e inflexível.
De acordo com a literatura neuropsicológica, um indivíduo
cognitivamente rígido tende a perceber os objetos e os estímulos em
termos maniqueístas, e isso os impede de transitar entre formas
distintas de pensamento e se adaptarem a ambientes em transformação.
A hipótese é a de que indivíduos com uma tendência à rigidez
cognitiva têm mais chance de serem rígidos e dogmáticos no que diz
respeito a suas crenças e identidades políticas também.
Num estudo recentemente publicado, convidamos 750 cidadãos
norte-americanos a se submeterem a testes neuropsicológicos que nos
permitem mensurarmos o nível de rigidez e flexibilidade cognitivo
individual deles. Descobrimos que pessoas extremamente ligadas ao
Partido Democrata ou ao Partido Republicano demonstravam uma rigidez
mental maior nestes testes cognitivos do que aqueles com uma ligação
moderada ou fraca. Independentemente da direção ou conteúdo de suas
crenças políticas, os extremistas tinham um perfil cognitivo semelhante.
Isso sugere que o extremismo partidário é psicologicamente
significativo – a intensidade com que nos apegamos a doutrinas políticas
talvez reflita e molde a forma como nossa mente funciona, até mesmo nos
níveis mais básicos de percepção e cognição. Vale notar que essa
descoberta teria permanecido oculta se considerássemos os participantes
apenas como “direitistas” ou “esquerdistas”.
Aprendendo a ser flexível
Esses resultados levantam muitas perguntas quanto à relação entre
nossa mente e nossa política. A primeira é a questão da causalidade: o
envolvimento com uma ideologia extremista leva à rigidez mental? Ou a
inflexibilidade cognitiva é que faz a pessoa se aproximar do extremismo
ideológico? A resposta provavelmente é – como para boa parte dos
fenômenos complexos – uma mistura das duas coisas. Cientificamente,
precisaríamos de estudos longitudinais que acompanhassem as pessoas
durante muito tempo para determinar causa e efeito.
Também temos de pensar se essas descobertas podem nos ajudar a
enfrentar alguns dos aspectos negativos de se viver numa era de
partidarismo. Uma das propriedades da flexibilidade cognitiva é o fato
de ela ser, em si, maleável. Estudos demonstram que a educação pode nos
ajudar a cultivarmos e ampliarmos nossa flexibilidade mental,
melhorando, assim, nossa capacidade de transitarmos entre dois estilos
de pensamento distintos e de adaptarmos nosso comportamento diante da
mudança e da incerteza. Reforçar nossa flexibilidade nos ajudaria a
criarmos uma sociedade mais tolerante e menos dogmática?
Ao mesmo tempo em que o conservadorismo e progressismo de nossas
crenças podem nos dividir, nossa capacidade de pensarmos o mundo de uma
forma flexível e adaptável pode nos unir. O extremismo em qualquer
direção pode nos levar a vermos o mundo em preto e branco e a nos
esquecermos de admirarmos aqueles fundamentais tons de cinza no meio.
É geralmente dentro desses tons de cinza intermediários que
encontramos soluções criativas e construtivas para problemas da
sociedade e nos lembramos de colocarmos nosso humanismo compartilhado
acima dos ideais abstratos. Já está na hora de a era da plasticidade
substituir a era do partidarismo? Só se aprendermos a reconhecer que, a
despeito das diferenças externas, por dentro somos mais semelhantes do
que pensamos.
Leor Zmigrod é bolsista-pesquisadora do Departamento de Psicologia da Universidade de Cambridge.
© 2019 The Conversation. Publicado com permissão. Original em inglês.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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