E Trump vê
uma vantagem eleitoral ao reativar as execuções pelo sistema federal,
colocando a oposição na defesa de assassinos de criancinhas, escreve Vilma Gryzinski:
Matou, morreu: 56% dos americanos acham que a pena de morte deve ser aplicada a homicidas.
Historicamente, o ponto mais baixo foi em 1966, quando a aprovação caiu a 40%. O pico, na metade dos anos 90 atingiu 80%.
Todo mundo que já viu filmes sobre crimes e julgamentos sabe que a pena de morte nos Estados Unidos depende dos estados.
Olhando o
mapa, os trinta estados onde ela vale ocupam quase todo o território
americano, com exceção da faixa nordeste, agora acrescida de Washington,
no alto da Costa Oeste. Em estados como a Califórnia, ela não foi
abolida, mas está há muito tempo em moratória.
Existia também uma moratória branca para a pena de morte no sistema de Justiça federal, que é separado dos estados.
O último
condenado executado foi o militar Louis Jones Jr, de 44 anos, em 2003.
Ele sequestrou numa lavanderia a soldado Tracie Joy McBride, de apenas
19 anos.
Levou-a
para casa, estuprou-a, fez com que lavasse todo o corpo com água
oxigenada para eliminar evidências físicas e a conduziu até um local
baldio onde arrebentou sua cabeça com nove pancadas de uma barra de
ferro. Largou o corpo debaixo de uma ponte.
A
alegação de “síndrome da Guerra do Golfo”, tendo supostamente sofrido
alterações mentais devido a ataques químicos, e o fato de que um homem
negro havia estuprado uma branca, tão carregado de conotações raciais,
não interferiram na sentença.
Nem a
Suprema Corte nem o presidente George Bush filho atenderam aos apelos e
pedidos de clemência, mas as execuções de criminosos julgados pela
Justiça Federal entraram em moratória branca, uma iniciativa
presidencial mantida durante todo o governo Obama.
É esta
moratória que Donald Trump determinou ao Departamento de Justiça que
interrompa, procedendo à execução de cinco condenados por crimes
pavorosos, incluindo um fanático do supremacismo branco que matou uma
menininha de 7 anos e seus pais por serem negros.
É claro
que Trump está em campanha pela reeleição e vê na reativação das
execuções de condenados federais uma boa oportunidade de colocar os
adversários democratas, ainda disputando quem será o candidato da
oposição, na posição nada confortável de defender autores de crimes
monstruosos.
Alfred
Bourgeois matou a própria filhinha, de 2 anos e meio. Ela havia feito
xixi no caminhão do pai, que a estuprou, torturou e matou a pancadas.
Lezmond Mitchell matou uma avó e a neta de nove anos a facadas – todos
são americanos nativos.
Isso sem
contar outros famosos da lista de 62 condenados à morte pela Justiça
Federal, incluindo o terrorista da maratona de Boston, Dzhokhar
Tsarnaev, e Dylan Roof, o maldito que entrou numa igreja protestante de
Charleston e matou nove fiéis negros por motivo de ódio racial.
Cromossoma extra
Não faltam americanos que se oferecem para executar pessoalmente pragas assim ou, pelo menos, fornecer a munição.
É claro
que sabem que as execuções hoje são feitas com um coquetel de
medicamentos — fentanil e outros anestésicos que primeiro fazem o
executado perder os sentidos; depois, a respiração, e por fim os
batimentos cardíacos.
Mas
sabem também que a oposição profunda à pena de morte cria obstáculos
como o processo do laboratório farmacêutico alemão Fresenius Kabi contra
o estado de Nebraska pelo uso alegadamente fraudulento de medicamentos
de sua fabricação, como o Midazolam, em execuções.
Carey
Dean Moore (dois motoristas de táxi roubados e assassinados) foi
executado mesmo assim, mas o acesso aos medicamentos letais está ficando
quase impossível.
Os
americanos a favor da pena de morte costumam não ligar a mínima quando
os Estados Unidos são acusados de ser “o único país ocidental” onde
ainda subsiste a pena máxima.
Quem
quiser abolir, tudo bem, inclusive nos estados da União. Quem não
quiser, como a maioria dos eleitores que escolhem seus representantes,
continua com a prática.
Em
geral, acreditam no efeito dissuasivo da pena de morte. Ou simplesmente
no direito a alguma compensação moral para os familiares das vítimas,
sempre convidados e frequentemente presentes nas execuções.
Frequentemente,
a pena de morte volta a ser debatida, no geral ou em casos específicos,
pela Suprema Corte, a instância que abre ou fecha a torneira,
dependendo da composição de seus integrantes.
É o
terceiro assunto mais importante nas mãos dos “supremos”, para os
americanos, depois da Segunda Emenda, o artigo da Constituição que
garante a posse de armas, e do aborto.
Em
fevereiro, a Suprema Corte decidiu, por 5 a 4, que um condenado no
Alabama podia ser executado mesmo sem ter um imã, ou religioso
muçulmano, nos momentos finais.
Ao
contrário de religiões cristãs, o Islã não tem conceitos como confissão
ou pedido de perdão (mas tem o de reparação, em dinheiro, para
familiares de vítimas que o aceitem).
A
alegação de ofensa ao “princípio de neutralidade confessional”, que
havia adiado a execução de Domineque Ray (estupro, morte e roubo de 6
dólares de uma menina de 15 anos), não funcionou.
Desequilíbrios mentais, traumas de infância e doenças comprovadas não costumam interferir em condenações à morte.
Billy
Ray Irick, diagnosticado com “problemas comportamentais gravíssimos”
desde a infância, foi um dos 25 homens executados nos Estados Unidos no
ano passado (estupro e morte de uma menina de 7 anos).
Outro,
Bobby Joe Long, um assassino serial de mulheres cujo caso teve uma certa
notoriedade e virou filme, teve uma infância miserável, compartilhando
um quartinho com os homens que a mãe levava lá, e sofria de doença
genética —tinha um cromossoma X a mais, o que fez desenvolver seios na
adolescência.
Foi
executado na Flórida, o terceiro estado com mais execuções desde 1976
(103). O recordista, claro, é sempre o Texas (563). O Texas tem um
índice de 5 homicídios por 100 mil habitantes, um dos mais baixos dos
Estados Unidos.
Sem últimas palavras
É claro
que criminalidade e, especificamente, homicídios, são produto de uma
vasta multiplicidade de fatores que vão desde o substrato cultural até
índices de natalidade, passando por todas as gamas da relação entre
delito e devida punição legal.
No
México, vizinho de fronteira com o Texas, a taxa de homicídios é de 29
por 100 mil habitantes. O plano de combate à criminalidade do presidente
Andrés Manuel López Obrador não apenas não está funcionando, como
piorando uma situação já horrível.
Os homicídios, sempre o crime mais sensível, aumentaram 13%. Foram em média 100 casos por dia em 2018.
No Japão, os homicídios têm diminuído gradativamente desde 2002. Foram de 0,5 para 0,2 por 100 mil habitantes.
A pena
de morte no Japão não tem familiares, última refeição nem muito menos
últimas palavras. Aliás, os condenados só ficam sabendo uma hora antes
que serão executados. Também não existe o problema de acesso a
medicamentos letais porque o método é a forca.
Três
funcionários do sistema prisional apertam simultaneamente botões que
abrem o cadafalso de forma que não se sabe exatamente quem tinha o botão
certo.
No ano
passado, foram dezesseis executados, sendo seis num dia só: os últimos
que faltavam da seita maluca que, entre outros crimes, jogou gás sarin
no metrô de Tóquio em 1995, matando treze pessoas, fora milhares de
afetados.
“Considero
a pena de morte inevitável para os que cometeram crimes especialmente
graves e hediondos”, disse a ministra da Justiça na época, Yoko
Kamikawa. “Não há planos para eliminá-la.”
A situação, portanto, é a mesma que nos Estados Unidos. Quem tem, tem.
Quem não
quer ter vota em referendos estaduais. E quem tinha parado pode
reativá-la como Donald Trump enquanto assiste aos eventuais adversários
defenderem o direito à vida dos que praticaram os mais bárbaros atos
contra ela.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

Nenhum comentário:
Postar um comentário